terça-feira, 29 de setembro de 2009

Ações questionam atos dos DETRANs

Clipping, 29.09.09
Disputas com os Detrans cada vez mais terminam no Judiciário

Cada vez com mais frequência, chegam ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) demandas de proprietários e condutores de veículos contra os departamentos estaduais de trânsito, os Detrans. Nos últimos dez anos, foram mais de 2.500 processos questionando multas, transferência de carros roubados, alienação fiduciária e apreensão de veículos, entre outras questões administrativas com os Detrans.
As questões mais comuns são aquelas que afetam o órgão mais sensível do ser humano, o bolso. São as multas. Teve repercussão nacional o julgamento do STJ sobre o procedimento dos Detrans de exigir o pagamento de multas e despesas de depósito como condição para liberação de veículos removidos ou apreendidos.
Ao julgarem o Resp 1104775, os ministros da Primeira Seção decidiram que as autoridades de trânsito só podem exigir o pagamento das multas já vencidas e regularmente notificadas aos eventuais infratores. Também foi decidido que, apesar de os veículos poderem permanecer retidos em depósito por tempo indeterminado, os Detrans só poderão cobrar taxas de permanência até os primeiros 30 dias de sua estada nos depósitos.
Não é legal a retenção do veículo como forma de coagir o proprietário a pagar a pena de multa. Entretanto, é diferente a hipótese de apreensão do veículo como modalidade autônoma de sanção em que a sua retenção pode prolongar-se até que sejam quitadas multas e demais despesas decorrentes da estada no depósito. Esse foi o entendimento da ministra Eliana Calmon, relatora do Resp 1088532, acompanhado pela Segunda Turma do Tribunal em julgamento que determinou ser legal o condicionamento da liberação do veículo retido por conta de infração de trânsito ao pagamento da multa e demais despesas decorrentes da apreensão do automóvel.
Radares e pardais
A contestação às multas aplicadas com base em registro fotográfico por radares, conhecidos como “pardais”, também é recorrente entre os processos levados até o STJ. As Turmas que compõem a Primeira Seção já reconheceram a legalidade do uso desse recurso tecnológico para a aplicação de multas de trânsito.
No julgamento do Resp 772347, a Primeira Turma entendeu que os pardais não aplicam as multas, apenas fornecem elementos fáticos que permitem à autoridade de trânsito a lavratura do auto de infração e a imposição das sanções legais decorrentes. “Há distinção entre a atividade de coleta de provas que embasam os autos de infração e a lavratura do auto de infração propriamente dito”, ressaltou o relator, ministro Luiz Fux.
Em julgamento semelhante, a Segunda Turma decidiu que as multas de trânsito podem ser registradas por aparelhos eletrônicos sem a presença de um agente para autuar. O relator do caso, ministro Humberto Martins, também entendeu que os pardais eletrônicos não aplicam multa, apenas comprovam a infração ocorrida (Resp 759759).
O STJ também já firmou o entendimento de que a emissão da notificação de multa e do auto de infração de trânsito (AIT) é suficiente para atender as exigências da ampla defesa e do contraditório no caso de imposição de multas de trânsito. Segundo o relator do Resp 898524, ministro Herman Benjamin, essas notificações permitem ao suposto infrator defender-se caso assim o deseje.
Responsabilização
Casos de responsabilização de condutores, de proprietários e do próprio Detran também fazem parte da rotina do STJ. A Primeira Turma, no julgamento do Resp 745190, estabeleceu que o proprietário do veículo que entrega o automóvel à pessoa sem habilitação não pode ser punido também como se fosse o condutor, devendo ser aplicada a ele apenas a multa prevista no artigo 163 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Para o relator do recurso, ministro Luiz Fux, a “responsabilidade solidária do proprietário de veículo automotor, por multa de trânsito, deve ser aferida cum grano salis” [com certa reserva]. Além disso, o ministro destacou que o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê hipóteses de caráter individual dirigidas tanto ao proprietário quanto ao condutor.
O STJ também decidiu que o Detran não pode ser responsabilizado por ato criminoso de terceiros ou pela culpa do adquirente de veículo de procedência duvidosa. O entendimento da Segunda Turma excluiu o Detran do Rio Grande do Norte da responsabilidade no pagamento dos danos materiais devidos a um comerciante que vendeu um veículo roubado.
Segundo o relator do recurso (Resp 873399), ministro Herman Benjamin, compete ao comerciante de automóveis usados o dever de verificação – mediante inspeção física do bem, e não simplesmente documental no Detran – da existência de restrições à transferência e da procedência lícita do veículo comercializado.
Alienação e penhora
Quando da alienação do veículo, o Tribunal já decidiu que, se a lei não exige o prévio registro cartorial do contrato de alienação fiduciária para a expedição de certificado de registro de veículo, não há como obrigar o Detran a exigir tal documento dos proprietários dos veículos. O caso foi tratado em uma suspensão de segurança (SS 1518) proposta pelo Detran de Alagoas sob o argumento de ser desnecessário o registro de tal contrato no cartório de títulos de documentos, não havendo dever legal para a exigência do registro.
Ainda com relação à alienação, a Segunda Turma também definiu que a exigência de registro do contrato em cartório não é requisito de validade do negócio jurídico. Para as partes signatárias, a avença é perfeita e plenamente válida, independentemente do registro que, se ausente, traz como única consequência a ineficácia do contrato perante o terceiro de boa-fé (Resp 278993).
Em casos de execução fiscal, a Segunda Turma do STJ definiu que a ausência do registro de penhora do veículo no Detran elimina a presunção de fraude à execução, mesmo que a alienação do bem tenha sido posterior à citação do devedor em execução fiscal.
Para a relatora do recurso (Resp 810489), ministra Eliana Calmon, apenas a inscrição da penhora no Detran torna absoluta a afirmação de que a constrição é conhecida por terceiros e invalida a alegação de boa-fé do adquirente da propriedade, mesmo que a alienação tenha sido realizada depois da citação do devedor na execução fiscal.
No julgamento do AgRg no Resp 924327, a Primeira Turma também afirmou que a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que o terceiro que adquire veículo de pessoa diversa da executada, de boa-fé, diante da ausência do registro da penhora junto ao Detran, não pode ser prejudicada pelo reconhecimento da fraude à execução.
Criado para fiscalizar o trânsito de veículos terrestres em suas respectivas jurisdições, no território brasileiro, o Detran tem também, entre suas atribuições, a determinação das normas para a formação e fiscalização de condutores.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

STJ reduz condenação imposta à GM por defeitos em automóvel Monza

STJ reduz multa de R$ 1,2 milhão à General Motors por defeitos em Monza 1996
25/09/2009
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça livrou a General Motors do Brasil de pagar quase R$ 1,2 milhão a um consumidor do Paraná pela demora na substituição de um automóvel Monza modelo 1996 que foi adquirido quando zero quilometro e apresentou diversos problemas de fabricação. Por unanimidade, a Turma reduziu o valor da multa diária de R$ 200 para R$ 100 e limitou seu montante à quantia equivalente a um automóvel Vectra zero quilômetro.

Acompanhando o voto do relator, ministro Aldir Passarinho Junior, a Turma concluiu que a multa milionária aplicada pela Justiça paranaense por descumprimento de decisão judicial ultrapassou os limites de razoabilidade e proporcionalidade, gerando enriquecimento indevido. Para o relator, é um absurdo a execução de astreintes (multa imposta por condenação judicial) em valor superior a R$ 1 milhão, quando o bem objeto do pleito principal é, atualmente, bem inferior a R$ 100 mil.

Citando vários precedentes, o ministro destacou que o STJ pode reduzir o valor da multa quando verifica que ela foi estabelecida fora dos parâmetros da razoabilidade, já que seu objetivo é o cumprimento da decisão judicial, não o enriquecimento da parte. Para ele, a imposição de multa diária vem sendo comumente aplicada de forma tão onerosa que, em inúmeros casos, passa a ser mais vantajoso para a parte ver seu pedido não atendido para fruir de valores crescentes.

Aldir Passarinho também ressaltou, em seu voto, que o consumidor teve o veículo substituído por outro similar, no caso um Vectra modelo 2002, e recebeu indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil.

No caso em questão, a multa diária de R$ 200 pelo descumprimento da obrigação de substituir o automóvel defeituoso foi aplicada pelo Tribunal de Justiça do Paraná em sede de tutela antecipada e sem qualquer limitação e alcançou a quantia de R$ 1.151.481,23. O Tribunal de origem rejeitou o pedido de redução do valor da multa por existência de coisa julgada material e ausência de teto para as astreintes.

A GM do Brasil recorreu ao STJ alegando enriquecimento indevido, violação dos princípios da boa-fé e da razoabilidade e dissídio jurisprudencial, diante da possibilidade de reduzir a multa diária excessiva sem que haja ofensa à coisa julgada. O recurso foi parcialmente acolhido pela Corte Superior para reduzir o valor da multa, limitar o seu total ao valor do automóvel objeto da obrigação principal e compensar eventuais importâncias já depositadas.
Processos: Resp 947466

domingo, 27 de setembro de 2009

Planos de saúde sofrem derrotas judiciais

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 25, 26 e 27.09.09 - E1

Consumidor: Pesquisa da Unimed-BH mostra derrota das empresas em 86% dos processos
Usuários de planos de saúde vencem disputas na Justiça


Arthur Rosa, de São Paulo
O consumidor está ganhando a maioria das disputas judiciais travadas com as operadoras de planos de saúde. Uma pesquisa realizada pela Unimed Belo Horizonte em quatro tribunais de Justiça - São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul - e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) mostra que os usuários obtiveram êxito em 86% das 1.611 decisões analisadas. As ações buscam, em sua maioria, assistência médica - como internações - e próteses.

No estudo "Judicialização da Saúde Complementar", realizado pelo setor jurídico da Unimed-BH, foram examinados acórdãos proferidos entre 2005 e 2007, de tribunais em Estados com expressiva concentração de usuários de planos de saúde. Em média, metade dos casos envolve contratos celebrados antes da Lei nº 9.646, de 1998, que regulamentou o setor e estabeleceu um modelo mínimo de cobertura a ser oferecido pelas operadoras.

Apesar de existir um forte movimento das operadoras para a migração para os novos contratos - regulamentados -, parte dos consumidores prefere manter os antigos planos, que têm preços mais baixos. Hoje, pouco mais de 20% dos 52 milhões de usuários no país têm seguros que não estão adaptados à legislação e que proporcionam uma menor cobertura. "O consumidor não migra e acaba recorrendo à Justiça para ampliar sua cobertura no momento em que precisa", diz o presidente da Unimed-BH, Helton Freitas.

A partir do estudo, segundo ele, foi possível à operadora desenhar um panorama do comportamento do Judiciário e alterar sua conduta interna, incorporando procedimentos a sua cobertura para evitar conflitos com seus clientes. Hoje, milhares de ações tramitam contra as operadoras de planos de saúde. E a maioria das decisões é favorável aos consumidores.

No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), o número de vitórias alcança o maior percentual verificado na pesquisa: 94%. O tribunal com maior número de reforma de julgamentos é o do Rio Grande do Sul. Em primeira instância, 79% das demandas favorecem o consumidor. Em segunda instância, o índice alcança 86%.

Em uma parte considerável das demandas, de acordo com a pesquisa, houve concessão de liminar ou tutela antecipada determinando a cobertura imediata da assistência médica requerida. No Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), em 38% das ações o pedido foi concedido. Em São Paulo, alcança 29% dos casos.

Nos acórdãos analisados, chama a atenção o expressivo número de pedidos de internação, que geralmente dependem de autorização das operadoras. Nos tribunais de Justiça, os consumidores questionam o prazo de carência, a limitação de cobertura de doenças preexistentes e a delimitação da área de abrangência e da rede de atendimento conveniada à operadora.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a principal discussão sobre o tema foi pacificada pelos ministros. Consumidores questionavam a limitação de tempo para internações hospitalares, prevista nos contratos anteriores à Lei nº 9.646. A corte editou a Súmula nº 302, que considera abusiva a cláusula contratual que restringe o período de internação.

Além dos pedidos de assistência médica - que incluem ainda em grande número cirurgias bariátricas para redução do estômago, quimioterapia e radioterapia -, há muitas ações solicitando próteses, principalmente cardiovasculares. Metade de todas as solicitações incluem o stent, que é um tubo metálico posicionado no interior de artérias coronarianas obstruídas por placas de gordura, com o objetivo de normalizar o fluxo sanguíneo.

Em várias demandas judiciais, os pedidos são cumulados. Em um mesmo acórdão pode haver, por exemplo, pedido de assistência médica - uma cirurgia - e de colocação de prótese - um stent. No Tribunal de Justiça de Minas Gerais, cerca de 80% dos casos analisados são de assistência médica. E em outros 41% o pleito é de prótese.

Nas ações, além dos pedidos assistenciais, consumidores buscam ainda indenizações por danos morais. No Rio de Janeiro, em 63% dos acórdãos há o pedido. O tribunal editou, inclusive, uma súmula contra o pagamento em casos de simples descumprimento de dever legal ou contratual. Mas, em 59% dos casos, os desembargadores ignoram o texto, alegando que o descumprimento contratual em plano de saúde ultrapassaria a seara dos "meros aborrecimentos".

O contrato é a prova mais utilizada nos tribunais. Entretanto, segundo a pesquisa, em muitos casos é afastada sua aplicação. Argumentos relativos à saúde como bem supremo e a questão da urgência prevalecem. Grande parte das decisões no TJMG menciona que a saúde foi elevada pela Constituição como direito fundamental e que, por isso, deveria ser especialmente protegida.

"A saúde é um bem maior. Não pode haver restrições", diz a advogada Renata Vilhena Silva, que tem cerca de duas mil ações em seu escritório contra planos de saúde. Segundo ela, o número de processos tem crescido porque há ainda muitas lacunas na legislação. "A Lei 9.646, que regulamentou o setor, não estancou o problema."

Para o advogado José Luiz Toro da Silva, no entanto, o problema não está na legislação dos planos de saúde. "A maioria dos magistrados julga com base no Código de Defesa do Consumidor. Ignoram a legislação específica", afirma ele, alertando que, num futuro próximo, a crescente judicialização do setor pode trazer reflexos para o consumidor. "A imposição de coberturas pelo Judiciário pode encarecer os planos de saúde."

Estado do Rio protesta CDAs de 500 contribuintes

Valor Econômico - Legislação & Tributos – 25, 26 e 27.09.09 – E1

Fazenda do Rio protesta 500 contribuintes

Adriana Aguiar, de São Paulo
25/09/2009

A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) do Rio de Janeiro já protestou em cartório cerca de 500 contribuintes inscritos na dívida ativa, desde que a Lei Estadual nº5.351, de dezembro de 2008, que regulamentou essa possibilidade, entrou em vigor. As dívidas protestadas vão de R$ 2 mil a alguns milhões de reais, segundo o procurador-chefe da dívida ativa do Estado, Nilson Furtado. Como reação à ofensiva do fisco, contribuintes estão indo à Justiça e obtendo liminares contra a medida.
Os desembargadores da 5ª e da 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) já suspenderam o protesto da certidão de dívida ativa (CDA) de empresas. Eles entenderam que a Fazenda Pública tem procedimento próprio de cobrança de débitos, previsto na Lei de Execuções Fiscais, Lei nº 6.830 de 1980, e que o protesto, nesses casos, seria desnecessário. As decisões também citam diversos precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que excluem essa possibilidade de outros Estados e municípios que também adotaram a prática.
Para o advogado de uma das empresas que obteve liminar, Maurício Faro, do Barbosa, Müssnich & Aragão, não há que se falar em protesto nesses casos, pois a Fazenda tem outros meios previstos na Lei de Execuções Fiscais - como indicar bem a penhora e até a penhora online - para pressionar o contribuinte a pagar suas dívidas. "Esses protestos têm natureza de sanção política e inviabilizam a atividade econômica do contribuinte", afirma. Ele complementa dizendo que também existem diversas súmulas do Supremo Tribunal Federal (STF) que vetam medidas semelhantes como forma de coagir o devedor.
O advogado, Eduardo B. Kiralyhegy, do Negreiro, Medeiros & Kiralyhegy Advogados, também entende que, apesar de alguns Estados e municípios terem adotado os protestos, os precedentes do STJ já indicam que esse meio não pode ser utilizado para cobrança de dívidas fiscais.
Ainda que existam decisões contrárias à Fazenda até no STJ, o procurador-chefe da dívida ativa do Estado, Nilson Furtado, afirma que nem todas as argumentações foram analisadas pela corte superior. Para ele, a Lei Federal nº9.492, de 1997, já abriu a possibilidade de protesto de qualquer título, o que agora foi reforçado pela lei fluminense. "Há autorização legal que em nada colide com a Lei de Execuções Fiscais", afirma ele, lembrando que as decisões existentes no STJ seriam anteriores à edição da norma federal.
Apesar de a Fazenda ter protestado mais de 500 contribuintes, há apenas quatro ações em curso no Judiciário para questionar a utilização desse meio de cobrança, segundo o procurador-chefe. E só em três processos foram concedidas liminares - duas delas para impedir futuros protestos ao quitar a dívida existente por meio de parcelamento e apenas uma suspendendo um protesto já sofrido.
Para o procurador, "o protesto tem uma função importantíssima para o mercado, que é a publicidade da dívida". A medida, já começa a trazer resultados. Cerca de 10% dos contribuintes inadimplentes que foram protestados já negociaram com o fisco o que deviam.
O governo federal e diversos Estados do país - entre eles, São Paulo, Rio Grande do Norte e Pará - publicaram leis e normas que possibilitam o protesto de contribuintes inscritos na dívida ativa. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a Procuradoria-Geral Federal (PGF) já contam com previsão legal desde o ano passado. Já Goiás decidiu optar por outro caminho. Desde 2007, os devedores são incluídos no cadastro de inadimplentes do Serasa.

Crise no direito civil

Jornal do Commercio - Direito & Justiça - 24.09.09 - B-7

Tepedino: há crise no Direito Civil


GISELLE SOUZA

A introdução no ordenamento jurídico brasileiro de princípios como o da dignidade do ser humano, da legalidade ou da solidariedade social, pela Constituição de 1988, levou o Direito Civil, que regula a relação entre particulares, a enfrentar hoje uma crise sem precedentes. A afirmação é do professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Gustavo Tepedino, em palestra no Primeiro Fórum de Debates Republicanos, promovido na noite de terça-feira, pelo curso de Direito das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), em Botafogo.

Segundo afirmou, a Carta de 1988 apenas é escoadouro de um processo de intervenção do Estado nas relações privadas, então reguladas pelo Direito Civil. No Século 19, os códigos criados pretendiam dar maior autonomia às relações entre particulares, assim como permitir que a burguesia ascendente pudesse comercializar e acumular recursos sem os entraves causados pela interferência do Poder Público. "O papel das codificações, neste período, foi precisamente o de separar o público do privado. Dizer: "aqui quem manda são os particulares". Os códigos, então, eram o anteparo para o cidadão no sentido de que ali o Estado não interferiria", explicou.

Tepedino afirmou que esse quadro começou a mudar a partir do Século XX, sobretudo nos idos de 1930, em que foram criadas normas com a finalidade de proporcionar maior equilíbrio ao mercado. "Verificou-se que a liberdade idealizada no Século XIX acabou servindo como uma autorização para que os mais fortes economicamente pudessem se fazer prevalecer nas contratações em face dos mais fracos, permitindo assim que os interesses dos proprietários se sobrepusessem ao dos não proprietários", afirmou.



intervenção. De acordo com o professor, foi na Carta Magna de 1988 que o legislador interveio mais diretamente. "A Constituição é o escoadouro de todo esse processo de intervenção. O legislador interveio diretamente nas relações privadas, no casamento e na família, na propriedade, nas relações de consumo e nos contratos em geral. Alguns dos nossos antigos civilistas criticaram muito a constituinte", lembrou o especialista, destacando que a interferência "provavelmente decorreu de um déficit de valores a respeito da privacidade e da vida".

Algumas das mais importantes leis criadas após a Constituição de 1988 incorporaram os seus princípios, explicou. "Isso justifica algumas normas muito conhecidas, como o Código do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso, que são muito amplos. Eles não têm mais a característica de lei especial do passado, quando as normas se limitavam a especializar alguma coisa. São verdadeiros estatutos, que cuidam de setores inteiros e não somente do Direito Civil, mas também do processual ou adjetivo", disse.

Segundo afirmou, o Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, consagra princípios constitucionais, assim como tipos penais e até regras de hermenêutica (interpretação). De acordo com ele, o objetivo é vincular não apenas o Estado, mas também os particulares, no que diz respeito às regras que visam ao bem-estar coletivo.

"Ao final do Século XX, se o Direito Público tem muito do que se orgulhar no sentido desse leque de ações que oferece com vistas a preservar o direito de voz e da legalidade dos contratos do Estado, com instrumentos como o habeas datas, para assegurar o acesso às informações pessoais, e um sem número de tutelas e cautelares, para nos proteger em uma democracia, o Direito Privado, ao contrário, talvez só tenha do que se envergonhar", afirmou.

"É em nome dessa liberdade que verificamos a violência infantil, o machismo vergonhoso que impõe os valores dos homens sobre as mulheres e os filhos, assim como o trabalho escravo em nome da liberdade da empresa privada. Em nome da liberdade da família ou do contrato, se criou uma espécie de salvo conduto para a imposição dos valores dos mais fortes. Por isso, o constituinte trouxe os princípios da dignidade da pessoa, que dever vincular não apenas o cidadão perante o Estado, mas também nós, contratantes perante o banco ou o fornecedor dos serviços. Essa ingerência vem das nossas carências", acrescentou.

De acordo com Tepedino, a sobreposição dos princípios constitucionais às relações privadas foi aderida pela magistratura, que se mostrou progressista em relação a essa questão e firmou jurisprudência sobre a necessidade de se levar em consideração o bem-estar público quando da apreciação de casos iminentemente particulares. Se, por um lado, isso se reverte em benefício da sociedade, por outro causou uma confusão entre o que pertenceria à seara do Direito Público ou Privado.

Segundo o professor, a questão se agrava com os avanços tecnológicos e implicações jurídicas que elas provocam. Nos últimos 20 anos, os tribunais se viram diante de processos que não podem mais ser "compartimentalizados" na categoria do Direito Público ou Privado. Ele citou como exemplo o primeiro processo relativo à investigação de paternidade julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ainda nos anos de 1990.



paternidade. O caso teve início com a ação de reconhecimento de paternidade na Justiça de Porto Alegre. O autor queria que o suposto pai realizasse o exame de DNA e fundamentava o pedido no princípio constitucional da dignidade do ser humano. O juiz responsável determinou a realização do exame, mesmo sem o consentimento do réu. O suposto pai, então, ingressou com habeas corpus no Tribunal de Justiça, que manteve a obrigação. Ele então recorreu ao STF, alegando que a decisão feria o princípio da legalidade - de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si próprio - assim com os princípios da legalidade e da intimidade. Foram quatro votos vencidos, inclusive o do relator. Prevaleceu o entendimento de ministro Marco Aurélio Mello, de conceder o habeas corpus. "Esse caso é interessante, porque envolve Direito de Família - por isso, particular - que foi levado à Suprema Corte, inclusive dividindo-a", disse.

"Independente de quem ganhou ou perdeu, o mais importante foi que, naquele dia, a Suprema Corte disse que questões privadas, mas que dizem respeito à dignidade da pessoa, fazem parte da ordem pública constitucional e, portanto, estão sob a sua competência. Vale dizer que, mesmo em um contrato que firmo com um particular, se este envolver a dignidade, é então matéria de ordem pública. A questão deixa de ser privada no sentido antigo da palavra e passa a demonstrar a indispensabilidade de construirmos a ordem pública em que os valores constitucionais sirvam para definir os contornos e os limites da iniciativa privada", explicou.

Tepedino defende que leis anteriores à Constituição sejam aplicadas em conjunto com seus princípios. "A tarefa hoje é menos do legislador e sim do aplicador, ou seja, do juiz e do intérprete, que hão de transformar as leis frias em normas vivas de modo que possam resolver os problemas diários das pessoas", disse.

Dicas de gestão

Jornal do Commercio - Opinião - 24.09.09 - A-17


Os 20 mandamentos da boa gestão


Fernando Portella
CEO da Organização Jaime Câmara, maior grupo de mídia do Centro-Norte do Brasil e conselheiro da Oi, Iguatemi Empresa de Shopping Center e da Intermédica Sistema de Saúde. É ex-vice-presidente do Citibank Brasil e ex-CEO do Grupo O Dia de Comunicação

Quais são os fatores determinantes para o sucesso profissional? O que se deve observar para ter uma gestão eficiente na empresa? Essas são algumas dúvidas que volta e meia tiram o sono de qualquer profissional. Algumas delas são fáceis de solucionar, outras, no entanto, demandam muito esforço. Para facilitar um pouco este trabalho, desenvolvi ao longo de minha carreira profissional os 20 pontos para reflexão.

São idéias e soluções capazes de nortear a trajetória profissional em tempos de crise, que mesmo que muitos digam que já passou, ainda afeta o dia a dia das companhias ao redor do mundo. Quando se fala em gestão, não dizemos apenas na administração de recursos. A Boa Gestão vai além. Ela agrega valores tangíveis e intangíveis à sua marca, aglutina talentos, revela líderes, adiciona moral à equipe e reverte em ações positivas para a empresa. O retorno financeiro virá por acréscimo. Um bom administrador sabe a hora de parar, desligar as máquinas, recomeçar e, ainda, de reconhecer.

O posicionamento profissional vai sempre refletir no comportamento pessoal. A fusão dessas interfaces faz com que seu negócio seja cada vez mais eficiente em processos, mesmo que a gestão por vezes fuja ao controle total."Aprender a jogar" é fundamental para lidar com pessoas e o aprimoramento vem sempre com a prática. Quando menos se espera já terá uma legião de seguidores, interessados em seu modelo de gestão eficiente, comportamento polido e sua eficácia em soluções que pareciam instransponíveis.

Acredito que o bom senso e o talento sempre prevalecem. Uma gestão competente ainda é primordial. Ao adotar algumas regras básicas, um gestor pode garantir além do próprio sucesso, maior rentabilidade para sua empresa, fazendo com que ambos passem pela crise sem solavancos.

Dicas básicas para o sucesso

1 - O mercado é absoluto: acompanhe o concorrente, mas não necessariamente siga-o. Você pode estar certo.

2 - Cash is king. Jamais esqueça.

3 - Retorno sobre o capital investido será sempre cobrado. Só você será culpado se o "payback" não aparecer.

4 - Somente lucros constantes e crescentes preservam uma relação sustentada entre executivos e acionistas.

5 - Seja político, mas não faça política na empresa.

6 - A decisão sempre é financeira. Mesmo sendo estratégica, ela tem que ser respaldada por base quantitativa.

7 - Seja cuidadoso, mas transparente. Nada substitui um profissional ético e competente.

8 - Preserve sempre o brilho nos olhos, teu e de tua equipe.

9 - Domine os números de sua área.

10 - Entenda sempre o modelo econômico e os fatores críticos de sucesso do negócio/setor que dirige.

11 - Faça sempre o crivo das questões fiscais e legais que suportam suas decisões. Entenda o risco, mas não tenha medo de tomar a decisão.

12 - Nunca abra mão dos juros. Renegocie o principal, nunca os juros.

13 - Não diga não aos acionistas, diga que é prematuro.

14 - Não leve problemas aos acionistas. Leve um diagnóstico claro do problema, sua recomendação para solucioná-lo, os resultados esperados e um plano de ação.

15 - Você pode ter a caneta, mas o tinteiro está com os acionistas. Use a exata quantidade de tinta que lhe é dada, nem mais nem menos. Seus resultados é que vão lhe assegurar uma quantidade crescente de tinta.

16 - Seu aprimoramento profissional deve ser constante. Estamos na Era do conhecimento.

17 - Formação acadêmica é essencial. Não pare nunca de estudar, formal e informalmente.

18 - Tenha "hobbies" e amigos fora do seu dia a dia de trabalho. Construa "network" dentro e fora do setor que você atua.

19 - Tenha sempre empatia.

20 - Foque sempre no "red issue" (o que está tirando seu sono). Energia é escassa e deve ser usada com foco.

n Refletindo sobre essas dicas, você terá um caminho mais promissor. Só uma última dica: esteja alinhado com seu objetivo 24 horas por dia, 7 dias por semana, o ano inteiro.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Candidatos aprovados dentro do número de vagas do edital

12/8/2009 - STJ. Servidor público. Concurso público. Prazo de validade vencido. Candidatos aprovados dentro do número de vagas. Direito à nomeação

O STJ avançou na questão relativa à nomeação e posse de candidato aprovado em concurso público. Por unanimidade, a 5ª Turma garantiu o direito líquido e certo do candidato aprovado dentro do número de vagas previstas em edital, mesmo que o prazo de vigência do certame tenha expirado e não tenha ocorrido contratação precária ou temporária de terceiros durante o período de sua vigência. O concurso em questão foi realizado em 2005 e sua validade prorrogada até junho de 2009, período em que foram nomeados apenas 59 dos 112 aprovados. Foi relator o Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA. (RMS 27.311)

Inconstitucionalidade de lei estadual sobre mensalidade escolar

12/8/2009 - STF. Mensalidade escolar. Cobrança. Lei estadual. Inconstitucionalidade. Usurpação de competência

Por ser de competência privativa da União legislar sobre direito civil (art. 22, I, da CF/88), o Plenário do STF julgou procedente uma ADIn, proposta pela Procuradoria-Geral da República, contra a Lei 670, de 04/03/94, do Distrito Federal, que dispõe sobre a cobrança de anuidades, mensalidades, taxas e outros encargos educacionais. Em votação unânime, o Plenário ratificou, com isso, decisão tomada por ele em 16/03/94, na qual suspendeu, em caráter liminar, a eficácia da lei até seu julgamento de mérito, acompanhando voto do então relator, Min. SIDNEY SANCHES. (ADIn 1.042)

Monopólio postal

6/8/2009 - STF. Correios. Correspondências pessoais. Monopólio. Lei 6.538/78. Recepção pela CF/88

Por seis votos a quatro, o Plenário do STF declarou que a Lei 6.538/78, que trata do monopólio dos Correios, foi recepcionada e está de acordo com a CF/88. Com isso, cartas pessoais e comerciais, cartões-postais, correspondências agrupadas (malotes) só poderão ser transportados e entregues pela empresa pública. Por outro lado, o Plenário entendeu que as transportadoras privadas não cometem crime ao entregar outros tipos de correspondências e encomendas. A decisão foi tomada no julgamento de uma ADPF, na qual a Associação Brasileira das Empresas de Distribuição reclamava o direito de as transportadoras privadas fazerem entregas de encomendas, como já acontece na prática. O objeto da ADPF era a Lei 6.538/78, principalmente o seu art. 42, que caracteriza como crime a coleta, transporte, trasmissão ou distribuição de objetos de qualquer natureza sujeitos ao monopólio da União. No entendimento dos Ministros, essa tipificação de crime só deve acontecer caso o objeto transportado seja de distribuição exclusiva dos Correios, como previsto no art. 9º da lei impugnada (expedição de carta, cartão-postal e correspondência agrupada, além da fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal). Foi relator para o acórdão o Min. EROS GRAU. (ADPF 46)

Declaração de quitação anual de débito dos consumidor

LEI 12.007, DE 29 DE JULHO DE 2009
(D.O. 30/07/2009)

Consumidor. Administrativo. Dispõe sobre a emissão de declaração de quitação anual de débitos pelas pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos ou privados.
O Presidente da República. Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º - As pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos ou privados são obrigadas a emitir e a encaminhar ao consumidor declaração de quitação anual de débitos.
Art. 2º - A declaração de quitação anual de débitos compreenderá os meses de janeiro a dezembro de cada ano, tendo como referência a data do vencimento da respectiva fatura.
§ 1º - Somente terão direito à declaração de quitação anual de débitos os consumidores que quitarem todos os débitos relativos ao ano em referência.
§ 2º - Caso o consumidor não tenha utilizado os serviços durante todos os meses do ano anterior, terá ele o direito à declaração de quitação dos meses em que houve faturamento dos débitos.
§ 3º - Caso exista algum débito sendo questionado judicialmente, terá o consumidor o direito à declaração de quitação dos meses em que houve faturamento dos débitos.
Art. 3º - A declaração de quitação anual deverá ser encaminhada ao consumidor por ocasião do encaminhamento da fatura a vencer no mês de maio do ano seguinte ou no mês subsequente à completa quitação dos débitos do ano anterior ou dos anos anteriores, podendo ser emitida em espaço da própria fatura.
Art. 4º - Da declaração de quitação anual deverá constar a informação de que ela substitui, para a comprovação do cumprimento das obrigações do consumidor, as quitações dos faturamentos mensais dos débitos do ano a que se refere e dos anos anteriores.
Art. 5º - O descumprimento do disposto nesta Lei sujeitará os infratores às sanções previstas na Lei 8.987, de 13/02/95, sem prejuízo daquelas determinadas pela legislação de defesa do consumidor.
Art. 6º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 29/07/2009; 188º da Independência e 121º da República. Luiz Inácio Lula da Silva - Guido Mantega - José Gomes Temporão - Helio Costa

Convenção de Viena

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 22.09.09 - E2

A hora e a vez da Convenção de Viena
Lauro Gama Jr.
22/09/2009

Em 2008, o comércio exterior do Brasil atingiu a notável marca de US$ 370 bilhões. E isso apesar da forte desaceleração causada pela crise mundial. Grande parte dessas transações teve por objeto a exportação ou importação de mercadorias, quer sejam commodities, bens de capital ou de consumo.
Apesar de vigoroso, nosso comércio internacional, sobretudo na ponta das exportações, sofre a permanente pressão dos custos e do câmbio, que afetam dramaticamente a sua rentabilidade. Por isso, a palavra de ordem de qualquer exportador é a redução de custos.
Nesse tocante, porém, raramente os empresários cogitam dos custos jurídicos envolvidos nas transações internacionais. Esquecem que as normas legais aplicáveis aos contratos podem aumentar, ou reduzir, os preços de produtos e serviços; que integram o chamado equilíbrio econômico-financeiro do contrato. O contrato internacional será tanto mais eficiente - e, portanto, menos custoso - quanto maior a previsibilidade de seu resultado. Assim, tão importante quanto reconhecer a força obrigatória do acordo de vontade dos contratantes, é saber, de antemão, qual o direito que lhe será aplicado caso ocorra algum litígio.
Para os contratos domésticos, a determinação das regras aplicáveis é relativamente simples, pois em regra toda a sua vida sujeita-se a uma só lei.
Para os internacionais, porém, a sua própria natureza complica a tarefa de fixar a lei de regência, eis que normalmente tais contratos se acham ligados ao direito de dois ou mais países, quer em razão do domicílio das partes situar-se em países diversos, quer pelo fato de a prestação característica do contrato ter de ser executada em lugar distinto do de sua celebração. Além disso, qualquer que seja o direito nacional aplicável, ele raramente conterá disposições adequadas aos negócios internacionais.
Por isso, a divisão do mundo em diferentes sistemas jurídicos nacionais passou a ser vista como barreira não-tarifária, a ser gradualmente eliminada para a construção de um mercado global.
Daí o imenso e contínuo trabalho em favor da uniformização do direito contratual internacional, no qual atuam instituições intergovernamentais como a Uncitral, vinculada à ONU, e o Unidroit - cujos princípios sobre contratos comerciais internacionais tornaram-se referência na matéria, e também organismos privados, como a Câmara de Comércio Internacional. Quem não conhece as cláusulas FOB ou CIF, adotadas em contratos internacionais celebrados em todas as partes do mundo? Poucos sabem, no entanto, que essas cláusulas-padrão, denominadas incoterms, foram criadas pela CCI e são fruto da iniciativa privada.
Que vantagens oferece ao empresário um direito uniforme dos contratos internacionais?
Em primeiro lugar, evita as incertezas da metodologia tradicional dos conflitos de leis, matéria clássica do direito internacional privado, e que visa à determinação do direito aplicável ao contrato internacional previamente à resolução da disputa que sobre ele se trava. Por exemplo: em litígio envolvendo a exportação de minério de ferro da Austrália para a China, se esta compra e venda internacional sujeitar-se a regras idênticas para as partes envolvidas, é certo afirmar que não se perderá tempo nem dinheiro cogitando sobre qual direito aplicar - o chinês? O australiano? -, e os interessados poderão avaliar a solução da controvérsia diretamente à luz do direito uniforme aplicável ao contrato.
Em segundo lugar, o direito contratual uniforme estabelece regras mais adequadas, flexíveis e adaptáveis às especificidades das transações comerciais internacionais. Exemplos disso são a ampla liberdade de forma de que goza o contrato internacional, que dispensa até a existência de um documento escrito, e, ainda, a primazia dos usos e práticas vigentes em determinado ramo de comércio.
Daí a razão de 74 países, representativos de 90% do comércio mundial, hoje se vincularem à Convenção da ONU sobre a Compra e Venda Internacional de Mercadorias. A CISG (no acrônimo em inglês) foi celebrada em 1980 e entrou em vigor há pouco mais de 20 anos. Para os Estados signatários, estabelece regras uniformes sobre a venda internacional de mercadorias, criando uma base jurídica comum entre eles.
Graças à Convenção de Viena, a regulação jurídica da compra e venda internacional é idêntica tanto na China, Coréia e Japão, como nos EUA, Argentina, Chile, Alemanha, França, Hungria e dezenas de outros países.
A convenção disciplina a formação do contrato - entre presentes, por fax ou meio eletrônico- e estabelece as obrigações do vendedor - de transferir a propriedade da mercadoria, de garantir a conformidade de suas especificações - e do comprador - de pagar o preço e receber os bens.
Prevê também as hipóteses de quebra do contrato, exigindo que o inadimplemento seja essencial, apto a frustrar completamente a expectativa da outra parte com relação ao objeto contratual. Central no sistema da Convenção é a ideia de preservação dos contratos, e, por tal razão, o seu desfazimento somente deve ocorrer em situações extremas. Hoje em dia, o influxo das ideias econômicas nas relações jurídicas permite dizer que o princípio da força obrigatória do contrato não é apenas um imperativo moral, mas também constitui elemento estrutural da economia, ao impedir ou mitigar as frustrações das partes no que toca ao planejamento das obrigações assumidas.
Além disso, a CISG põe à disposição da parte lesada remédios contra o descumprimento contratual, como a indenização por perdas e danos e a execução específica das prestações ajustadas. E tudo isso de forma independente do que prevê o direito interno de cada um dos países signatários.
Em suma: a Convenção de Viena cria um ambiente jurídico no qual exportadores e importadores gozam de elevada simetria de informações, o que lhes proporciona maior grau de certeza, segurança e previsibilidade em suas relações comerciais. Logo, custos mais reduzidos.
O Brasil é dos poucos países importantes do mundo que ainda está à margem do direito uniforme criado pela Convenção de Viena.
O mais surpreendente é que não há nenhuma razão jurídica nem ideológica que hoje impeça o nosso país de aderir ao sistema convencional. A doutrina já demonstrou, inclusive, a compatibilidade das normas da Convenção com as do novo Código Civil brasileiro.
Caberá ao empresariado nacional e à comunidade acadêmica sensibilizar o governo Federal para a conveniência de o Brasil aderir à Convenção de Viena. Essa foi uma das conclusões alcançadas em recente Seminário Internacional sobre a Convenção de Viena promovido pelo Departamento de Direito da PUC-Rio e o Ramo Brasileiro da International Law Association.
Quem sabe, em breve, o exportador brasileiro que vender seus produtos para o Leste Europeu não precise mais preocupar-se em conhecer o direito húngaro, eslovênio, croata, búlgaro, polonês e russo para fazer negócios. Bastará consultar, em português, as regras da Convenção de Viena.
Lauro Gama Jr. é advogado, professor-adjunto da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, vice-presidente da International Law Association (Ramo Brasileiro) e sócio do escritório Binenbojm, Gama & Carvalho Britto

Ainda sobre as novas regras do mandado de segurança

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 21.09.09 - E2

Complicações para o mandado de segurança

Mateus Aimoré Carreteiro
21/09/2009

Está em vigor a nova lei para o mandado de segurança, nas modalidades individual e coletivo, a Lei nº 12.016, de 2009. Esta lei, sancionada pelo presidente da República, faz parte do II Pacto Republicano de Estado, por meio do qual os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário tentam promover reformas processuais para atualização de normas legais.
Uma das principais inovações da lei é disciplinar o mandado de segurança coletivo, que está previsto na Constituição Federal, mas até o momento não era disciplinado por legislação ordinária. Essa previsão é benéfica por incorporar à lei a prática dos tribunais sobre a matéria.
No que diz respeito à lista de legitimados, a nova lei manteve o que já era estabelecido pela Constituição Federal, esclarecendo, todavia, que os partidos políticos somente podem ingressar com a ação para defesa de interesses relacionados à sua finalidade partidária ou defesa do interesses de seus integrantes. Essa previsão pacifica o entendimento que partido político não pode impetrar mandado de segurança para defesa de quaisquer interesses coletivos ou difusos ligados à sociedade. Neste caso, a intenção do legislador foi a de evitar que partidos políticos utilizem desse importante instituto de forma diversa de sua finalidade, preservando-se a correta utilização do mandado de segurança coletivo.
Outra inovação da nova lei é a possibilidade de impetração de mandado de segurança por meio eletrônico ou fax. Embora a possibilidade de impetração por fax já existisse em razão de lei especial (Lei nº 8.900, de 1990), não há dúvida de que essas medidas contribuem para agilizar o ingresso do mandado de segurança. Como consequência, a análise do magistrado sobre o caso também poderá ser feita de forma mais ágil, o que beneficia a sociedade.
A lei também foi alterada para prever o cabimento de recurso (agravo de instrumento) contra a decisão que defere ou indefere liminar em mandado de segurança. Muito embora o recurso fosse aceito em diversos tribunais do país, inclusive no Superior Tribunal de Justiça (STJ), não era incomum sua rejeição com fundamento na ausência de previsão legal autorizando tal recurso. A grande vantagem dessa previsão é a pacificação do entendimento majoritário sobre o assunto, evitando possíveis surpresas aos advogados e seus clientes.
Em outros aspectos, porém, o legislador foi conservador e, até mesmo, retrocedeu na regulamentação do instituto. É o caso, por exemplo, da concessão de liminar, que agora pode depender de prestação de caução pelo impetrante. Se a prestação de caução virar regra, apenas aqueles com capacidade financeira poderão ser beneficiados pelo instituto. Ou seja, caso haja um rigor excessivo na aplicação dessa nova norma, a existência do mandado de segurança poderá ser inútil à grande massa de cidadãos do país.
Da mesma forma, a nova lei cria proibição à concessão de liminares (e execução provisória) para, por exemplo, compensar créditos tributários, liberar mercadorias e bens provenientes do exterior, assim como para determinar pagamentos a servidores públicos. Ao proibir a concessão dessas medidas de urgência, o legislador afasta o princípio básico de controle pelo Judiciário dos atos da administração pública, ferindo a própria essência do mandado de segurança. Na realidade, ao assim proceder, o legislador está tentando substituir o discernimento do magistrado quando da análise do caso concreto e, dessa forma, afastando a eficácia do instituto. Essa alteração, obviamente, é indesejável e não pode ser aceita, sob pena de afronta à própria Constituição Federal. A Ordem dos Advogados do Brasil, inclusive, e em atitude louvável, já ingressou com ação direta de inconsitucionalidade (Adin) perante o Supremo Tribunal Federal (STF) a fim de discutir a constitucionalidade desta nova previsão.
Outra alteração que poderá colocar o indivíduo em situação difícil é o dispositivo que determina a necessidade de desistência do mandado de segurança individual para que ele possa se beneficiar do resultado do mandado de segurança coletivo. Isso porque o indivíduo pode optar pela desistência de seu mandado de segurança individual e o coletivo ser julgado improcedente. Como existe prazo decadencial de 120 dias para o ingresso do mandado de segurança, a probabilidade de, em tais casos, já ter transcorrido o prazo para o indivíduo impetrar um segundo mandado de segurança individual é enorme. Assim, o indivíduo será colocado em verdadeira emboscada, o que não pode ser admitido.
Além do mais, o legislador manteve normas que há muito são alvos de críticas. Exemplo disso é a manutenção da chamada suspensão de segurança - medida de revisão de decisão judicial de primeira instância - e da denominada remessa necessária - medida para suspender a eficácia da sentença de procedência da ação até análise posterior pelo órgão de segunda instância. Isso porque essas medidas, cabíveis apenas em favor do poder público, além de ferir a igualdade de tratamento, representam limitação ilegítima à eficácia que o sistema constitucional e processual empresta à liminar e à sentença do mandado de segurança. O legislador, portanto, vai de encontro ao movimento atual de atribuição de maior eficácia às leis processuais, mantendo roupagem velha ao instituto.
Se o objetivo do II Pacto Republicano era propiciar um sistema de Justiça mais ágil e efetivo, ao menos em uma primeira análise, parece que tal pretensão não será alcançada com a nova lei. Caberá agora aos tribunais consertar essas limitações de eficácia ao mandado de segurança e fazer com que ele continue a ser importante mecanismo para a defesa dos interesses da sociedade contra atos do poder público.
Mateus Aimoré Carreteiro é advogado das áreas de contencioso cível e arbitragem do Veirano Advogados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Indicadores de desempenho de serviços advocatícios

Jornal do Commercio - Direito & Justiça 22.09.09 - B-6

22/09/2009

Jurídico adota indicador de desempenho
Bruno Nasser

Em razão da dificuldade de se mostrar a contribuição do departamento jurídico a administração das empresas, os indicadores de performance surgem como eficazes ferramentas para avaliar os resultados esperados de forma econômica e rentável. Segundo o advogado Maurício Camargo, especialista em contratos e gerente jurídico da multinacional Sara Lee, a modalidade deveria se tornar uma prática, não só nas empresas mas também nos escritórios de advocacia. Os indicadores de desempenho, que serão tema de palestra no 1º Fórum Nacional de Departamentos Jurídicos, que acontecerá na quinta-feira, no Hotel Blue Tree Tour Morumbi, em São Paulo, são métricas que permitem avaliar a performance do departamento jurídico, ligados as áreas de contratos, consulta e contencioso. Camargo explica que a partir dessa avaliação verifica-se a quantidade de atendimentos, consultas e das vitórias, porém de um ponto de vista financeiro.Para o advogado a adoção desse sistema de medição é fundamental para se calcular o custo - benefício do investimento no setor jurídico em fase do retorno do trabalho desempenhado. "Quase sempre os administradores não fazem ideia do impacto do trabalho do departamento jurídico. Quando se apresenta os resultados em forma numérica focando o financeiro, justifica o aumento de recurso para o setor. Onde eu trabalho, não somos vistos como custo, fomos apelidados de centro de lucro", disse.mudanças. Segundo Camargo, esse tipo de avaliação já vem sendo adotada há alguns anos no Brasil, mas ganhou força no último triênio, principalmente nas multinacionais. Além indicar os resultados do departamento jurídico ajuda o empresário a qualificar o setor em sua empresa . O advogado prevê que, de médio a curto prazo os departamentos jurídicos estarão utilizando esse sistema para apresentar seus resultados, visto que a gestão jurídica tem se tornado muito presente na administração das empresas. Para ele esse tipo de medida colabora para mudar a forma como o profissional da advocacia é visto. "O advogado era visto como aquele que somente resolvia problemas, isso está mudando. Agora, o advogado é visto como membro integrante do resultado da empresa".O especialista afirma que os escritórios deveriam utilizar esses indicadores para apresentá-los a quem os contratou. "Nesse ponto, nós estamos anos luz à frente dos escritórios. Nunca recebi relatório que constasse o quanto, financeiramente, a sua atuação resultou para a empresa. Apenas são mencionados nos relatórios quantas vitórias e quantas derrotas aconteceram", afirmou.

domingo, 20 de setembro de 2009

Lançamento


sábado, 19 de setembro de 2009

Ranking das marcas mais valiosas

Valor Econômico - Empresas - 18, 19 e 20.09.09 - B4

Pesquisa: Motorola e FedEx saem do ranking das 100 marcas mais valiosas do mundo
Marcas perdem valor sem inovação e relação custo-benefício pouco clara


Daniele Madureira, de São Paulo

Em ano de caos financeiro, não foram só os bancos de varejo, os bancos de investimento e as administradoras de cartão de crédito que perderam valor quando o assunto é influência da marca. Ícones do mercado de consumo, como as motocicletas Harley-Davidson, os cigarros Marlboro, os eletroeletrônicos Sony, a rede de cafeterias Starbuck's, a varejista de roupas Gap e os computadores Dell recuaram dois dígitos em valor de marca, segundo a 29º edição do levantamento Best Global Brands, realizado pela consultoria internacional Interbrand.

O estudo, que leva em conta dados de balanço com ano fiscal encerrado entre dezembro de 2008 e junho de 2009, aponta que as marcas que deixaram de investir por causa da crise ou que não ofereceram uma relação clara de custo-benefício ao consumidor perderam espaço. "As empresas que conseguiram manter investimentos em inovação e tecnologia, com foco no médio e longo prazos, sabendo adaptar o seu portfólio para um novo momento do mercado, sem menosprezar a importância da qualidade, conseguiram se manter e até crescer no ranking", afirma Alejandro Pinedo, diretor-geral da Interbrand no Brasil.

A soma das 100 marcas líderes mundiais caiu 4,6% este ano, com US$ 1,21 trilhão para US$ 1,15 trilhão. Novas marcas, como Burger King, Puma, Burberry, Polo Ralph Lauren, Lancôme e Campbell's passaram a integrar o ranking da Interbrand. Em contrapartida, outros nomes fortes, como Motorola e FedEx, ficaram de fora do grupo das top 100.

"A Motorola baseou sua estratégia no modelo de celulares 'flip' (abre e fecha), que ficou ultrapassado, com o crescimento de competidores como a Samsung nessa área", diz Pinedo. Procurada, a Motorola do Brasil não quis comentar a saída do ranking. Na edição de 2008, a marca já tinha perdido dez posições, ocupando o 87º lugar. Já a FedEx, afirma o consultor, sofreu com a queda no nível de encomendas nos Estados Unidos, seu maior mercado. Além dessas duas, também ficaram fora da lista os bancos ING e Merril Lynch, a seguradora AIG, a rede de hotéis Marriott e os licores Hennessey.

As maiores perdas foram verificadas nas marcas do mercado financeiro: UBS, Citigroup, American Express e Morgan Stanley recuram entre 50% e 26% em valor de marca. Não houve variação no ranking das cinco primeiras marcas - Coca-Cola, IBM, Microsoft, GE e Nokia -, mas essas duas tiveram variação negativa. A GE, devido aos negócios financeiros do conglomerado, perdeu 10%.

Na tendência oposta, as cinco marcas que mais ganharam mercado pertencem à área de tecnologia - Google, Amazon e Apple - e a de consumo (Zara e Nestlé). "As empresas que até pouco tempo eram chamadas da 'nova economia' conseguiram atravessar bem a crise, com soluções inovadoras, como é o caso de Google e Apple, ou pelo fato de não terem capital em ativos que se desvalorizaram, como no caso da Amazon", diz Pinedo. Já a Zara, afirma, que não investe em publicidade, conseguiu manter o investimento em lojas, grandes e bem localizadas, oferecendo produtos de qualidade, em sintonia com as passarelas, a preços competitivos. "Diferentemente da Gap, que perdeu o foco", diz.

Já a Starbuck's sofreu com o avanço do McDonald's na área de cafeteria, apresentando um menu bem mais acessível. A Nestlé, por sua vez, cresceu explorando mercados emergentes.

O ícone Harley-Davidson, que caiu da 50ª para 73ª posição, no entanto, precisa se reinventar, segundo Pinedo. "A marca é uma lenda, mas até que ponto ela quer crescer apostando apenas nisso?".

1. Coca-Cola
2. Microsoft
3. IBM
4. General Electric
5. Nokia
6. Toyota
7. Intel
8. McDonald's
9. Disney
10. Mercedes
11. Citi
12. Hewlett-Packard
13. BMW
14. Marlboro
15. American Express
16. Gillette
17. Louis Vuitton
18. Cisco
19. Honda
20. Google
21. Samsung
22. Merrill Lynch
23. HSBC
24. Nescafé
25. Sony
26. Pepsi
27. Oracle
28. UPS
29. Nike
30. Budweiser
31. Dell
32. J.P. Morgan
33. Apple
34. SAP
35. Goldman Sachs
36. Canon
37. Morgan Stanley
38. Ikea
39. UBS
40. Kellogg's
41. Ford
42. Philips
43. Siemens
44. Nintendo
45. Harley-Davidson
46. Gucci
47. AIG
48. eBay
49. AXA
50. Accenture
51. L'Oreal
52. MTV
53. Heinz
54. Volkswagen
55. Yahoo!
56. Xerox
57. Colgate
58. Chanel
59. Wrigley's
60. KFC
61. Gap
62. Amazon.com
63. Nestlé
64. Zara
65. Avon
66. Caterpillar
67. Danone
68. Audi
69. Adidas
70. Kleenex
71. Rolex
72. Hyundai
73. Hermes
74. Pizza Hut
75. Porsche
76. Reuters
77. Motorola
78. Panasonic
79. Tiffany & Co.
80. Allianz
81. ING
82. Kodak
83. Cartier
84. BP
85. Moet & Chandon
86. Kraft
87. Hennessy
88. Starbucks
89. Duracell
90. Johnson & Johnson
91. Smirnoff
92. Lexus
93. Shell
94. Prada
95. Burberry
96. Nivea
97. LG
98. Nissan
99. Polo RL
100. Hertz

Veja aqui a relação das 100 mais e os respectivos valores: http://74.125.113.132/search?q=cache:_x3Nvjk_CusJ:www.interbrand.com/best_global_brands.aspx+interbrand+marcas+mais+valiosas&cd=6&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

Brasil no ranking do investimento estrangeiro direto

Valor Econômico - Brasil - 18, 19 e 20.09.09 - A5

Relações externas: Com entrada recorde de US$ 45 bi em 2008, Brasil fica em 10º na lista dos que mais atraem IED
País sobe em ranking de investimento externo


Assis Moreira e Bianca Ribeiro, de Genebra e São Paulo
18/09/2009
O Brasil entrou no grupo dos dez paises que mais atraíram Investimento Estrangeiro Direto (IED) em 2008, com um recorde de US$ 45 bilhões, metade do que foi captado por toda a América do Sul no período. A entrada de capital no setor de mineração triplicou e os empréstimos entre companhias cresceram 75%, de acordo com o Relatório Mundial de Investimentos, divulgado ontem pela Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad).

Para a Unctad, o Brasil não deverá manter a posição este ano, porque o volume de investimentos para o país deve cair e, de outro lado, Irlanda, Alemanha e outros países recuperaram volumes. Mas a agência prevê que o país ficara entre os 20 maiores receptores de IED.

A previsão da Sociedade Brasileira de Estudos Transnacionais e de Globalização Econômica (Sobeet), no entanto, é mais otimista. Segundo Luiz Afonso Lima, presidente da entidade, depois de ter avançado quatro posições no ranking em 2008 e chegado ao 10º lugar, é possível que o Brasil avance mais dois ou três degraus neste ano. Isso deverá acontecer, porque, segundo ele, países como Austrália, Bélgica, Espanha e Rússia, que estavam à frente do país em 2008, devem perder posições. Essa subida no ranking deve acontecer mesmo com fluxo de investimento direto 44,5% menor neste ano (US$ $ 25 bilhões) em comparação com 2008, ou seja, US$ 20 bilhões a menos.

Na outra ponta, o Brasil também registrou a mais forte alta mundial nos investimentos diretos no exterior, com saída de US$ 21 bilhões, também como resultado "de maiores empréstimos entre companhias" . O aumento foi de 189%, com a China em segundo lugar nesse ranking, com 111%.

Para a Unctad, isso sugere que "matrizes brasileiras podem ter transferido capital para filiais financeiramente afetadas no exterior". Em 2008, companhias brasileiras, principalmente nos setores de alimentos e siderúrgico, continuaram a adquirir ativos no estrangeiro.

A agência da ONU vê vulnerabilidades nessas operações. Diz que depois da aquisição da canadense Inco, em 2007, a Vale se tornou mais exposta à volatilidade de preços da commodity. Além disso, cita Sadia, Votorantim e Aracruz como particularmente afetadas pelas bilionárias perdas na aposta em derivativos.

Dados preliminares da entidade confirmam que a América Latina teve a maior queda percentual em termos de aquisições e fusões internacionais no primeiro semestre de 2009. O montante de desinvestimentos (vendas de filiais estrangeiras para firmas domésticas) foi maior do que as vendas das nacionais para multinacionais. Mas as tendências positivas dos preços de commodities favorecem os investimentos no médio prazo.

O relatório da Unctad confirma que a crise economica global alterou completamente o fluxo do investimento estrangeiro direto em favor dos países em desenvolvimento e economias em transição. O fluxo global continuou a cair em todas as regiões, do pico de US$ 2 trilhões, em 2007, para cerca de US$ 1,2 trilhão no ano passado.

Nesse cenário, a parte de IED recebida pelos emergentes passou a 43% do total em 2008, comparado a 31% no ano anterior. Foi recorde na América Latina, Ásia, economias em transição e África. Em parte dos países industrializados, os volumes de IED desabaram, com as multinacionais preferindo colocar mais dinheiro onde há mais crescimento.

Os emergentes vão continuar sendo "fortes motores" da expansão de IED na recuperação global. Essa perspectiva é confirmada por pesquisa junto a 240 empresas, colocando os Bric - Brasil, Rússia, Índia e China - entre os cinco destinos mais atraentes para futuros fluxos de IED pelas grandes companhias internacionais.

Os EUA permanecem como o país que mais atrai investimento direto. França, China, Reino Unido e Rússia aparecem a seguir. O fato de metade dos 20 principais países receptores serem economias emergentes mostra a mudança ocorrida no cenário dos investimentos, diz Supachai Panitchakdi, secretário-geral da Unctad.

A pesquisa da Unctad mostra que o Brasil será o 4º principal destino de recursos internacionais para investimento direto até 2011. Isso se dará mesmo com a avaliação dessas empresas de que há deficiências na infraestrutura e na eficiência do governo, além de baixa oferta de mão de obra qualificada.

As filiais de multinacionais continuam a representar 10% do PIB mundial. As multinacionais do petróleo e industriais dominam a lista das cem principais não financeiras. Os desinvestimentos - incluindo vendas, redução de operações ou fechamento de fábricas - foram particularmente fortes durante a crise, com saída líquida de investimento externo direto em países como Irlanda e Islândia.

Mas nem todas as multinacionais foram duramente afetadas. A Unctad estima que a agroindústria, com demanda constante, e as farmacêuticas, com crescimento de longo prazo, serão o motor da próxima expansão de IED.

Com relação ao modo de investimento, as fusões e aquisições, que alcançaram US$ 673 bilhões em 2008, caíram 76% no primeiro semestre de 2009. A Unctad prevê que, após a crise, o desengajamento financeiro do Estado em setores em dificuldades poderá deflagrar nova onda de fusões e aquisições internacionais.

O relatório aponta crescente evidência de protecionismo disfarçado, reduzindo a participação de empresas estrangeiras e exigências de conteúdo local em programas de estímulo econômico.

Leia a íntegra do relatório em www.unctad.org

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

TRT de SP exclui sucessão na recuperação judicial

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 17.09.09 - E1

Trabalhista: Decisão é considerada inédita por aplicar expressamente entendimento do SupremoTRT paulista afasta sucessão em caso de recuperação

Adriana Aguiar, de São Paulo
17/09/2009

Gustavo Lourenção / Valor

Adriano Fabretti e Daniela Crepaldi: tendência da Justiça afastar a sucessão
A Justiça do Trabalho - que tende a responsabilizar o comprador de uma empresa pela dívida trabalhista existente na época em que ocorreu o negócio - adotou recentemente posição diversa à sua jurisprudência e entendeu que o comprador não pode responder por débitos anteriores à aquisição. O caso julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, porém, trata de sucessão em venda efetuada por empresa em recuperação judicial. Na avaliação de advogados, a decisão do tribunal reflete a posição do Supremo Tribunal Federal (STF) adotada em maio deste ano. A corte julgou o artigo 141 da nova Lei de Falências, que no inciso II estabelece a inexistência de sucessão. Ao interpretar o dispositivo, o Supremo entendeu que os compradores não herdariam o passivo trabalhista e tributário.

O TRT, em julgamento considerado inédito por aplicar expressamente o posicionamento da corte superior, entendeu que a VRG Linhas Aéreas (a nova Varig) - pertencente ao grupo Gol - e a Varig Logística não são responsáveis solidárias pelos débitos da Varig, anteriores à efetivação do negócio. No caso analisado, um ex-trabalhador da Varig pleiteava na Justiça o pagamento de horas extras. Já existem outras decisões no TRT-SP posteriores ao julgamento do Supremo, tanto favoráveis quanto desfavoráveis à sucessão. Esse, porém, foi o primeiro caso em que um magistrado citou explicitamente a decisão do STF.

A utilização do entendimento da corte superior aos casos concretos, no entanto, ainda é polêmica. Advogados de empresas que compraram ativos de companhias em recuperação afirmam que essa interpretação adotada pelo Supremo e aplicada pelo TRT é acertada. Os ministros entenderam, na época, que a Lei de Falências é coerente com a necessidade de preservação das empresas. Isso porque uma possível sucessão reduziria o interesse de terceiros por aquisições de companhias em recuperação. Por outro lado, advogados de trabalhadores alegam que a interpretação, na prática, traz danos ao trabalhador que terão ainda menos chance de receber o que é devido. Além disso, alegam que o julgamento o STF não poderia ser diretamente aplicado para excluir a sucessão.

Os advogados da Varig logística no caso julgado pelo TRT de São Paulo, Daniela Cristina Crepaldi e Adriano Lorente Fabretti, do França Ribeiro Advocacia, afirmam que tendência é a de que a Justiça passe a aplicar o entendimento do Supremo para afastar qualquer tipo de sucessão trabalhista na venda desses ativos. Na avaliação deles, como o julgamento no Supremo foi em uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin), o efeito do entendimento seria para todos os casos semelhantes. Como consequência disso, a advogada afirma que o escritório já entrou com embargos de declaração em todos os julgados contrários à empresa, que pertencem ao escritório, para que o juiz tenha tenha que decidir com base no julgamento do STF.

Há especialistas que entendem, porém, que o julgamento do Supremo não encerrou o assunto. O advogado Sebastião José da Motta, do Motta & Motta Advogados, que assessora trabalhadores e que atuou como advogado do PDT- autor da Adin analisada pelo Supremo - , afirma que o julgamento não pode ser aplicado a casos concretos, até porque o julgado ainda não foi publicado no Diário Oficial. Além disso, ele ressalta que o Supremo tende a rejeitar a tese de que decisões abstratas concedidas em Adin tenham efeito vinculante. Para ele, o Judiciário ainda terá que entrar na discussão de casos concretos para definir qual o limite da não-sucessão. No caso da Varig, o advogado alega existir uma peculiaridade. Para ele, a Varig Logística era controlada pela Varig e fazia parte do mesmo grupo econômico, por isso seria o que se chama de responsável solidária nessas ações.

O relator da ação na 12ª Turma do TRT-SP, Delvio Buffulin, aplicou ao caso o entendimento do Supremo, ainda que a sua opinião pessoal seja contrária a dos ministros. Para o magistrado, há sucessão mesmo quando não há transferência integral do fundo de comércio, ou quando há a simples continuação da atividade empresarial, ainda que a razão social seja diversa ou que haja alteração do nome do estabelecimento. Porém, ele afirma que diante do julgamento ocorrido no Supremo "não há outra solução senão o reconhecimento da inexistência de sucessão".

O advogado Carlos Duque Estrada Júnior, que atua na defesa dos trabalhadores, também acredita que não há mais como questionar a exclusão da sucessão. "As recentes decisões do STF já retiram qualquer possibilidade de contestação, o que é péssimo para os trabalhadores".

Apesar de ser talvez a única que já considera o julgamento do Supremo, a decisão do TRT foi comemorada por advogados que defendem empresas em recuperação. Para Paulo Penalva, do escritório Motta, Fernandes, Rocha Advogados, o posicionamento da Justiça paulista está correto, pois se herdassem os passivos trabalhistas, as empresas ficariam desestimuladas a adquirir ativos de companhias em recuperação judicial. O advogado Julio Mandel , do Mandel Advocacia, afirma que essa decisão é benéfica para toda a sociedade, inclusive para os trabalhadores, que estarão entre os primeiros a receber valores resultantes da venda desses ativos, revertidos para o pagamento de credores.

Procurado pelo Valor, o advogado da Varig no caso julgado pelo TRT, José Roberto Zago, afirmou que não está autorizado a se manifestar. O advogado da VRG Linhas Aéreas não foi localizado e a assessoria de imprensa da Gol preferiu não comentar a decisão.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Questionamento do ranking do ENEM

Folha de São Paulo, 13/09/2009 - São Paulo SP

Para que serve mesmo esse ranking?

É preciso lembrar, em primeiro lugar, que o Enem é feito para avaliar o ALUNO, e não a escola

ROSELY SAYÃO COLUNISTA DA FOLHA

Um casal, ao escolher a escola para suas filhas que iniciariam o ensino fundamental, optou por priorizar alguns critérios em sua decisão. Entre eles, a qualidade das relações interpessoais dos alunos entre si e destes com seus professores e a proximidade com a residência da família para poupar as crianças de um longo período no trânsito. Depois de uma exaustiva procura, encontraram uma escola que satisfazia às suas demandas. Essa família constatou, no decorrer de alguns anos, que a escolha fora acertada: as crianças gostavam, na medida do possível, de frequentar a escola e aprendiam, os professores realizavam bem sua tarefa, o convívio no espaço escolar era salutar. Tudo foi bem até que a escola passou a frequentar os primeiros lugares no ranking do Enem. Na visão dessa família, tudo mudou a partir de então, e a escola perdeu suas principais e melhores características porque trabalhava quase que exclusivamente para manter sua classificação no ranking: os alunos foram colocados sob constante pressão, os professores passaram a focar seu trabalho nos melhores alunos, a escola inchou. A última notícia que tive desses pais foi a de que estavam considerando a mudança de escola para suas filhas.

Outro casal fez um percurso totalmente diferente. Depois de estudar com dedicação o ranking de escolas, decidiu matricular o filho no ensino médio de uma das escolas que figuravam entre os primeiros lugares. Tentaram várias delas e se frustraram. Não conseguiram vaga para o filho pelos mais diversos motivos: em uma, foram informados de que o filho não tinha perfil para lá estudar; em outra, que o filho não tivera boa formação básica; em uma terceira, que o filho até era bom estudante, mas que a competição era acirrada e que outros candidatos haviam se saído muito melhor. Esse casal guarda, até hoje, uma culpa: a de não ter conseguido oferecer ao filho uma boa escola segundo os parâmetros do ranking. Para que serve mesmo esse ranking? O que ele revela? O que ele esconde? O que ele distorce? Para considerar o tal ranking é preciso lembrar, em primeiro lugar, que o Enem é feito para avaliar o ALUNO, e não a escola que ele frequenta, e isso faz toda a diferença quando analisamos os resultados comparativos colocados em forma de classificação.
Um excelente resultado da escola pode ser indicativo, por exemplo, de uma instituição que não admite alunos medianos na relação com os estudos. E, caros pais, a maioria dos filhos são alunos medianos. Como a maioria de nós foi. Em segundo lugar, é preciso lembrar também que a amostragem de alunos por escola que fazem o Enem não segue padrão nenhum. Isso significa, na prática, que a média de escolas com menos de 200 alunos é equiparada à de outras com mais de mil, por exemplo. Significa também que apenas bons alunos de algumas escolas podem prestar o exame e, desse modo, colocar a escola nos primeiros lugares. E devo dizer que, para algumas escolas, vale tudo -tudo mesmo- para alcançar os primeiros lugares e, desse modo, ter visibilidade e procura de alunos. Conversei com um aluno que não prestou o Enem porque a escola que ele frequenta -fora de São Paulo- ofereceu um churrasco para alguns alunos no mesmo dia do exame e ele preferiu comparecer a esse evento, é claro. Que incrível coincidência, não é mesmo?

Em terceiro lugar, esse ranking provoca a falsa ideia nos pais de que a responsabilidade de oferecer uma boa educação escolar aos filhos é deles, ou seja: quem pode pagar altos valores de mensalidade, consegue vaga nas escolas colocadas nos primeiros lugares e reside nos bairros próximos a essas escolas, entre outros fatores, consegue oferecer boa formação escolar ao filho. Falso: a responsabilidade de dar educação escolar de qualidade às crianças e aos jovens é das escolas. De todas elas. Não é dos pais, de suas escolhas e de suas possibilidades na vida. O ranking do Enem -aliás, de qualquer tipo- é um bom negócio para algumas poucas escolas e sempre será assim porque sempre teremos apenas 20 nos primeiros lugares, um bom negócio para a mídia, um bom negócio para o ensino privado. E, enquanto apostarmos no ensino privado e não cobrarmos um bom ensino público frequentado pela maioria de nossos estudantes, continuaremos a ter problemas em educação e, consequentemente, em outras áreas em curto e médio prazo. O ranking não é bom para os alunos -muitos deles podem cursar seu ensino médio com sentimento de derrota antecipada-, não serve para a melhoria de qualidade da educação em nosso país, não é uma boa referência para os pais. Por que insistimos tanto em usar o ranking, mesmo? Ah! Ficamos apegados à ideia de vencedores e campeões. Pena que isso não valha nada para a maioria que vive a vida como ela de fato é. ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
Valor Econômico - Especial - 19.08.09 - A14

Entrevista: Ex-presidente da Fifa diz que a indústria do futebol sustenta globalmente 1 bilhão de pessoasObras da Copa vão ficar para o Brasil, diz Havelange

Chico Santos, do Rio
19/08/2009

Leo Pinheiro/Valor

João Havelange: "Se pudéssemos fazer em todos os setores da atividade o que faz o futebol, o mundo não seria o mesmo"
A voz é firme e clara, assim como os passos e as respostas. "O futebol toma conta no mundo e dá de comer a praticamente 1 bilhão de pessoas. Não há indústria, não há ninguém que faça isso". Jean-Marie Faustin Goedefroid de Havelange, 93 anos completados no dia 8 de maio, ex-nadador e carioca de ascendência belga, construiu toda a sua carreira no futebol e foi protagonista de grande parte da história do esporte mais popular do mundo. João Havelange, como foi "rebatizado", sepultou definitivamente o romantismo amador da primeira metade do século passado e inseriu o esporte no mundo dos negócios.

Ainda encontrou tempo para ficar por 58 anos na direção de uma só empresa, a Viação Cometa, cargo acumulado com a presidência da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), hoje Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que exerceu de 1958 a 1974, ano em que assumiu a presidência da entidade que comanda o futebol mundial, a Fédération Internationale de Football Association (Fifa), ficando no cargo até 1998. Hoje é presidente de honra da entidade.

"Administrar é não deixar faltar recursos", resume em entrevista concedida ao Valor no elegante escritório do centro do Rio, de onde gerencia seu patrimônio. Ele conta como viabilizou a participação brasileira na Copa de 1958, a primeira conquistada pelo país, como multiplicou as receitas das copas do mundo, critica os dirigentes dos clubes brasileiros e repele mudanças nas regras do futebol evitar erros de arbitragem. "A força do futebol está no erro", sustenta. A seguir, trechos da entrevista:

Valor: Conte qual é o seu pensamento como empresário.

João Havelange: O meu pensamento é o seguinte: administrar é não deixar faltar recursos. Se o senhor tiver os recursos, a sua missão é facilitada e o senhor chega a um final feliz. Se o senhor não tiver os recursos, dificilmente atingirá os seus objetivos. Quando eu cheguei à CBD em 1958, ela não tinha praticamente nada. Tinha o futebol e 24 esportes amadores. Hoje, todos aqueles esportes saíram e a CBD transformou-se em Confederação Brasileira de Futebol, a CBF. Tínhamos diante de nós uma Copa do Mundo (Suécia) e eu não tinha um recurso, a não ser um certo crédito nos bancos pela posição que eu tinha como administrador de uma grande empresa (Viação Cometa). Com isso, eu fazia o que na época chamávamos de papagaios (promissórias) e assinava como responsável. Não é todo mundo que faz isso. Quando nós fomos para a Copa do Mundo...

Valor: Mas o senhor não foi à Suécia, foi?

Havelange: Não fui por uma razão muito simples: se eu fosse, quem iria assinar os papagaios para mandar o dinheiro? Então, foi o vice-presidente, que era o Paulo Machado de Carvalho. Eu precisava de mais alguns recursos e consegui, antes que o time chegasse à Suécia para iniciar a Copa, dois jogos na Itália, um em Milão, contra a Inter (Internazionale), e outro em Florença, contra a Fiorentina. E com esse recurso é que o time chegou lá e o Paulo, indiscutivelmente, foi excepcional, como comando, como tudo.

Valor: O JK (presidente Juscelino Kubitschek) não deu uma colaboraçãozinha?

Havelange: Aí é que eu quero chegar: eu imaginei pedir a ele para fazer uma medalha, uma espécie de moeda de ouro com tantos quilates, na Casa da Moeda. De um lado, colocar o emblema da República, e do outro, o emblema da CBD. E o presidente Juscelino deu ordem à Casa da Moeda e nós fizemos 10 mil medalhas, ou moedas. Como a chancela da Casa da Moeda garantia a quantidade de ouro que tinha, eu ia a vários bancos e entregava pacotes de mil medalhas. Como era ouro, eles me creditavam imediatamente. Assim, consegui os recursos.

Valor: O ouro tinha liquidez...

Havelange: Exatamente. Os bancos mandavam para as agências e sempre havia alguém que queria comprar. E foi dessa maneira que eu fiz a Copa de 1958. O tempo passou, tivemos mais uma Copa do Mundo, em 1962 (Chile), e fizemos a mesma coisa. Em 1966 (Inglaterra) foi diferente, enfim, chegamos a 1970 (México). Aí os recursos já eram diferentes.

Valor: O Brasil já tinha dois títulos mundiais na bagagem.

Havelange: O cartão de visitas apresentado era outro... Depois da CBD fui eleito para a Fifa. Quando lá cheguei, eu estaria mentindo se dissesse que encontrei 20 dólares em caixa. Eu levava um programa que, na insistência, não foi aceito pelo Comitê Executivo. E para executar esse projeto, já que a Fifa nada tinha, eu tive a felicidade de ter duas reuniões, uma com a Adidas e outra com a Coca-Cola Internacional. E os dois se associaram a mim nesse programa. E aí, começaram a chegar os recursos. E eu pude modificar imediatamente a maneira de administrar a Fifa. Eu quero que o senhor atente bem para isso: a primeira Copa que eu presidi, já estava indicada onde deveria ser, foi em 1978, na Argentina. Tinha 16 equipes. Elas disputaram 32 jogos em 25 dias. E a receita final, bruta, foi US$ 78 milhões. Quatro anos depois, na Espanha, a receita passou para US$ 84 milhões. Aí eu consegui do Comitê Executivo a permissão para modificar para a Copa de 1986, que seria no México, de 16 para 24 times. Com 24, nós teríamos 54 jogos e, em vez de 25 dias, jogaríamos em 30 dias. O resultado: passamos de US$ 84 milhões para US$ 500 milhões de receita. Na continuidade, fiz um novo estudo e passei de 24 para 32 seleções. A Copa de 1990, na Itália, foi ainda disputada por 24 seleções, mas nos Estados Unidos já foram 32, jogando 62 partidas em 30 dias. E, pasme, saímos de US$ 80 milhões (1978), ou de US$ 500 milhões (1986), para US$ 2,2 bilhões. Na sequência, que foi a França, em 1998, fomos a US$ 2,8 bilhões. E hoje uma Copa do Mundo rende US$ 4 bilhões. Hoje, temos patrocinadores de campo quando tem a Copa do Mundo, e eles estão presentes também nas outras competições da Fifa. São 15 patrocinadores. E o pagamento dos que estão no campo é de US$ 75 milhões cada um. Tem a televisão, que dá mais a US$ 2,2 bilhões. E temos de 1,4 milhão a 1,5 milhão de assistentes, que correspondem a quase US$ 1 bilhão de receita. Então, uma Copa do Mundo tem hoje uma receita de US$ 4,2 bilhões.

Valor: É um negócio poderoso...

Havelange: Exato. Então, o senhor me permita a falta de modéstia, mas foi de um trabalho, de um estudo que fizemos quando chegamos. Ninguém havia pensado nisso e ninguém havia feito. A gente, na empresa, procura dar o melhor, mas também ter o melhor, e o melhor é a receita. Este mesmo princípio eu apliquei na Fifa que hoje se tornou um dos grandes poderes do mundo.

Valor: O seu pai tinha negócios na área de armamentos, mas o senhor foi trabalhar em uma empresa de ônibus...

Havelange: Eu me formei em direito com 20 anos, em 1930, e perdi meu pai em 1934. Após estagiar em escritórios de advocacia, fui aprender a trabalhar. Pude entrar na Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, que ainda existe hoje (unidade de aços longos da ArcelorMittal). Lá eu aprendi a receber clientes no balcão, aprendi a catalogar, a escrever à máquina, aprendi a fazer correspondência, aprendi a visitar clientes e, depois de quatro anos, pedi demissão porque queria uma outra situação. Com o passar do tempo, fui convidado pelos proprietários da Cometa para ir para a empresa. Isso foi em 1940 e eu fui como advogado trabalhista. Fiquei dois anos nessa posição. Depois, fui a diretor, ficando dois anos. E agora vou dizer uma coisa que vai lhe surpreender, porque isso já não existe: fiquei 58 anos como presidente, 62 anos na mesma empresa.

Valor: Então o senhor saiu de lá em 2002?

Havelange: Exatamente. E foi aí que aprendi o que era administração. Eu não sou motorista, eu não sou mecânico, eu não troco pneu, eu não mexo em chassi... Mas havendo recursos para se ter uma boa administração, a gente procura ter os melhores.

Valor: O senhor inovou, contratou psicólogos para cuidar dos motoristas, preocupado com a segurança...

Havelange: Os motoristas tinham que fazer um exame como faz o aviador.

Valor: E qual foi a marca da sua gestão?

Havelange: Para o senhor ter uma ideia, só um detalhe: o ônibus tem dois pneus na roda de trás. Quando o pneu de dentro furava, o motorista tinha de tirar a roda de fora, tirar o pneu furado, ir buscar no ônibus o novo pneu, colocar, colocar o de fora e guardar o furado. Na Cometa tudo era feito em 17 minutos. Eu chamo isso administração. É um detalhe que parece não ter importância, mas tem. Se o cara fica parado duas horas para fazer aquela tarefa não é bom. Incomoda o passageiro, ele reclama. Foi com esse espírito, esse pensamento e essa vontade que eu fui para a Fifa quando eleito presidente. E o futebol hoje é um dos poderes do mundo e eu vou dizer porquê: 250 milhões. Se o senhor multiplicar isso por quatro dentro de uma família, dá 1 bilhão, não é? Então, o futebol toma conta no mundo e dá de comer a praticamente 1 bilhão de pessoas. Não há indústria, não há ninguém que faça isso. Hoje, vejo que o futebol é um poder, é desejado, é aplaudido e é criticado, naturalmente, como tudo que a gente faz na vida. Mas é um exemplo a ser seguido.

Valor: Como o senhor conseguiu conciliar a presidência da Cometa com CBD e, depois, com a Fifa?

Havelange: Primeiro, eu tinha o respeito de todo o mundo. Dava para fazer. Se tivesse que vir, eu vinha (ao Brasil), e sempre estava bem assessorado para continuar o trabalho, uma diretoria de alto gabarito e de qualidade.

Valor: O futebol tornou-se um dos maiores negócios do mundo, mas no Brasil os clubes empobreceram. Por quê?

Havelange: O senhor disse bem, os clubes brasileiros empobreceram, os europeus, não. Porque nós temos péssimas administrações. O sujeito hoje é dirigente, é diretor e ainda é torcedor. Não é administrador, e este é o grande problema. E depois, a lei federal deveria mudar. O senhor viu agora o que aconteceu no mundo? Um baque tremendo! Quantas pessoas altamente qualificadas foram presas porque tinham responsabilidades e falharam? No dia em que isso acontecer no futebol - o sujeito é presidente, mas responde com os seus bens, pode sofrer um processo e ir para cadeia-, o senhor vai ver que tudo vai mudar.

Valor: A chamada Lei Pelé (nº 9.615/98, que acabou com o passe, o vínculo desportivo do jogador ao clube) contribuiu para os problemas dos clubes no Brasil?

Havelange: Para mim contribuiu e muito. Quando ele fez a lei eu o chamei e disse "se eu fosse você não apresentaria porque você vai trazer um grande prejuízo para todos". Antigamente, quando o passe do jogador era vendido, o clube dava a ele 15% do valor da venda. E quem fazia o contrato com o novo clube era o jogador, não era nenhum indivíduo. Hoje em dia está tudo nas mãos de pessoas. Há pouco tempo eu li que um jogador ia para não sei para onde. Havia três empresários, cada um tinha um terço do passe dele. Antes se falava em escravatura. Isto é que é uma escravatura, o senhor me perdoe.

Valor: É propriedade de pessoas...

Havelange: Exatamente. Hoje o diretor diz que o passe é dele, não é do Fluminense (por exemplo). O passe do jogador deve ser do clube, é propriedade do clube, não pode ser seu e nem meu. O clube é que dá o emblema, dá a camisa, dá a coloração. Se não superarmos isso, vamos continuar descendo.

Valor: E a realização da Copa na África (2010)?

Havelange: Antes de deixar a Fifa percebemos que nunca na história nada se passou na África, nenhum evento, nada. Então, procuramos o presidente (Joseph) Blatter (substituto de Havelange na Fifa) e deixamos pronto para que em 2010 a Copa do Mundo fosse para a África. O senhor veja o que isto representa! Eles estão fazendo estádios, estão se organizando, estão se disciplinando... A Copa das Confederações foi feita e correu tudo perfeito. Se nós pudéssemos fazer em todos os setores da atividade humana o que faz o futebol, o mundo não seria o mesmo.

Valor: Qual a importância econômica e social para o Brasil da realização da Copa de 2014?

Havelange: Já que estou falando com um jornal econômico, vou dar um dado: não sei se o senhor sabe que a França recebia por ano 60 milhões de turistas. É o turista que chamamos classe A e B, que gasta US$ 1.000 por viagem. Então, o turismo fazia entrar na França US$ 60 bilhões. Tivemos então a Copa do Mundo na França em 1998. Depois dela essa média saltou para 70 milhões de turistas, ou seja, a Copa deu para a França US$ 10 bilhões por ano. É assim que tem que ser analisado. "Mas eu vou gastar dinheiro no estádio"! Ele fica, não vai ser posto no chão. "Vou gastar no aeroporto"! Ele também fica, para o bem de todos.

Valor: Muitos criticam, tanto na CBF quanto na Fifa, o fato de não haver um limite para as reeleições. Como o senhor vê isso?

Havelange: Não vamos misturar política com outras coisas. Todo mundo quer sentar no futebol porque sai o nome no jornal. Mas tem que saber trabalhar. O Blatter chega ao escritório todo dia às 8 horas e sai às 18. Eu, quando estava lá, também. Durante os 24 anos que fiquei, foi sempre por eleição. Na primeira, eu tive uma disputa com outro candidato. Nas outras (eleições), foi por aclamação. É porque gostavam!

Valor: Como o senhor vê as reclamações de que as regras do futebol evoluem muito lentamente, não acompanham a tecnologia?

Havelange: O senhor vai estranhar a minha resposta. A força do futebol é o erro. Eu vou dizer porquê. Copa do Mundo de 1986, no México. Eram 24 seleções, 54 jogos. Só se fala de um jogo, Argentina e Inglaterra, porque Maradona fez um gol com a mão. Copa de 1966 na Inglaterra: até hoje se discute o terceiro gol dos ingleses contra os alemães na final (há sérias dúvidas sobre se a bola realmente entrou). O vôlei, quando eu joguei, o mais alto tinha 1m80, hoje tem 2m10. Então, a regra tinha que mudar. No futebol eu queria que uma regra mudasse, era aumentar a baliza para os lados e para cima. O Aimoré (Moreira, ex-goleiro e ex-treinador) devia ter 1,75 m. Hoje, o Dida quanto tem? Dois metros e pouco. Então, eu havia imaginado aumentar o gol em uma bola para cima e meia bola para cada lado. Fomos verificar. O senhor veja que pensar é uma coisa e executar é outra. Se isso acontecesse o senhor teria que inutilizar grande parte dos campos da Europa porque não havia como recuar. A maioria dos estádios não tinha pista em volta, então não dava para mexer.

Valor: E a ideia de colocar um chip na bola para saber onde ela vai quicar?

Havelange: Eu sou contra. Acho que o árbitro está ali para isso. O futebol mudou, mas sua força continua sendo o erro. O senhor vai para o café e discute, quer quase agredir porque isso e aquilo. O dia que o senhor tirar isto, é feito ir ao Teatro Municipal de casaca, bater palmas e voltar para casa.

Valor: Qual foi a maior alegria que o futebol deu para o senhor?

Havelange: Naturalmente, a Copa de 1958. O Brasil nunca tinha ganho. Eu cheguei à CBD... naquela época diziam que eu era nadador e não entendia nada de futebol, é um direito de cada um, mas com o método que eu levei, nós fomos campeões. Em 1966 (o Brasil perdeu o tricampeonato) me criticaram muito, mas eu vou lhe lembrar: presidente da Fifa, um inglês (sir Stanley Rous) dizia que o futebol nasceu na Inglaterra e que a Inglaterra era que sabia de futebol. Mas nunca tinha sido campeã. Copa do Mundo na Inglaterra: O único time que não saiu de Londres foi a seleção inglesa. Quando o Brasil foi jogar os três primeiros jogos, contra a Bulgária, contra a Hungria e contra Portugal, dos três árbitros e seis bandeirinhas, sete eram ingleses e dois alemães. Acabaram com nosso o time (violência). E quem foi campeão? A Inglaterra, com a Alemanha de vice. Fui criticado, fui maltratado, quase me agrediram, mas o que ninguém quer é analisar, porque o futebol é uma paixão e o senhor tem que respeitar essa paixão, mesmo que ela seja contra si. Mas não é porque essa paixão lhe vem contra que o senhor tem que mudar a regra.

Valor: Como o senhor vê a economia brasileira e o governo do presidente Lula?

Havelange: Não é porque o presidente está no exercício, mas nós temos que reconhecer que em um momento de crise mundial um dos países que menos sofreram foi o Brasil. Dentro do problema houve um equilíbrio. Nós praticamente não sentimos as ondas de 50 metros. Ficamos só nas marolas. E eu acho que isto é um exemplo a seguir. Não é que ele deva se perpetuar, mas, indiscutivelmente, é um exemplo a ser seguido.

Escolas de negócios focam em líderes socialmente responsáveis

Valor Econômico - EU & Carreira - 14.09.09 - D8

Ensino executivo: Presidente do IMD fala sobre o papel das escolas de negócios na formação dos comandantes pós-criseLíderes precisam ser socialmente responsáveis

Por Rafael Sigollo, de São Paulo
14/09/2009

Davilym Dourado/Valor

De acordo com John Wells, apenas trazer lucros já não é suficiente para os executivos. "O jeito com que se alcança bons resultados tem um profundo efeito na saúde de longo prazo das empresas"
A liderança responsável é um conceito que ganhou força depois da crise e se tornou fundamental para o sucesso dos negócios no longo prazo. Isso significa que apenas apresentar bons resultados já não é mais suficiente. É preciso saber de que forma eles foram conseguidos. Essa é a opinião de John Wells, presidente da escola de negócios suíça IMD, uma das mais importantes do mundo.

Em recente passagem pelo país, ele conversou com o Valor , entre outros temas, sobre os atuais desafios e paradoxos da liderança. No primeiro tópico, inclui-se agir agressivamente - "mas com humanidade" - a fim de se fazer rápidos e corajosos ajustes para enfrentar as novas condições do mercado. Já no segundo, Wells destaca que as questões econômicas, sociais e ambientais são complexas, cada vez mais globais e vai ser necessária uma grande liderança para enfrentá-las. "Apesar disso, a confiança em nossos líderes e instituições está desabando", afirma. Confira a seguir os principais trechos:

Valor: O senhor assumiu há pouco mais de um ano o cargo de presidente do IMD. Como tem sido estar a frente de uma das mais reconhecidas escolas de negócios do mundo em um cenário de crise, turbulências e desconfiança como o que vivemos desde 2008?

John Wells: Este período tem sido muito excitante. Obtivemos um ótimo desempenho e fomos classificados como o melhor MBA do mundo pela revista "The Economist" e vice-líder mundial pelo "Financial Times" nos cursos de educação executiva. Nós somos uma pequena escola de negócios baseada em Lausanne, Suíça, mas muito internacional. A cada ano atendemos mais de mil empresas e instituições de mais de cem países para desenvolver conhecimentos e habilidades de executivos de elevado potencial. Nossos clientes de primeira ordem são parceiros de aprendizado, ou seja, 200 das maiores corporações globais enfrentando crescentes desafios na liderança de empreendimentos internacionais. Nós atuamos com eles em seus assuntos mais críticos, o que nos posiciona na vanguarda, e eles nos ajudam a subsidiar nossas pesquisas que focam os temas mais atuais. Estar a frente do IMD tem sido também muito desafiador, pois a crise afetou materialmente grande parte desses parceiros de aprendizado. A pressão sobre eles acaba recaindo também sobre nós.

Valor: A crise mudou a maneira de pensar e de ensinar das escolas de negócios?

Wells: Mais da metade do nosso tempo envolve responder a necessidades específicas de parceiros de aprendizado, o que nos permite nos ajustar rapidamente as suas necessidades. Além disso, aprendemos muito com esse tipo de atividade e incorporamos o conhecimento em nossos programas abertos e de parceria. Isto significa que nós nos mantemos relevantes. Tão logo a crise se instalou, passamos a atuar com equipes de altos executivos da maioria de nossos parceiros no desenvolvimento de planos de ação. Como resultado da crise, nosso mix de negócios mudou drasticamente. Passamos a lidar mais com programas de reestruturação e desenvolvimento de novos modelos de negócios. Gestão de risco também é um tópico importante. Enquanto respondíamos às necessidades do mercado no curto prazo, a magnitude da crise e suas causas mais importantes nos levaram a refletir sobre nosso papel no desenvolvimento de executivos a longo prazo.

Valor: Como uma crise afeta a procura por educação executiva?

Wells: A procura por programas de MBA tipicamente aumenta em uma crise, já que os indivíduos usam essa oportunidade para reavaliar suas carreiras e desenvolver suas habilidades. Já a procura das companhias por programas de desenvolvimento de executivos varia dependendo de quanto o setor onde elas atuam foi afetado. O tipo de trabalho que fazemos com as empresas também muda. Há mais ênfase na reengenharia da redução de custos do que na expansão dos negócios. Não prevemos um grande restabelecimento em 2009, embora as atividades permaneçam fortes no Oriente Médio, China e comecem a melhorar nos EUA. Suspeitamos que vamos precisar esperar pelo segundo semestre de 2010 até que o processo de recuperação esteja verdadeiramente em marcha.

Valor: O que se pode fazer para que a crise não se repita?

Wells: Estar comprometido com o conceito de liderança responsável. Os programas de MBA são realizados sempre com um coaching, de modo que os alunos possam entender seus reais valores, estar mais atentos aos seus comportamentos e administrar suas equipes com mais responsabilidade. Neste ano, os alunos de MBA tiveram que trabalhar com pequenas empresas sul-africanas e melhorar sua produtividade. Isso encoraja os participantes a desenvolver um senso mais forte de responsabilidade em relação à sociedade. Realizamos também conferências para debater com líderes de negócios e com os responsáveis pelas regras de governança o que pode ser feito.

Valor: Quando o senhor fala de liderança responsável, o que quer dizer exatamente?

Wells: Liderança responsável é não apenas entregar resultados bons, mas também fazê-los do jeito certo. O objetivo de qualquer empresa é ter uma performance sustentável superior. Mesmo assim, muitas empresas falham por não conseguirem se adaptar a um mundo em constante mudança. A inércia é uma doença fatal. Liderança responsável demanda estratégias e estruturas ágeis. O jeito com que se alcança um bom resultado tem um profundo efeito na saúde de longo prazo das empresas. Neste sentido, é sempre útil apelar para os simples princípios de honestidade e de clareza.

Valor: O senhor pode nos dar um exemplo?

Wells: Pegue o caso de um gerente industrial que é promovido por ter gerado maior rentabilidade simplesmente por ter postergado manutenção. Isto é o equivalente a "roubar" da base física de ativos. As empresas devem estar certas de que seus ativos seguem nas mesmas condições do início. O mesmo é válido para os ativos humanos. Alguns gerentes constroem carreiras bem sucedidas explorando membros de suas equipes e atuando pouco para desenvolvê-los. Isto é um "roubo" da base de ativos. Também é simples "roubar" ativos à medida que não se fornece aos clientes a promessa embutida na marca. Veja o exemplo de companhias de seguros que melhoram sua lucratividade não pagando os acidentes. Finalmente, há "roubo" no balanço financeiro. CFOs que escondem lucros nos balanços de anos bons para turbinar anos ruins. O desafio para as empresas é criar sistemas que desencorajem essas práticas.

Valor: Em sua opinião, o que os líderes das companhias podem aprender com esta crise?

Wells: Talvez o mais óbvio seja que crises acontecem. Em toda minha vida profissional presenciei muitas crises financeiras e ainda me surpreendo com o fato de que poucas empresas estão preparadas para elas. Todos sabem que elas vão acontecer, o desafio é prever quando. Algumas pessoas alegam que os líderes não têm tempo para pensar em estratégias durante a gestão de uma crise e devem focar na sobrevivência. Porém, é fundamental continuar investindo nos objetivos de longo prazo. A crise não deve ser desperdiçada e pode, inclusive, acelerar a execução de determinadas estratégias. A regra que normalmente uso é que só se obtém recursos quando não se precisa deles.

Valor: É preciso adotar uma nova postura para liderar?

Wells: Os tempos mudaram e as empresas também devem mudar. Esperança não pode ser uma estratégia. O problema não desaparecerá somente porque o ignoramos. Líderes devem promover rápidos e corajosos ajustes para enfrentar as novas condições de mercado e evitar seguidas pequenas correções. Devem agir agressivamente, mas também com humanidade. Mais frequentemente do que se imagina, empresas enfrentam crises não porque houve algum evento econômico externo, mas porque elas simplesmente falharam em ajustar suas estratégias a tempo. Crises são uma boa oportunidade para se tentar novas soluções. Os clientes estão abertos a novas ideias e é mais fácil mudar internamente. Também é útil envolver suas equipes não somente na geração de ideias, mas também no encaminhamento das soluções. Este tipo de atitude melhora o moral, diminui a ansiedade e oferece maior capacidade para mudanças. É fundamental para o líder se comunicar de forma mais efetiva dentro da empresa e buscar maneiras para motivar os colaboradores.

Valor: Quais serão os maiores desafios dos líderes quando a crise for totalmente superada?

Wells: O mundo nunca precisou tanto de liderança. Os desafios econômicos, sociais e ambientais são complexos, cada vez mais globais e vai ser necessária uma grande liderança para enfrentá-los. Apesar disso, a confiança em nossos líderes e instituições está desabando. A confiança nos políticos está em um dos piores níveis e uma recente pesquisa com investidores nos EUA indicou que a maioria deles não acredita no que o CEO fala. Indivíduos em posições de liderança devem trabalhar para reconquistar essa confiança.

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