Jornal Valor Econômico - Legislação & Tributos - 08.02.2012 - E2
Desaparecimento de marcas famosas
Por Sheila Medeiros
Não obstante o alto valor agregado que possam deter, é usual que marcas
amplamente conhecidas pelo público consumidor e, portanto, consideradas famosas,
sejam substituídas e desapareçam do mercado.
Atualmente os processos de
fusão e aquisição de empresas são a maior razão para a substituição de marcas no
mercado. São, por exemplo, os casos da marca Esso, que foi substituída pela
Shell; da marca Banco Real, que foi substituída pela marca Banco Santander; da
marca Bamerindus, que foi substituída pela marca HSBC, dentre diversos
outros.
A substituição das marcas pode igualmente se dar por questões de
redução de portfólio, na qual as empresas multinacionais abandonam as marcas
nacionais e as substituem por aquelas utilizadas em seu país de origem, como
aconteceu com as marcas Kri e Lollo, ambas da Nestlé, que foram substituídas no
Brasil pelas marcas Crunch e Milkybar, respectivamente, para identificar os
mesmos chocolates. A notoriedade e o valor agregado da marca adquirida, que pode
conservar os referenciais de qualidade e prestígio, pode ainda resultar na
associação entre as marcas.
Foi esse o destino da marca Colorama,
adquirida pela multinacional francesa L'OREAL. Tendo em vista a força da marca
nacional no segmento de esmaltes, a L'OREAL optou por associar a Colorama à sua
marca Maybelline nos produtos vendidos no exterior, de modo que os esmaltes são
atualmente comercializados sob a marca Maybelline Colorama.
Declarada a
caducidade, há o risco de apropriação por terceiros
Os fenômenos da
substituição e da associação envolvendo marcas famosas - neste último caso,
formando uma marca nova - nos levam a questionar se as marcas antigas devem ser
protegidas pelos seus novos titulares ou simplesmente abandonadas.
Isso
porque, ainda que a substituição e associação das marcas devam ser feitas
paulatinamente, permitindo que o consumidor se acostume com a nova marca como
sendo a sucessora da antiga, o fato é que esta ainda possui grande valor no
mercado.
Como exemplo podemos citar a marca Kolynos, que por
determinação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), foi
substituída pela marca Sorriso para identificar creme dental. Ainda que a
primeira marca tenha deixado de ser usada em 1997, somente em 2003 a marca
Sorriso superou a Kolynos como a mais lembrada para o referido produto, conforme
apontou a pesquisa Top of Mind.
Com efeito, como consequência dos
investimentos realizados ano após ano na consolidação das marcas famosas, estas
permanecem no consciente do público consumidor e são capazes de transmitir
valores como confiança e qualidade mesmo após deixarem de ser usadas. Assim,
acreditamos que a proteção de tais marcas deve ser mantida mesmo que não estejam
em uso.
Como então a marca famosa pode ser protegida mesmo após deixar
de ser usada no mercado?
A Lei da Propriedade Industrial, que regula o
registro de marcas no Brasil, não exige que seja demonstrado o uso da marca no
ato do requerimento de sua prorrogação. Assim, mesmo que a marca objeto do
registro não esteja em uso no país naquele momento, o requerimento da
prorrogação no prazo legal, acompanhado do pagamento das respectivas taxas, é
suficiente para que a marca tenha proteção por mais uma década.
A
referida lei, no entanto, prevê o instituto da caducidade, isto é, caso a marca
deixe de ser usada por um período igual ou maior que cinco anos, a caducidade da
marca poderá ser declarada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial
(INPI) mediante requerimento de terceiros interessados.
Diante do
requerimento da caducidade do registro da marca, cabe ao titular demonstrar o
seu uso para os produtos ou serviços cobertos pelo registro, ou justificar o seu
desuso por razões legítimas. Uma vez declarada a caducidade da marca, esta
estará livre para apropriação por terceiros.
É o caso da marca El Juego
Del Million, cuja caducidade dos registros foi declarada administrativamente
pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), tendo sido reconhecida
pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a legitimidade da B.F. Utilidades
Domésticas Ltda. e da TVSBT - Canal 4 de São Paulo em usar e registrar a marca
Jogo Do Milhão.
É o caso também da tradicional marca Scala, para
assinalar cosméticos, cuja caducidade foi declarada em decisão proferida pelo
INPI e confirmada judicialmente por entender o STJ que a falta do uso da marca
não se deu por razões legítimas.
Por outro lado, em consonância com o
disposto na Convenção de Paris, a Lei de Propriedade Industrial prevê que a
marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade merece proteção no
território nacional mesmo que não esteja registrada no Brasil. A marca deve, no
entanto, estar registrada em outro país signatário da mencionada
convenção.
Por essa regra, o Brasil compromete-se a recusar ou invalidar
registro de sinal que constitua imitação ou reprodução de marca notoriamente
conhecida em seu ramo de atividade, ainda que a marca não esteja em uso no
mercado naquele momento.
Vemos, assim, que a proteção das marcas famosas
é possível, ainda que não estejam registradas e em uso no mercado naquele
momento.
Essa proteção é imprescindível para que não haja a sua
apropriação por terceiros, que se beneficiarão de anos e anos de investimentos
realizados em sua construção e solidificação perante os
consumidores.
Sheila Medeiros é advogada, sócia do escritório Daniel
Advogados
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012
Assinar:
Postagens (Atom)
Registre as histórias, fatos relevantes, curiosidade sobre Paulo Amaral: rasj@rio.com.br. Aproveite para conhecê-lo melhor em http://www2.uol.com.br/bestcars/colunas3/b277b.htm