segunda-feira, 30 de junho de 2008

Alienação fiduciária de imóveis

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 27, 28 e 29.06.08 - E4

Os 10 anos da Lei de Alienação Fiduciária
Caio Mário Fiorini Barbosa

Com o propósito de suprir necessidade do mercado imobiliário, que até então dispunha de mecanismos pouco eficientes de garantia, tais como a hipoteca, em novembro de 1997 entrou em vigor a Lei nº 9.514 que, além de dispor a respeito do sistema financeiro imobiliário, instituiu a alienação fiduciária de coisa imóvel, alterada, mais tarde, por meio da Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004.
Conforme o conceito trazido pela própria lei, a alienação fiduciária em garantia é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel. Na alienação fiduciária em garantia o que se impõe às partes é o dever de cumprimento das obrigações assumidas no contrato, que são justamente os comandos normativos que regulam o instituto.
Dentre os objetivos da alienação fiduciária está, sem dúvida, o de aumentar o fluxo de investimentos no setor imobiliário - o que se consegue por intermédio da outorga de maiores garantias legais ao negócio -, ampliando a produção de imóveis, a oferta e, conseqüentemente, a redução de seus preços e taxas de juros para o consumidor final. Além disso, não se pode esquecer da natural criação de inúmeros empregos na construção civil.
Desde o início da vigência da lei, diversas questões, práticas e teóricas, têm merecido uma atenção especial dos operadores do direito. Um ponto que merece reflexão é o que se refere à pretensão do devedor fiduciante de rescindir o contrato garantido por alienação fiduciária. Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, a jurisprudência, interpretando o seu artigo 53, de forma pacífica, passou a reconhecer o direito do compromissário comprador em, judicialmente, ainda que por arrependimento ou alegada impossibilidade de cumprimento da obrigação, obter a rescisão do contrato, bem como a devolução substancial das quantias pagas. Essa situação passou a ser motivo de grande preocupação para os construtores e incorporadores, que, anos após a venda de imóveis, eram surpreendidos por demandas judiciais em que, muitas vezes, tinham de "restituir" uma quantia superior ao valor do próprio bem.
Com o advento da Lei nº 9.514, de 1997, essa situação não teria espaço, uma vez que não haveria mais uma simples promessa de compra e venda, sujeita à rescisão e, por conseguinte, à restituição de quantias, mas, como negócio subseqüente à transferência de domínio por compra e venda, um contrato de financiamento, garantido por um imóvel alienado fiduciariamente.
A jurisprudência dos tribunais de Justiça estaduais, no rumo certo, vem firmando posição a respeito do tema
Apesar disso, ignorando-se a natureza dos negócios jurídicos celebrados, não levou muito tempo para que, com suposto amparo no artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, viessem as ser propostas as primeiras ações por meio das quais os devedores fiduciantes, como se compromissários compradores fossem, pretendiam a "rescisão" dos contratos e a devolução dos valores. A questão ainda era muito nova, inclusive para magistrados que, em alguns casos, desconheciam a própria norma regedora da matéria. Passados dez anos desde o início da vigência da lei, a jurisprudência vem firmando posicionamento a respeito do tema.
Diferentemente do que ocorre nos compromissos de compra e venda, na alienação fiduciária, quando há falta de pagamento, a única alternativa conferida ao credor é a execução de seu crédito, realizada extrajudicialmente perante o registro de imóveis competente. A execução, iniciada pela intimação pessoal do devedor para, no prazo de 15 dias, purgar a mora, tem procedimento previsto nos artigos 26 e seguintes da lei. O artigo 26 estabelece que, vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora do fiduciante, consolidar-se-á a propriedade do imóvel em nome do fiduciário. Depois de consolidada a propriedade, ao fiduciário compete, dentro dos prazos previstos na lei, realizar um leilão público para alienação do imóvel, para, então, finalmente fazer um ajuste com o fiduciante.
Eis, em suma, o mecanismo para resolução da propriedade fiduciária e para apuração da quantia a ser entregue ao fiduciante. Não há, portanto, espaço para aplicação do artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de alienação fiduciária de imóveis na forma como normalmente pretendida. A propósito, o código, em caráter genérico, é aplicável à alienação fiduciária, mas desde que não ocorra conflito com as regras especificamente estabelecidas pela Lei nº 9.514. É, aliás, o que decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) na Apelação nº 832.635-0/5, julgada em 23 de novembro de 2005.
Na verdade, o contrato de alienação fiduciária sequer poderia prever a perda total ou parcial dos valores pagos, sob pena de violação da própria lei, uma vez que é garantido ao fiduciante (devedor) que qualquer quantia que sobeje o valor calculado, em decorrência do leilão, seja-lhe integralmente restituída.
No rumo certo, a jurisprudência dos tribunais de Justiça estaduais vem firmando posição a respeito do tema. Até pouco tempo, contudo, não havia precedentes específicos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), até então limitados a casos de alienação fiduciária de coisa móvel, regida por norma própria e anterior. Em 10 de dezembro de 2007, menos de dois meses antes de falecer, em uma decisão inédita proferida no Agravo de Instrumento nº 932.750-SP, o ministro Hélio Quaglia Barbosa se pronunciou a respeito da questão. Na decisão, de forma precisa e didática, o ministro tratou das principais diferenças entre o contrato de alienação fiduciária e a promessa de compra e venda, inclusive no tocante às conseqüências jurídicas decorrentes do eventual inadimplemento do devedor fiduciante e do compromissário comprador, respectivamente. Esperemos que esta primeira decisão sirva de norte para consolidação da jurisprudência sobre esta importante questão.
Caio Mário Fiorini Barbosa é advogado especializado em direito imobiliário do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados

Ensino corporativo

Valor Econômico - EU & Carreira - 23.06.08 - D10
Hughes lança serviço de olho no aumento do ensino corporativo
Por Stela Campos,
de São Paulo

O crescimento do mercado de educação corporativa no Brasil, que atualmente movimenta em torno de R$ 1,8 bilhão ao ano, atraiu a atenção do grupo Hughes Comunnications, fundado pelo milionário norte-americano Howard Hughes, líder mundial no oferecimento de banda larga via satélite. Em agosto, o grupo lança no país um novo serviço chamado Global Education, voltado exclusivamente ao ensino corporativo.
A novidade é que além do aparato tecnológico para as transmissões, a companhia agora passa a oferecer também o conteúdo educacional. Para criar cursos customizados para as empresas treinarem suas equipes, a Hughes está firmando parcerias com escolas e universidades brasileiras. As primeiras a fecharem acordo com a companhia foram a Fundação Instituto de Administração (FIA), a Universidade Presbiteriana Mackenzie e a Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, através da Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão (Cogeae). "Estamos em fase de negociação com a BSP e a Fundação Getulio Vargas", diz René Birocchi, diretor de negócios em educação da Hughes.
O grupo está presente no Brasil há 35 anos e oferece desde 2003 um sistema que permite a integração, ao vivo, entre professor e alunos pela televisão digital, computador ou através de um data-show. "Tudo acontece em tempo real", explica Birocchi. As aulas são ministradas por professores das universidades num estúdio montado pela Hughes e transmitidas para qualquer lugar onde estejam instalados seus aparelhos receptores. Os cursos terão no mínimo 30 horas e poderão chegar a 480 horas
A experiência com este tipo de serviço foi realizada na Índia, onde a Hughes já ministrou cursos virtuais para mais de 15 mil estudantes, em mais de 200 salas de aula. A metodologia utilizada e a interatividade entre professores e alunos faz com que o ensino a distância se aproxime do formato presencial. "Essa tecnologia permite que as aulas à distância aconteçam numa sala de aula normal", explica José Augusto Pereira Brito, CIO do Mackenzie. "É um ambiente que não choca as pessoas da geração X, em torno dos 40 e 50 anos de idade, que muitas vezes ainda se assustam com o ensino apenas virtual", acredita.
Há alguns anos, o Mackenzie vem investindo no uso de ambientes virtuais para ampliar seu leque de cursos de extensão. Foi uma das primeiras universidades brasileiras a investir no Second Life, site de relacionamento e negócios em 3D na internet. Em abril de 2007, começou a capacitar seus 1.370 professores para atuarem em ambientes virtuais. "Existe um novo modelo pedagógico hoje, no qual o aluno é pró-ativo, questionador e melhor informado. O professor precisa se adaptar a essa nova rede ao redor dos estudantes", diz Brito. "As empresas, por sua vez, estão descobrindo que precisam oferecer educação continuada porque sabem que o funcionário também precisa aprender o tempo todo".
O Mackenzie começou a investir em ensino corporativo para empresas há cinco anos e agora quer ganhar escala com a nova parceria. "Com esse tipo de transmissão é possível ensinar numa plataforma no meio do mar ou numa aldeia na Amazônia", diz Brito.
O professor Cesar Souza, da FIA, acredita que a maior vantagem da nova metodologia é que ela diminui o tempo na divulgação e disseminação do conhecimento na empresa. "Por ser bidirecional, a tecnologia permite uma interação entre os funcionários de diversas localidades", diz. A FIA oferece cursos "in company" desde a sua criação em 1980.
René Birocchi diz que a Hughes já possui 8 mil antenas espalhadas pelo país. Ele acredita no potencial de desenvolvimento do ensino a distância no Brasil, que hoje já consome um de cada quatro reais investidos em educação corporativa. "Ele está avançando mais rápido que o ensino presencial", diz. A área de educação representa hoje um terço da receita da Hughes Communications no mundo, que faturou U$ 1 bilhão no ano passado. "Nossa meta é que o segmento educação cresça 45% este ano no Brasil", diz o diretor. "Queremos chegar ao mesmo patamar mundial", diz.

STJ impede juro abusivo

Valor Econômico- Legislação & Tributos - 23.06.08 - C7
Decisões do STJ impedem a cobrança de juro "abusivo"
Juliano Basile e Arnaldo Galvão,
De Brasília

A cobrança de taxas de juros abusivas pelos bancos está vetada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Duas decisões tomadas no início deste mês firmaram o entendimento de que as instituições financeiras não podem cobrar percentuais muito acima da média do mercado.
As decisões foram tomadas na 3ª e na 4ª Turma do tribunal e envolveram empréstimos de pequeno valor para pessoas de pouco poder aquisitivo. O que impressionou o STJ foi o fato de alguns bancos cobrarem mais do que o dobro ou até o triplo da taxa média de mercado a clientes de classe social baixa. "A decisão é importante, em especial para os consumidores mais humildes, por estarem sujeitos de modo geral às taxas mais altas cobradas pelos bancos e demais instituições de crédito", afirmou a ministra Fátima Nancy Andrighi, relatora de um dos processos.
No caso relatado pela ministra, o empréstimo de R$ 800 foi contratado em setembro de 2005 na financeira Losango e no banco HSBC. O pagamento deveria ser feito em seis prestações mensais de R$ 196,27. Nessas condições, o cliente pagaria R$ 1.177,62 no final do contrato. O Valor procurou ouvir as instituições financeiras, mas não obteve comentário.
O STJ verificou que a cobrança foi maior do que o triplo da taxa média de juros praticada no mercado na época (70,55% ao ano) e mais do que a Selic (19,75% ao ano). O salto de R$ 800 para R$ 1.177,62 significou 11% ao mês de juros capitalizados ou 249,85% ao ano. "A taxa não era exorbitante somente em comparação com índices oficiais", disse a ministra, referindo-se à Selic. "Mas também em confronto com os concorrentes diretos do banco que fez o empréstimo, ficando muito acima das taxas de mercado apuradas", completou.
O caso de Nancy foi julgado em 3 de junho. Na mesma semana, o ministro Sidnei Beneti foi relator de outro processo semelhante e também condenou o banco por cobrar muito acima da taxa média de mercado. Em ambos os casos, o STJ inovou porque os bancos têm se apoiado no entendimento tradicional dos tribunais de que podem cobrar mais do que 12% ao ano.
A Constituição de 1988 estabeleceu a limitação nesse percentual no artigo 192, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que esse dispositivo não foi regulamentado por lei complementar e, portanto, não pode ser aplicado. Em 11 de junho, o STF transformou esse entendimento em súmula vinculante e, com isso, condicionou a sua aplicação em todos os processos no Judiciário.
Agora, com decisões semelhantes na 3ª e na 4ª Turma, não há possibilidade de os bancos reverterem a situação na 2ª Seção do STJ. Se houvesse divergência entre as Turmas, o tema seria levado para posicionamento definitivo da Seção. Beneti explicou que essa orientação prevaleceu no STJ. Daqui em diante, o tribunal julgará as taxas abusivas dos bancos dessa forma.
Antes dessas duas decisões havia um precedente do ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Ele já deixou o tribunal, mas, ao julgar uma ação contra um banco no ano passado, indignou-se com juros anuais de 380,78%. Era um empréstimo de R$ 1 mil, com juros de 14% ao mês. A taxa média, na época da realização do empréstimo, era de 67,81%. O ministro notou que o cliente era de classe baixa e concluiu pela condenação do banco, que estava cobrando mais do que cinco vezes a taxa de mercado.
Para o advogado Arnoldo Wald, as recentes decisões do STJ mostram que o tribunal está compreendendo que o direito deve favorecer a Justiça e ter em conta o fato econômico. "No mercado, não adianta fixar um percentual, mas, algumas vezes se ultrapassa toda a lógica e a razoabilidade. Nesses casos, os limites são dados pelo abuso de poder econômico", afirmou. Para Wald, a dificuldade está em definir a taxa média ou razoável. "Costumo dizer que a média é de quem tem a cabeça no forno e os pés na geladeira", ironizou.
Advogados especializados na defesa de bancos criticam a opção tomada pelos ministros do STJ. Otto Steiner argumenta que essa jurisprudência apresenta aparente retrocesso. Ressalta que, no passado, o tribunal adotou firme posição contra os princípios do sistema financeiro , principalmente no que se refere a juros capitalizados, desconsideração dos contratos como título executivo, impossibilidade de cobrança de valor residual antecipado no leasing e aplicação do Código de Defesa do Consumidor no conteúdo econômico dos contratos bancários, entre outros polêmicos assuntos.
Steiner afirma que, passados alguns anos, o STJ passou a aceitar, "saudavelmente", as regras do mercado financeiro. Portanto, conclui que os recentes julgamentos contra juros abusivos são, aparentemente, contrários a esses entendimentos, o que preocupa o advogado. Outro argumento dele remete a discussão ao conceito de abusividade. "É absolutamente subjetivo e tem de ser apreciado em respeito aos fatos do processo", comenta. Em tese, Steiner afirma que isso impediria um julgamento no STJ porque essa corte não julga provas e matérias de fato.
No caso relatado pela ministra Nancy Andrighi, Steiner observa que o tribunal não conheceu do recurso, o que significa que não julgou o caso. Mas, por outro lado, manteve a decisão do tribunal local. "De qualquer forma, esse entendimento significa retrocesso na posição majoritária no STJ quando se trata de direito bancário", lamenta.
Waldyr de Campos Andrade Filho é outro especialista em direito bancário que também tem críticas ao caminho seguido pelas duas Turmas do STJ. Na sua visão, as taxas de juros praticadas pelos bancos consideram o risco dessas operações. Nos contratos de crédito pessoal ou de crédito direto ao consumidor (CDC) os riscos e as perdas são maiores, o que condiciona o nível das taxas.
Andrade insiste que juros mais altos não significam, necessariamente, abuso. O advogado reafirma que as perdas das instituições financeiras nesse tipo de operação são, normalmente, elevadas. Mas o ponto central dos julgamentos do STJ, na sua opinião, é o que se entende por média de mercado. O mais apropriado, na sua interpretação, seria comparar juros da mesma espécie de operação, nas quais o risco é similar. Confrontar juros cobrados dos consumidores com a taxa básica de juros, Selic, é totalmente inadequado.

Fim da terceirização na CEF

Valor Econômico - 03.06.08 - E1
Fim da terceirização
03/06/2008

A Caixa Econômica Federal (CEF) vai extinguir até junho de 2009 a terceirização de atividades-fim do banco, segundo compromisso assinado ontem com o Ministério Público do Trabalho (MPT). A instituição extinguirá mais de nove mil postos de serviços, atualmente terceirizados, de acordo com cronograma estabelecido após entendimentos com o MPT. O acordo foi assinado pelo vice-presidente da CEF, Carlos Gomes Sampaio de Freitas, e pelo procurador-geral do Trabalho em exercício, Jeferson Luiz Pereira Coelho, e prevê a execução do compromisso em três etapas distintas no decorrer deste e do próximo ano. A Caixa também se comprometeu a convocar 5.003 candidatos aprovados nos concursos realizados para o cargo de técnico bancário, sendo já computados nesse total os 1.903 candidatos convocados no mês passado. A convocação dos aprovados ocorrerá neste ano.

Novas referências éticas das empresas

Valor – Legislação & Tributos – 03.06.08 – E2

Os novos marcos jurídicos para as empresas
Saulo Stefanone Alle
03/06/2008
Ter um corpo jurídico que oriente quanto às leis de um país e às sanções a que se sujeita a empresa, por suas violações, não é mais suficiente. Esta sistemática de atuação do corpo jurídico é pautada por um modo de entender o direito peculiar ao século XIX, em que a distinção entre direito e moral era cerrada e em que o brocado romano "nom omne quod licet honestum est" - nem tudo o que é lícito é honesto - dava a idéia do que se podia ou não fazer.

O direito liberal, consolidado a partir do século XIX e que se manteve pelo século XX, encontra sua efetividade na sanção. O modelo jurídico que se forjou historicamente a partir da necessidade de segurança e de previsibilidade, conveniente para o desenvolvimento das atividades econômicas, possuía no temor às penas civis ou criminais manejadas pelo Estado o motivo para ser respeitado. Portanto, um sistema sem eficácia não era considerado força jurídica alguma para se afirmar e ser respeitado e, por este motivo, podia-se fazer tudo aquilo sobre o que não havia sanção.

Na verdade, a idéia de que o direito depende exclusivamente de sanções aplicadas por uma autoridade já é bem relativizada, hoje em dia, e espera-se que os consultores jurídicos sejam capazes de compreender isto. Os cadastros de proteção ao crédito são um exemplo básico e muito ilustrativo do que se pretende dizer. O principal motivo pelo qual boa parte das pessoas se preocupa em pagar suas contas em dia - especialmente aquelas de valor muito baixo, e algumas podem chegar a R$ 10,00 por mês - não é o risco de sofrer uma sanção civil, ou de sujeitar-se ao exercício da autoridade estatal (processo judicial), mas o receio da perda do crédito.

A perda do crédito não decorre de uma disposição legal, mas de prática comercial. É a típica situação em que uma anotação de natureza moral tem implicações comerciais fortes o bastante para ser temida pelo consumidor. Não se trata de uma sanção jurídica, mas de uma sanção moral que faz com que a regra jurídica seja cumprida.

A idéia de usar de novos meios para dar efetividade às normas jurídicas passa a ter um impacto muito maior, especialmente em um campo que sempre amargou a crítica de carecer da coerção necessária ao direito: o direito internacional. Uma das grandes críticas a que o direito internacional sempre se sujeitou foi exatamente a sua baixa coercitividade, por decorrência de não haver um poder centralizado para aplicação de normas e sanções. Neste sentido, um mecanismo paradigmático foi implantado por uma organização internacional, que não prevê a imposição de sanções, mas cuja efetividade tem se mostrado inegável, e que está contribuindo com mais um argumento contra essa velha pecha de ineficácia do direito internacional.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE) é a sucessora da Organização Européia de Cooperação Econômica, criada nos fins da década de 40 para colaborar na administração da reconstrução européia no segundo pós-guerra. A OCDE conta com a adesão de cerca de 30 países, dentre os quais o Brasil, e tem por objetivo principal fomentar o desenvolvimento da economia mundial, sob economia de mercado. Foi a OCDE que criou, por decisão de seu conselho, em um documento datado de junho de 2000, os pontos de contato nacionais.

Os pontos de contato nacionais, sistema cuja ausência de coercitividade é inversamente proporcional à sua eficácia, são órgãos (embora não necessariamente coletivos) criados em cada um dos países aderentes "para levar a efeito atividades promocionais, responder a pedidos de informações, participar em discussões com as partes envolvidas sobre todas as matérias abrangidas pelas linhas diretrizes." Em outras palavras, os pontos de contato nacionais montados em cada país aderente têm por função promover os valores reputados fundamentais pela OCDE, que estão descritos em suas linhas diretrizes, zelando por sua eficácia.

As linhas diretrizes para empresas multinacionais têm como foco questões como emprego, meio ambiente, combate ao suborno, interesses do consumidor, ciência e tecnologia, concorrência e fiscalidade. Os pontos de contato, por sua vez, podem receber denúncias de violações por empresas multinacionais, de princípios e valores definidos nas linhas diretrizes. Estas denúncias são cuidadosamente apreciadas, facultando-se aos envolvidos a manifestação em sua defesa. Os resultados da apuração são comunicados aos demais pontos de contato.

O grande mistério da sistemática é o fato de que a OCDE, uma organização internacional, não dispõe de nenhuma autoridade especial ou soberana. Além disso, a participação e a resposta às denúncias não possuem nenhum tipo de obrigatoriedade e, por fim, não há nenhum tipo de sanção à empresa. No entanto, ainda assim os procedimentos são encarados de forma séria - já que o resultado pode ser a divulgação, em âmbito mundial, de condutas desabonadoras adotadas por determinada empresa, com impactos em suas relações com investidores, consumidores e até fornecedores.

Portanto, o direito vive um tempo de mudanças, no qual instrumentos que poderiam ser considerados de nenhuma importância por não terem caráter sancionatório direto, atualmente podem ser muito eficazes. A análise das condutas que podem sujeitar uma empresa a este tipo de situação indesejada depende de uma visão de longo alcance de seu corpo de colaboradores, em especial de seu corpo jurídico, já que as questões não se restringem mais apenas à legalidade ou ilegalidade de sua atuação, mas também à atenção de padrões nacionais e internacionais de conduta.

Saulo Stefanone Alle é advogado do escritório Queiroz e Lautenshläger Advogados

Registre as histórias, fatos relevantes, curiosidade sobre Paulo Amaral: rasj@rio.com.br. Aproveite para conhecê-lo melhor em http://www2.uol.com.br/bestcars/colunas3/b277b.htm

Eis o veículo (Motorella) que tenho utilizado para andar na ciclovia da Lagoa e ir ao trabalho sem suar