quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Crise abala siesta na Espanha

Valor Econômico -  Empresas/Serviços - 27.12.2012 - p. B4
Espanha debate fim da "siesta" no varejo

Por Vanessa Dezem
Para o Valor, de MadriA comunidade de Madri permite desde julho o funcionamento do comércio 24 horas por dia, sete dias por semana.

Mario La Fuente é um jovem espanhol de 26 anos, que trabalha há quatro anos em uma pequena papelaria, a Folder, localizada em Salamanca, um bairro sofisticado de Madri. "Essa loja é diferente de todos os outros lugares em que já trabalhei. Ela não fecha. Por causa da crise, ela tem que ficar aberta mais tempo todos os dias. Eu acho que não há outra opção", diz ele.

A papelaria abre de segunda a sábado das 9h às 20h30. Seus funcionários não param para a "siesta"- o tradicional cochilo após o almoço. Como a Folder, outros negócios passaram a adotar novos horários de funcionamento, indicando o que pode ser o início de uma grande mudança na cultura empresarial da Espanha.

Esse movimento teve seu início oficial no varejo espanhol, em julho, e Madri foi a cidade que encabeçou as transformações. O governo central determinou uma nova legislação que permite que as lojas que tenham mais de 300 metros quadrados fiquem abertas 90 horas por semana, em vez das 72 horas anteriormente permitidas. Até então, a liberdade era dada somente às lojas pequenas. Além disso, qualquer loja pode abrir dez domingos ou feriados por ano. O limite anterior era de oito domingos e feriados por ano.

Cada comunidade decide sua regra com as bases dadas pelo governo central. Este estabelece os padrões mínimos e as comunidades podem ampliar a flexibilização. Madri foi mais longe e passou a permitir em julho a completa desregulamentação dos horários de funcionamento do comércio: as lojas podem abrir 24 horas por dia, sete dias por semana.

A decisão é uma tentativa de estimular o moribundo consumo interno do país. Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas (INE), as vendas do varejo espanhol caem 6% neste ano até setembro.

"Há uma mudança na cultura, na forma de pensar do espanhol. A nova legislação é o jeito com o qual essa mudança se traduz", diz Luis Lara, professor da Escola de Negócios ISEM Fashion, da Universidad de Navarra, e ex-diretor da Inditex, a dona da Zara. "O mercado não pode ser tão regulado, deve ser flexível para permitir seu próprio crescimento. Acredito que em cinco anos o comércio será diferente na Espanha. A iniciativa de Madrid está estimulando outras regiões a adotarem novas medidas nesse sentido", completa.

As iniciativas de julho foram adotadas em um momento importante. Além de impulsionar o comércio, o Natal também dá gás ao turismo, importante setor da economia espanhola. "Não é normal que uma cidade como Barcelona proíba seu comércio de atender os turistas nos domingos e feriados", diz Lara.

No ano passado 56,7 milhões de turistas estrangeiros visitaram a Espanha, cuja população em 2011 somava pouco mais de 46,8 milhões. Em muitas cidades, no entanto, tudo o que o turista pode encontrar nos domingos e feriados são algumas padarias e farmácias abertas.

"As medidas são boas, mas precisamos de mais", diz o diretor de comunicação da Associação Nacional de Grandes Empresas Distribuidoras (Anged), David Gracia. A entidade, em conjunto com outras instituições que representam o comércio espanhol, pede pela unificação dos horários de funcionamento do comércio no país e a abertura das lojas em 16 domingos e feriados por ano. O primeiro domingo de cada mês, o Natal e as "rebajas" - as liquidações que acontecem no início do ano - são os mais importantes momentos do ano para o varejo.

A decisão de Madri já apresenta efeitos positivos. Doze mil novos empregos foram criados no comércio nos primeiros três meses depois da liberalização de julho. Em um estudo sobre os impactos econômicos da liberalização dos horários comerciais, o professor da escola de negócios do Instituto de Empresa (IE), Fernando Fernández, mostra que a medida, se ampliada para o país, deverá criar 20 mil empregos em três anos.

Mas a liberalização está gerando conflitos. Pequenos e médios varejistas alegam que a desregulamentação prejudica seus negócios, ao forçar o aumento dos custos. "Abrir mais horas não significa ter mais vendas. Significa altos custos e mais trabalho. Mais de 90% do grupo é formado por negócios autônomos, que têm menos de cinco funcionários e não têm benefícios para contratar mais. Como trabalhar nos domingos e feriados?", questiona a Confederação Espanhola do Comércio.

Mas não é só no comércio que as mudanças estão acontecendo. Na tentativa de elevar a produtividade dos funcionários, as empresas na Espanha implementam novas regras nos horários de trabalho. "As companhias que adotaram horários mais racionais já conseguem ter aumento de produtividade e redução de custos", diz Ignacio Buqueras, presidente da Comissão Nacional para a racionalização dos horários na Espanha (Arhoe).

A Comissão, formada por 134 instituições, donos de negócios, sindicatos e agentes do governo, defende que o funcionário deve iniciar o dia de trabalho entre 7h30 e 9h00 e terminá-lo entre 16h30 e 18h00, com apenas 45 minutos de almoço.

Esse conceito questiona práticas comuns na Espanha. Apesar de passar bastante tempo do dia no ambiente de trabalho, os espanhóis têm o costume de começar a trabalhar apenas depois do café da manhã na lanchonete do escritório. Na hora do almoço - intervalo que pode durar até três horas - eles aproveitam para resolver problemas pessoais e fazer a "siesta".

"Nós temos que eliminar essa cultura. O funcionário deve chegar ao trabalho depois de já ter tomado café da manhã. Os trabalhadores espanhóis são líderes na Europa no que diz respeito à quantidade de horas no trabalho, mas isso não significa que estamos incrementando nossa produtividade na extensão necessária para enfrentar a crise", diz Buqueras.

"Eu gosto da escala de trabalho da loja. Não é bom parar para ter um longo almoço. É melhor trabalhar direto, porque eu posso ter mais tempo para mim mesmo depois do expediente", diz Mario La Fuente, da papelaria. Resta saber é se os consumidores vão responder bem às medidas, ajudando a aquecer a fria economia da Espanha neste fim de ano. Não há dados oficiais nacionais sobre as vendas no Natal, mas alguns analistas apontam para um declínio de 10% a 15% para o período.

Cursos sobre investimentos - Jornal do Commercio - 27.12.2012


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