sábado, 29 de março de 2008

Palestra

“EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA”*

Marcos Juruena Villela Souto**

A Constituição Federal, no art. 173, § 1º, já submetia as empresas públicas e sociedades de economia mista ao regime jurídico de direito privado, em especial nos aspectos trabalhista e fiscal. Com a Emenda Constitucional nº 19, pretendeu-se ampliar essa explicitação da submissão das empresas estatais ao direito privado e, ao fazê-lo, incluiu-se os aspectos civil e comercial. Isso levou uma boa parte da doutrina ao entendimento de que as empresas estatais se submetem predominantemente ao direito privado.

Tal conclusão comporta questionamentos.

O que se propõe é que, quanto à sua existência, as estatais se submetem unicamente ao direito público e quanto ao seu funcionamento, apenas parcialmente ao direito privado.

No tocante à existência, só pode haver sociedade de economia mista ou empresa pública se houver o reconhecimento, em lei, de um “relevante interesse coletivo” ou de um “imperativo de segurança nacional”.

Essa lei, por conta das inovações introduzidas na Constituição Federal, pela Emenda Constitucional nº 19, deve se submeter à disciplina da “lei complementar” prevista na parte final do art. 37, XIX[1]. Há duas situações tratadas no inciso XIX do art. 37; a segunda e a última delas, se refere à definição de que cabe à lei complementar estabelecer em que hipóteses o Estado pode abrir mão da sua personalidade de direito público e se submeter ao regime de direito privado. Quis o constituinte que se definisse nessa lei complementar as hipóteses de exceção ao princípio da livre iniciativa, que é um dos fundamentos da República. O Estado nasce a partir da atribuição de autoridade à sua presença e não para atuar da mesma forma que o particular, a não ser excepcionalmente, quando o interesse público assim justificar.

Sendo assim, no plano da existência, somente diante dessas duas circunstâncias, que são ditadas por normas de direito público, é que pode haver uma empresa pública ou uma sociedade de economia mista.

Cabe ao Chefe do Poder Executivo, no exercício da direção superior da Administração Pública (CF, art. 84, II), propor ao Legislativo a definição de um setor estratégico para tal fim, à luz de um plano de desenvolvimento econômico, previsto no art. 174, § 1º, CF. Vale notar que tal plano pode levar ao fomento de vários setores ou regiões, até mesmo criando-se empresas em parcerias do setor privado com o setor público, sem que tais entidades se caracterizem como empresas públicas ou sociedades de economia mista. Isto porque elas representam mera instrumentação de um incentivo eventual ao desenvolvimento de um setor ou região, sem representar uma personificação dos fins do Estado.

Autorizada a criação da empresa, outra discussão que aparece com alguma freqüência diz respeito à necessidade ou não de haver licitação para a escolha do parceiro da Administração na sociedade de economia mista.

A celebração do pacto que dá origem à sociedade de economia mista não é nenhum dos contratos mencionados no art. 37, XXI, da Constituição Federal. No direito administrativo brasileiro, onde é estudado o tema das licitações, trata-se da distinção entre contratos e convênios. Na célebre distinção de Hely Lopes Meirelles, acolhida por todos os autores, no contrato estão envolvidos interesses opostos, ou seja as partes estão em pólos distintos na relação contratual, diferentemente do que ocorre nos convênios, em que há uma soma de esforços convergindo para um mesmo objetivo. Esta é a natureza da vinculação entre dois parceiros que formam uma sociedade, orientada essa relação por uma noção também conhecida do direito comercial, de affectio societatis. A confiança legítima, a identidade de objetivos e de propósitos, não são licitáveis.

Embora a disciplina regedora da sociedade de economia mista seja de direito público, não se vê como se obrigar à licitação para a escolha do parceiro da Administração. Afinal, não está em jogo apenas o maior aporte de capital em favor da sociedade; entram em questão os aspectos relacionados à estratégia comercial, aos parceiros que aquele sócio traz, à experiência, ao domínio de uma tecnologia ou de um determinado mercado, etc. Portanto não há nenhum padrão de objetividade que possa ser traçado para essa competição. A licitação é um procedimento orientado pelo julgamento objetivo de propostas; a Administração deve saber, antecipadamente, o que deseja colocar em competição. Isso é incompatível com a celeridade e a flexibilidade que as negociações comerciais exigem para escolha de um parceiro comercial.

Já o funcionamento dessas entidades é orientado por um absoluto hibridismo. Não há que se falar que, por conta do art. 173, § 1º da Constituição, essa entidade se submete apenas ao direito privado ou predominantemente ao direito privado.

Senão, veja-se: uma empresa privada é livre para contratar o que desejar, como e com quem desejar. A empresa estatal é submetida a um processo rígido de escolha dos contratados, que é o procedimento licitatório. Frise-se que esse procedimento licitatório não deve ser o mesmo que o exigido dos Estados, dos Municípios, das Autarquias e das Fundações. As empresas públicas e sociedades de economia mista surgem para o desenvolvimento de uma atividade comercial o industrial, na grande maioria dos casos, em competição com as empresas do setor privado, devendo, portanto, receber um tratamento compatível com a diferença de regime jurídico contemplado na Constituição, especialmente quando em jogo o atendimento das finalidades da empresa.

A Constituição prevê que o princípio da isonomia implica em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualem. Uma empresa pública e uma sociedade de economia mista não podem funcionar como uma Autarquia. Isso já levaria ao reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 119 da Lei nº 8666/93, que submetia as estatais à obrigatoriedade de observância de todos os dispositivos desta lei, e não apenas aos seus princípios, como o fazia o art. 82 do DL. nº 2300/86.

Essa inconstitucionalidade acabou por ser, tacitamente, reconhecida com o advento da EC nº 19, que previu dois diplomas legais para tratar de licitação: as normas gerais de licitação, que valem para a Administração direta, autárquica e fundacional, e as normas de licitação para as empresas públicas e sociedades de economia mista, que vão ser contempladas no estatuto jurídico previsto no art. 173, § 1º da Constituição.

O fato de elas estarem sujeitas à licitação não significa dizer que celebram contratos administrativos. Aí mais uma vez o hibridismo: a licitação é relacionada à observância dos princípios da isonomia, da economicidade, da eficiência, mas é, tão-somente, um processo de escolha do contratado. No mais, esse contrato não é administrativo, porque essas empresas, quando atuam em regime de competição com o setor privado, não podem fazer uso de cláusulas exorbitantes não extensíveis às demais empresas privadas com as quais elas competem. Não cabe transformar um processo de escolha em um processo de atribuição de prerrogativas à estatal.

É claro que todas as questões que estão sendo tratadas são polêmicas, uma vez que há inúmeros entendimentos em sentido contrário, como por exemplo, o que prevê que a Lei nº 8666/93 continua em vigor para as estatais até que venha o novo estatuto previsto no art. 173, § 1º; há, ainda, os que entendem que apenas as empresas públicas e as sociedades de economia mista que exploram atividades econômicas é que estão sujeitas a esse novo estatuto e as prestadoras de serviço público continuam sujeitas à Lei nº 8666/93. Data venia, ao que parece, o art. 173, § 1º não fez essa distinção, que fazia sentido ao tempo dos monopólios e não mais no momento em que mesmo as prestadoras de serviços públicos estão sujeitas à competição, especialmente na realidade em que os serviços públicos comportam exploração econômica (por via das autorizações vinculadas, por exemplo).

Esse hibridismo subsiste, também, no tocante ao concurso público. Não há liberdade de admissão de pessoal pelas estatais, sejam prestadoras de serviço público, sejam exploradoras de atividade econômica. A esse respeito, já se chegou a aprovar um entendimento no sentido de que as estatais exploradoras de atividades econômicas não estavam sujeitas ao regime de concurso público. Isto foi posteriormente revisto, não sendo mais válida tal orientação. O fato de admitir pessoal selecionado em concurso público não significa dizer que exista alguma proteção adicional ao servidor das estatais. Esse é, mais uma vez, apenas um processo de escolha com vistas ao atendimento do princípio da impessoalidade, da seleção pelo mérito, da isonomia, dentre outros. Mas eles são sujeitos ao regime trabalhista, que prevê a possibilidade de demissão sem justa causa. Mais uma vez, reconhece-se ser uma questão polêmica, tendo em vista que há entendimentos no sentido que às estatais, por estarem obrigadas ao concurso público, confere-se uma proteção adicional aos seus empregados; outros entendem que a Administração Pública, por estar sujeita ao princípio da motivação, não pode demitir seus servidores sem justa causa (o que é duvidoso, pois a Constituição Federal não teria estabelecido essa possibilidade de distinção).

Outra questão, também no plano do hibridismo, diz respeito à polêmica quanto à natureza dos bens das estatais. Embora o pensamento de Hely Lopes Meirelles e Odete Medauar seja no sentido de que se tratam de bens públicos sujeitos a uma administração especial, cabe acolher, data venia, o entendimento sustentado por Caio Tácito, que afirma que, no momento em que esses bens são transferidos pela Administração Pública Direta, passando à gestão da estatal, há uma alienação jurídica, que se consuma com a integralização que o Estado, como acionista, faz do capital que ele aporta para o surgimento da sociedade. Portanto eles passam a ser bens privados, não obstante continuarem protegidos por ação popular e à alienação mediante licitação.

Quanto à possibilidade de celebração de acordo de acionistas, ainda dentro da concepção do hibridismo, fruto dessa submissão da empresa ao regime jurídico de direito privado, mas sempre limitadas pelas normas de direito público que orientam as atividades dessas entidades, este pode ser celebrado, como ocorre com qualquer empresa privada, desde que não acarrete perda do “poder de controle” que o Estado tem sob a sociedade [2]. Além disso, é necessário que esse acordo também não estabeleça, como regra, a possibilidade de alienação de ações sem autorização legislativa ou sem submissão às normas gerais de licitação.

É importante que se faça sempre a distinção entre o que é “poder de controle” e “estratégia gerencial” da empresa. Esta última pode, perfeitamente, ser profissionalizada e, para isso, é possível fazer um pacto para obtenção de um parceiro estratégico, com vistas ao gerenciamento profissional da empresa ou para obtenção de tecnologia mais moderna, que é o que justifica o surgimento de uma sociedade de economia mista.

O estudo do direito público deve considerar que a sociedade de economia mista é fruto de uma decisão política na qual o Estado reconhece que ele sozinho não pode atender ao interesse público; daí a busca do parceiro privado. Este, tradicionalmente, no Brasil, era um financiador ou um mero especulador. A moderna concepção de organização das atividades das estatais exige eficiência; a noção teleológica do serviço público lato sensu não está mais preocupada em saber se é o Estado quem diretamente atende ao interesse público, pois o que se quer é que o serviço público seja bem prestado por alguém. Isso pode exigir uma parceria entre o setor público e o setor privado e a sociedade de economia mista é o reconhecimento constitucional dessa possibilidade de parceria.

Há que se ter cuidado com a noção do que seja o “poder de controle” e que, também, tal noção não significa dizer que a manifestação dos demais acionistas admite aniquilada por esse “poder de controle” que o Estado tem, já que se está falando de uma parceria.

No que concerne à previsão do art. 109, § 3º, da Lei da S.A., que autoriza que os estatutos das sociedades anônimas tragam disposição admitindo a cláusula arbitral, não haveria impedimento de tal previsão por uma sociedade de economia mista. A arbitragem tem sido vista até hoje no Brasil como um instrumento de fuga ao Poder Judiciário, quando, na verdade, é instrumento de prevenção de litígios pela solução do conflito por via extrajudicial.

O Procurador do Estado Flávio de Araújo Willeman afirma que tanto as empresas públicas quanto as sociedades de economia mista existem para o desempenho de atividades econômicas, conceito que abriga um sentido estrito e um sentido amplo, incluindo o “serviço público”. O art. 173, § 2º da C.F. veda a extensão de qualquer benefício fiscal ou tributário a qualquer empresa pública ou sociedade de economia mista, se eles não forem extensíveis também às pessoas jurídicas de direito privado. Sabido que alguns autores entendem que esse dispositivo não se aplica às estatais que desempenham atividade econômica em sentido amplo, indaga o ilustre Procurador se procede a divergência e se é admissível a concessão de benefícios fiscais às empresas estatais que prestem serviço público.

Em resposta, pode se dizer que a razão da existência dessa limitação constitucional é calcada no princípio da isonomia. Portanto, fazia sentido admitir favores fiscais quando havia a exploração de serviços públicos por empresas estatais em regime de monopólio. A partir da explicitação do princípio da eficiência e da idéia de competitividade nos serviços públicos, entre as empresas estatais e as empresas privadas, trata-se de um benefício qualificável como discriminação odiosa e, portanto, inconstitucional.

Outra observação feita pelo Procurador Flávio Willeman diz respeito à responsabilidade subsidiaria do Estado pelos atos emanados das pessoas jurídicas de direito privado que compõem os quadros da administração indireta e, conseqüentemente, a responsabilidade subsidiária do Estado. O art. 242 da Lei de S.A. previa a possibilidade de penhora de bens que compunham o patrimônio da sociedade de economia mista, mas as excluía da falência. Ressalvava o dispositivo legal a possibilidade de o Estado responder subsidiariamente quando a estatal não conseguisse saldar o seu débito. Hoje não mais existe esse dispositivo na Lei de S.A. O art. 173 §1º, I, da C.F., diz que essas empresas se equiparam às empresas privadas, sobretudo, no que tange às obrigações civis.

Cabe registrar que na Procuradoria-Geral do Estado, havia o entendimento do Professor e Procurador do Estado Dr. José Edwaldo Tavares Borba, no sentido de que essa responsabilidade subsidiária do Estado só apareceria após o processo de liquidação da empresa e quantificado o valor dessa responsabilização. O Estado responde pelo sistema de precatório e se submete a toda uma disciplina orçamentária e, portanto, a atribuição de responsabilidade subsidiária ilíquida e ilimitada seria inconstitucional, porque violaria o sistema orçamentário. Como a existência e a continuidade da existência da empresa continuam submetidas ao direito público e a uma decisão de natureza política, é preciso se concluir o processo de liquidação para, então, surgir a responsabilidade subsidiária do Estado. Do contrário o Estado continua com uma decisão de natureza política de ir aportando recursos que façam a empresa sobreviver.

Por fim, a questão da continuidade da existência de uma empresa pública ou de uma sociedade de economia mista, que pode ser afetada por uma decisão do acionista controlador em alienar o controle.

O STF já decidiu, contra o voto do Ministro Marco Aurélio, na linha dos Ministros Ilmar Galvão e Carlos Veloso, que há necessidade de lei toda vez que a alienação das ações representar transferência do controle. Se não há transferência de controle, essa venda poderá ser feita sem necessidade de autorização legislativa e sem necessidade de licitação, de acordo com o art. 17, II, da Lei nº 8666/93. Mas quando há a transferência do controle em decorrência da alienação, o STF reconhece a necessidade de uma lei autorizativa. A grande discussão que ocorreu nos processos de privatização era se essa lei deveria ser específica para cada empresa, ou se bastava uma lei genérica, autorizando a alienação do controle. Esta última orientação tem prevalecido até agora.

No tocante à extinção da empresa, seja por decisão do Poder Público controlador, seja por uma decisão judicial, parece que não se altera a orientação jurisprudencial acima citada.

Se há necessidade de uma lei para a criação da empresa é porque essa lei reconhece a presença de um relevante interesse coletivo ou de um imperativo de segurança nacional. Logo, somente outra lei pode afastar ou autorizar o afastamento desses dois conceitos, o que significa dizer que nem o acionista controlador (Estado) pode, pelo seu representante na companhia, decidir alienar o controle, nem o Judiciário, com o afastamento dessa necessidade de manifestação política, da conjunção de vontades entre o Executivo e o Legislativo, pode afastar a incidência dos conceitos mencionados, que foram reconhecidos em lei.

Com a mudança da Lei da S.A., revogou-se o art. 242 da Lei nº 6404/76, o qual previa que os bens das sociedades de economia mista eram penhoráveis, mas elas não estavam sujeitas à falência.

Isso levou uma boa parte de doutrinadores, que sempre mantiveram a linha da inconstitucionalidade do mencionado artigo, como o Professor e Procurador do Estado José Edwaldo Tavares Borba e o Professor Fábio Konder Comparato (que trata do princípio da isonomia nas relações comerciais). Segundo eles, as estatais estariam sujeitas à falência e, sendo assim, a revogação do art. 242 da Lei da S.A. teria vindo na esteira desses entendimentos.

Cabe chamar atenção para o fato de que esse dispositivo também falava que os bens das empresas de economia mista eram penhoráveis e havia uma grande parte da doutrina, como já mencionado, (Hely Lopes Meirelles e Odete Medauar), que entendiam que esses bens eram públicos. Por isso, num outro juízo extremo, haveria uma inconstitucionalidade desse artigo, que previa penhora de bens tido como públicos. Teria sido acolhida essa doutrina, com a revogação do art. 242 da Lei da S.A.? Nesse ponto, é importante ressaltar que o STF já considerou constitucional artigo da lei que autorizou a criação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, prevendo o sistema de precatórios para a execução contra tal entidade, dada a impenhorabilidade de seus bens.

Mantenho-me filiado à tese anterior, publicista, frisando-se que a falência é um instituto de direito processual, por meio do qual o Estado-jurisdição se substitui ao devedor omisso para arrecadar o patrimônio da empresa, inventariar, avaliar e transformar esse patrimônio em pecúnia de modo a atender o interesse privado dos credores. Não me parece que o estudo do direito público autorize essa inversão de valores para que o “relevante interesse coletivo” e o “imperativo de segurança nacional” sejam colocados de lado privilegiando interesses financeiros privados, que podem ser atendidos pela subvenção econômica. O Estado não nasce para produzir lucros e sim para prestar serviços e pode se valer da forma empresarial para tanto, havendo, pois, necessidade de uma decisão de natureza política, materializada em lei, no sentido de qual será o melhor destino para se dar tratamento às situações de insolvência das empresas estatais. Isso pode se resolver sem a necessidade de um processo falimentar, como sempre se fez, se aportando recursos via subvenção econômica nos orçamentos, mas preservando a existência da empresa.

Portanto conclui-se que o fato de o art. 242 da Lei da S.A. ter sido revogado pela Lei nº 10.303/2001 não operou nenhuma mudança no entendimento anterior, segundo o qual, nem a sociedade de economia mista nem a empresa pública estão sujeitas à falência.

Tenho absoluta certeza da polêmica quanto a esse assunto, mas estou absolutamente convencido de que ainda remanesce a noção de que o interesse geral prevalece nesse conflito.

Quando deixa de haver “relevante interesse coletivo” ou “imperativo de segurança nacional”, tal situação deve ser reconhecida e a privatização é um dever que decorre do princípio da livre iniciativa – CF, art. 2º, IV – que acarreta para o Estado o dever de abstenção. A existência da entidade passa a ser inconstitucional e, portanto, existe a possibilidade de ir a juízo reclamar a declaração de tal fato, ou até mesmo, o concorrente direto dessa empresa tem o seu direito líquido e certo à observância do princípio da livre iniciativa.

Vale lembrar que a privatização também tem outros objetivos, como o de reorganizar a intervenção do Estado na economia, o estímulo ao mercado de capitais, a renegociação da dívida pública.

Reitera-se, pois, que a existência (e a continuidade da existência) das estatais está sujeita ao direito público e o funcionamento a um regime híbrido, não se afastando, por conta do art. 173, § 1º, CF, e da Lei nº 10.303/2001, as normas de direito público.

* Palestra proferida no Seminário “Novo direito societário – o Código Civil de 2002 e a reforma da Lei de Sociedades anônimas”, que teve como debatedor o Procurador do Estado Flávio Araújo Willeman; transcrição por Lívia Chelles.
** Doutor em Direito Econômico pela Universidade Gama Filho; Procurador do Estado do Rio de Janeiro; Professor do Mestrado em Direito da Universidade Cândido Mendes.
[1] Em palestra sobre “As Fundações Públicas e o Novo Código Civil”, tive a oportunidade de mencionar que o meu ponto de vista é no sentido de que quando o artigo mencionado dispõe que “neste último caso a lei disporá sobre as áreas de atuação das entidades”, não está se referindo apenas às Fundações, mas sim ao segundo e último caso previsto no dispositivo, que é o de que a lei autoriza a criação de empresas públicas e sociedades de economia mista. No primeiro caso, a lei cria a autarquia.
[2] Essa é uma discussão que se teve, recentemente, no caso CEMIG, em Minas Gerais, cuja douta Procuradoria Geral editou um número especial de sua Revista de Direito dedicado ao tema.

Suspensão da Execução Fiscal na Recuperação Judicial

Conflito de competência. Recuperação judicial. Execução fiscal.
Processado o pedido de recuperação judicial, suspendem-se automaticamente os atos de alienação na execução fiscal, até que o devedor possa aproveitar o benefício previsto na ressalva constante da parte final do § 7º do art. 6º da Lei nº 11.101, de 2005 (ôressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica»). Agravo regimental provido em parte.
AgRg no Confl. de Comp. 81.922 - RJ (2007/0065648-0) - Rel.: Min. Ari Pargendler - Agrte.: VEPLAN Hotéis e Turismo S/A - Em Recuperação Judicial - Adv.: Alfredo Bumachar e outro(s) - Autor: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS - Proc.: Manuel Pereira da Costa Neto e outro(s) - Autor: Caixa Econômica Federal - CEF - Adv.: Sara Pinheiro da Silva - Suscte.: VEPLAN Hotéis e Turismo S/A - Em Recuperação Judicial - Adv.: Alfredo Bumachar - Suscdo.: Juízo Federal da 3ª Vara de Execuções Fiscais da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro - Suscdo.: Juízo Federal da 15ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro - Suscdo.: Juízo de Direito da 6ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro - RJ - J. em 09/05/2007 - DJ 04/06/2007 - 2ª Seção - STJ.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, dar parcial provimento ao Agravo Regimental para sustar os atos de alienação, deferindo a liminar, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Vencido o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Castro Filho, Massami Uyeda e Humberto Gomes de Barros votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros César Asfor Rocha e Hélio Quaglia Barbosa.
Brasília, 09 de maio de 2007 (data do julgamento).
MIN. ARI PARGENDLER, Relator
RELATÓRIO
EXMO. SR. MIN. ARI PARGENDLER (Relator):
Nos autos de ação de recuperação judicial ajuizada por Veplan Hotéis e Turismo S/A, o MM. Juiz de Direito da 6ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, sucessivamente, suspendeu todas as ações judiciais propostas contra a devedora (fl. 32/36), e revogou a decisão por não reconhecer a viabilidade econômico-financeira do pedido (fl. 37/63).
O tribunal «a quo», todavia, no âmbito de agravo de instrumento, determinou que a recuperação judicial fosse processada (fl. 65/ 68 e 70).
Sem embargo disso, o MM. Juiz Federal da 3ª Vara de Execuções Fiscais do Rio de Janeiro ordenou o prosseguimento da execução fiscal proposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social, onde está penhorado o principal ativo da devedora (fl. 101/106).
A petição inicial do conflito de competência noticia, ainda, a existência de uma execução hipotecária distribuída ao MM. Juiz Federal da 15ª Vara do Rio de Janeiro - todavia, com o processo suspenso pelo prazo de cento e oitenta dias (fl. 116).
O conflito foi suscitado pela Veplan Hotéis e Turismo S/A para declarar que só o MM. Juiz de Direito da 6ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro pode autorizar a alienação judicial de bens da devedora enquanto pendente o processo de recuperação judicial (fl. 02/15).
O Ministro Menezes Direito indeferiu a medida liminar, com base no art. 6º, «caput» e § 7º da Lei nº 11.101, de 2005, «in verbis»:
«Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.
...
§ 7º As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica».
Daí o presente agravo regimental (fl. 153/167).
VOTO
EXMO. SR. MIN. ARI PARGENDLER (Relator):
O nosso ordenamento jurídico prioriza a cobrança dos créditos tributários, na linha da Lei nº 5.172, de 1966, que instituiu o Código Tributário Nacional (art. 187 - «A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, inventário ou arrolamento»), e da Lei nº 6.830, de 1980, que dispôs sobre a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública (art. 29, «caput» - «A cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou a habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento»).
A implantação do instituto da recuperação judicial exigiu a alteração do Código Tributário Nacional, nos termos da Lei Complementar nº 118, de 2005, para nele incluir a recuperação judicial («A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento»).
O art. 6º da Lei nº 11.101, de 2005, dispôs no § 7º: «As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica».
Nessa linha, em termos de interpretação literal, a decisão do Ministro Menezes Direito está a salvo de censura.
A jurisprudência, todavia, sensível à importância social das empresas, temperou desde sempre o rigor da lei nesse particular.
O Tribunal Federal de Recursos só lhe dava aplicação se a penhora na execução fiscal antecedesse a declaração judicial da quebra, tal como se depreende do enunciado da Súmula nº 44 («Ajuizada a execução fiscal anteriormente à falência, com penhora realizada antes desta, não ficam os bens penhorados sujeitos à arrecadação no juízo falimentar; proposta a execução fiscal contra a massa falida, a penhora far-se-á no rosto dos autos do processo da quebra, citando-se o síndico»).
A jurisprudência posterior do Superior Tribunal de Justiça relaxou os dizeres desse enunciado para declarar que, ainda quando a praça ou o leilão fossem realizados pelo juízo da execução fiscal, o respectivo montante deveria ser destinado ao juízo da falência (REsp nº 188.148, RS, Relator o Min. Humberto Gomes de Barros).
Quid, em face do que dispõe o atual art. 6º, § 7º, da Lei nº 11.101, de 2005 ?
Salvo melhor entendimento, processado o pedido de recuperação judicial, suspendem-se automaticamente os atos de alienação na execução fiscal, e só estes, dependendo o prosseguimento do processo de uma das seguintes circunstâncias: a inércia da devedora já como beneficiária do regime de recuperação judicial em requerer o parcelamento administrativo do débito fiscal ou o indeferimento do respectivo pedido. (destaque acrescido)
O crédito de natureza hipotecária está sujeito à regra do art. 6º, § 4º, segundo o qual da Lei nº 11.101, de 2005, segundo o qual «na recuperação judicial, a suspensão de que trata o «caput» deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial». Na espécie, o deferimento do processamento da recuperação judicial data de 08 de março de 2007, quando o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro reformou a decisão de primeiro grau (fl. 70).
Voto, por isso, no sentido de dar parcial provimento ao agravo regimental, deferindo a medida liminar para sustar os atos de alienação de bens de Veplan Hotéis e Turismo S/A. até o julgamento do conflito de competência.
VOTO VENCIDO
O EXMO. SR. MIN. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO:
Senhor Presidente, este é um precedente importante.
Como disse o Senhor Ministro Ari Pargendler, há um dispositivo expresso de lei e o tempero da jurisprudência. Então, o que se vai fazer agora é definir, diante dessa lei nova, desse dispositivo novo, se se persiste no tempero da jurisprudência ou se se interpreta literalmente o que está no texto, como procurei fazer.
Ficarei com minha decisão originária.
Fico vencido, negando provimento ao agravo regimental, mas reconheço que essa orientação, temperada pela jurisprudência, merece toda a consideração.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA SEÇÃO
Reg.: 2007/0065648-0 - CC 81922/RJ - Nºs Orig.: 20060011239815 200600220207 8900022636 8900115766 9800580808 - JULGADO: 09/05/2007 - Rel.: Min. ARI PARGENDLER - Presidente da Sessão: Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR - Subprocurador-Geral da República: Dr. HENRIQUE FAGUNDES FILHO - Secretária: Bela. HELENA MARIA ANTUNES DE OLIVEIRA E SILVA
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Seção, por maioria, deu parcial provimento ao Agravo Regimental para sustar os atos de alienação, deferindo a liminar, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Vencido o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Castro Filho, Massami Uyeda e Humberto Gomes de Barros votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros César Asfor Rocha e Hélio Quaglia Barbosa.
Brasília, 09 de maio de 2007
HELENA MARIA ANTUNES DE OLIVEIRA E SILVA, Secretária

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