quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Atraso no pagamento do prêmio não importa rompimento automático do contrato de seguro

Compromisso de compra e venda. Rescisão contratual c/c reintegração de posse. Morte do segurado. Atraso no pagamento do prêmio do seguro. Notificação acerca da mora efetuada após o falecimento. Cobertura securitária reconhecida. Precedente do STJ.
«É pacífica a jurisprudência da Casa segundo a qual o «mero atraso no pagamento de prestação do prêmio de seguro não importa em desfazimento automático do contrato, para o que se exige, ao menos, a prévia constituição em mora do contratante pela seguradora, mediante interpelação» (REsp 316.552/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJU de 12.04.2004).» Com efeito, tendo em vista que a interpelação realizada pelo agente financeiro somente ocorreu após o falecimento do mutuário, o atraso no pagamento do prêmio não é óbice intransponível à cobertura securitária, uma vez que, partindo-se desse raciocínio, não havia mora constituída quando do sinistro (óbito). Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido, para, reconhecendo a quitação decorrente da cobertura securitária, julgar improcedentes os pedidos deduzidos na inicial da ação de rescisão contratual c/c reintegração de posse.» (STJ - Rec. Esp. 403.155 - SP - Rel.: Min. Luis Felipe Salomão - J. em 18/06/2009 - DJ 30/06/2009)

Natureza do boletim de ocorrência

Responsabilidade civil do Estado. Dano moral. Administrativo. Boletim de ocorrência. Prova. Legitimidade ativa da irmã. Morte de preso. Precedentes do STJ. CCB/2002, arts. 43 e 186. CF/88, arts. 5º, V e X e 37, § 6º.
«O boletim de ocorrência é um documento público que faz prova da existência das declarações ali prestadas, mas não se pode afirmar que tais declarações sejam verídicas. Portanto, o fato de a agente prisional ter informado no boletim de ocorrência o estado civil da vítima como «convivente» - o que, segundo o recorrente, revelaria a existência de união estável - não afasta, por si só, a legitimidade ativa da irmã da vítima para propor a ação indenizatória. Na ausência de ascendente, descente ou cônjuge, a irmã acha-se legitimada para pleitear indenização por danos morais em razão do falecimento de seu irmão.» (STJ - Rec. Esp. 1.054.443 - MT - Rel.: Min. Castro Meira - J. em 04/08/2009 - DJ 31/08/2009)

Bom exemplo judicial de abuso de direito

Tribunal de Justiça - RJ
Sendas indeniza cliente por se negar a fornecer gravação de circuito interno

Notícia publicada em 21/10/2009 16:41
A rede de supermercados Sendas foi condenada a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 4 mil a uma cliente que teve sua bolsa furtada no interior de um estabelecimento do grupo no momento em que tirava as compras do carrinho para passá-las no caixa. A decisão é da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio.
A autora da ação, Graciele Silva de Jesus, conta ainda que solicitou ao gerente da empresa ré que verificasse a gravação do circuito interno das câmeras de segurança, o que lhe foi negado, sob a alegação de que tais gravações se prestavam unicamente à defesa patrimonial da empresa e não para monitoramento dos pertences dos clientes.
Para o desembargador Celso Luiz de Matos Peres, designado para a redação do acórdão, "restou caracterizado o abuso de direito do estabelecimento apelante, que se negou a fornecer à consumidora as cópias das gravações de seu circuito interno, as quais poderiam ser capazes de identificar a autoria do crime, configurando-se verdadeiro meio de prova que, interessa como bem salientado no decisum alvejado, ao lesado, à sociedade e à justiça". Processo nº: 2009.001. 15624

Cessão fidiciária na recuperação

Valor Econômico – Legislação & Tributos - 02, 03 e 04.09 – E2
Decisões judiciais na recuperação de empresas
Fábio Pascual Zuanon
02/10/2009


A atual crise econômica fez crescer não apenas o número de empresas que se socorrem da recuperação judicial, mas também o porte médio dessas empresas, considerado o patrimônio, faturamento e endividamento.
Por conta das características dessa crise, as empresas exportadoras de commodities são as que até este momento parecem ter enfrentado as maiores dificuldades, devido ao elevado endividamento em moeda estrangeira, forte oscilação de preços e escassez de crédito para o financiamento de capital giro. Para algumas dessas empresas, a recuperação judicial passou a ser a única alternativa de sobrevivência à crise.
No entanto, o que parece não estar claro para a maioria das empresas em recuperação, seus administradores, e por que não dizer, seus assessores, é o fato de que, superada a crise momentânea, as bases para a manutenção de suas atividades, no longo prazo e em condições normais, continuarão, como não poderia deixar de ser, exatamente as mesmas: mercado e crédito.
O mercado, em regra (e de preferência), não está sujeito à influência de uma empresa, de seus credores ou de outros atores envolvidos com a recuperação judicial. Mas o crédito, este sim, está diretamente sujeito a essas influências, pois como todos sabem, tem sua disponibilidade e custo intimamente relacionados ao fator risco.
Ocorre que a recuperação judicial, instituto jurídico cujo mérito propalado quando de sua criação foi justamente a redução dos spreads bancários, por conferir maior segurança jurídica aos credores, incoerentemente tem revelado algumas incertezas de graves consequências. Isso porque as garantias aos financiamentos concedidos - instrumentos de redução de riscos e por consequência dos juros - estão sob ameaça na recuperação judicial. E o pior, por absoluta negativa de vigência a dispositivos legais expressos.
Infelizmente, não têm sido raras as decisões de primeira instância no sentido de autorizar a alienação de bens dados em garantia, sob a justificativa de necessidade de recomposição de capital de giro para a manutenção da atividade empresarial, ignorando, assim, a prerrogativa legal expressamente conferida no parágrafo primeiro do artigo 50 da Lei de Recuperação e Falência, cujo teor determina que apenas o credor pode autorizar a alienação, supressão ou substituição de suas garantias.
Sem atacar a nobreza dos fins, fato é que a dificuldade financeira jamais serviu de justificativa ou razão para a transgressão de direitos ou para a prática de atos ilícitos, pois, diferentemente, estaria instaurado o caos social - a segurança jurídica é reconhecidamente um dos pilares do estado democrático de direito.
Se o estado democrático de direito parece um tema interessante apenas aos jurisconsultos de plantão, fato é que a segurança jurídica de cada país é fator determinante e fundamental para que os investidores determinem seus mercados e os juros que serão cobrados em cada um deles.
Como se não bastasse, contrariando inclusive os interesses das próprias empresas em recuperação, agora há um movimento no sentido de se estender a proteção legalmente prevista apenas às empresas em dificuldade aos seus avalistas, coobrigados e fiadores - em regra os próprios controladores da empresa em recuperação. Vale ressaltar que o artigo 49 da Lei de Recuperação e Falência é expresso no sentido de que durante a recuperação judicial os credores conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso (artigo 49 da Lei de Recuperação e Falência).
Especialmente no caso de aval prestado pelos controladores das empresas, que na prática tem sido o exemplo mais recorrente, a extensão da proteção aos avalistas fere o princípio da autonomia e da independência da garantia, já consagrado pela Lei Uniforme de Genebra.
Neste caso, além da insegurança jurídica lançada sobre as garantias fidejussórias concedidas para os empréstimos, há o agravante do desvio da finalidade da recuperação judicial - que passará a servir não mais para a preservação da atividade da empresa, mas para a preservação do patrimônio de seus controladores, em flagrante e inaceitável desvirtuamento ao artigo 47 da Lei de Recuperação e Falência. Esta pretensão, inclusive, contraria um dos princípios fundamentais da Lei de Recuperação e Falência, qual seja, o da necessária separação entre empresa e empresário, e revela, no mínimo, um claro sintoma de confusão de interesses.
Ou seja, a ampliação dos efeitos da recuperação judicial para os coobrigados de todo gênero não traz nenhum benefício para as empresas em recuperação ou para a sociedade em geral, e esse movimento serve, portanto, para o benefício particular dos controladores, em prejuízo exclusivo dos credores - e por que não dizer do próprio sistema financeiro - o que não pode ser aceito pelo Poder Judiciário.
Felizmente, como se pode depreender de diversos precedentes dos Tribunais paulista (recursos 7.361.654-3, 7.377.961-0 e 7.342.554-6, dentre outros), gaúcho (recursos 70030304455, 70028119014, dentre outros) e mineiro (recurso 1.0024.06.074557-7/001), os tribunais brasileiros vêm mantendo um posicionamento coerente com o texto legal, protegendo as garantias reais prestadas aos créditos sujeitos aos efeitos da recuperação judicial e permitindo a manutenção das ações contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso da empresa em recuperação judicial -- muito embora existam ainda exemplos contrários.
Em apertada conclusão, tanto a transgressão dos direitos dos credores detentores de direitos reais quanto a violação das garantias fidejussórias (pessoais) com vistas à proteção patrimonial dos controladores, além de ilegais, são medidas imediatistas que podem culminar em retração (ainda maior) do crédito e aumento das taxas de juros, o que impacta negativamente não apenas na atividade de uma empresa, mas a economia nacional em sentido amplo.
Fábio Pascual Zuanon é advogado sócio do escritório Ramos e Zuanon Advogados

Valor Econômico – Legislação & Tributos – 21.10.09 –E3
Opinião Jurídica:
Os recebíveis na recuperação judicial

Carla de Vasconcellos Crippa e Caio Campello
Muito se tem discutido sobre o tratamento que deve ser dado ao crédito garantido por cessão fiduciária de recebíveis quando o devedor se encontra em processo de recuperação judicial. A Lei de Falências e Recuperação de Empresas prevê que todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial estarão a ela submetidos. Foi feita uma exceção, porém, a determinados créditos que, por sua natureza, não devem se submeter à recuperação judicial. É o caso, por exemplo, dos créditos garantidos por propriedade fiduciária de bens móveis e imóveis, cujos credores podem exercer o direito de propriedade sobre o respectivo bem ainda que o devedor esteja em recuperação judicial. Os tribunais têm divergido quanto ao tratamento do tema.
Este texto busca apresentar os argumentos que têm sido utilizados pela jurisprudência para dar subsídio à inclusão ou exclusão do crédito garantido por cessão fiduciária de recebíveis da recuperação judicial (ou seja, se tal crédito teria o mesmo tratamento conferido ao crédito garantido por propriedade fiduciária), bem como identificar qual posicionamento tem atualmente prevalecido nos principais tribunais do país.
O principal argumento daqueles que defendem a inclusão do crédito garantido por cessão fiduciária de recebíveis - as chamadas "travas bancárias" - na recuperação judicial é que coisas incorpóreas, tais como direitos creditórios, não teriam sido expressamente excepcionadas pela Lei de Recuperação Judicial. Sustentam seu argumento no fato de o artigo 49, parágrafo 3º, da lei, excepcionar expressamente a propriedade fiduciária de bens móveis e imóveis, mas nada dispor sobre a cessão fiduciária de bens incorpóreos como os recebíveis. Segundo essa corrente pró-devedor, caso o legislador pretendesse prever a cessão fiduciária de recebíveis no rol de exceções do artigo 49, parágrafo 3º, deveria tê-lo feito expressamente.
A jurisprudência pró-devedor sustenta ainda que a não submissão do cessionário fiduciário de recebíveis à recuperação judicial contrariaria princípios basilares da nova legislação, quais sejam os da preservação e função social da empresa. Segundo essa corrente, o exercício dos direitos conferidos pela cessão fiduciária de recebíveis pelo credor impossibilitaria a entrada de dinheiro na empresa, já que seria diretamente destinado ao banco cessionário. Os tribunais de Justiça do Espírito Santo e de Minas Gerais são exemplos dos que já adotaram esse posicionamento pró-devedor, determinando a inclusão dos créditos garantidos por cessão fiduciária de recebíveis na recuperação judicial. Também há decisões da Justiça de primeira instância do Mato Grosso nesse mesmo sentido.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro utilizou recentemente outro argumento para também incluir os cessionários de recebíveis na recuperação judicial. Segundo o referido tribunal, a lei não permitiria cessão fiduciária de dinheiro, mas tão-somente de bem que possa ser vendido para pagamento ao credor. Dessa forma, descaracterizou a natureza jurídica da cessão fiduciária de recebíveis e a classificou como penhor, que, de acordo com aquele tribunal, seria o instituto que mais se aproximaria da real intenção das partes.
Outros tribunais adotam postura inversa, entendendo que os créditos garantidos por cessão fiduciária de recebíveis não devem se sujeitar aos efeitos da recuperação judicial exatamente por a Lei de Recuperação Judicial excluir os créditos garantidos por propriedade fiduciária de uma forma geral, não fazendo qualquer ressalva à cessão fiduciária de recebíveis. Tais tribunais entendem que, por ser a cessão fiduciária de recebíveis uma espécie pertencente ao gênero propriedade fiduciária, também estaria automaticamente excluída no artigo 49, parágrafo 3º, da referida lei. Esse entendimento já foi consolidado em São Paulo e no Paraná e começou mais recentemente a ser adotado pelo tribunal do Mato Grosso.
Para afastar o argumento de que os direitos creditórios em relação aos recebíveis não poderiam ser caracterizados como móveis ou imóveis, a jurisprudência pró-credor cita o artigo 83, incisos II e III, do Código Civil, que classifica os direitos como bens móveis.
O tribunal do Rio de Janeiro ainda não consolidou seu entendimento quanto ao tema. Apesar de existir decisão pró-devedor, o tribunal proferiu recente decisão pró-credor reconhecendo que o crédito garantido por cessão fiduciária de recebíveis não entra na recuperação judicial. O tribunal entendeu que, por mais que a exclusão desse crédito possa comprometer o capital de giro da empresa, não se deve desmerecer a proteção conferida pela LFRE à garantia fiduciária. Entendeu também que, especialmente em momentos de crise econômica como o atual, deve ser fomentada a utilização de mecanismos de crédito confiáveis, que atendam às exigências do mercado.
De uma forma geral, a atual jurisprudência pró-credor tem entendido que recebíveis são bens como qualquer outro e a eles se aplica a disciplina jurídica das coisas móveis. Dessa forma, tanto a propriedade fiduciária em garantia de coisas corpóreas quanto a cessão fiduciária de coisas incorpóreas teriam a mesma natureza jurídica, estando ambas imunes aos efeitos da recuperação judicial.
Outro argumento pró-credor é o parecer nº 534, de 2004, da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, segundo o qual a sujeição dessa garantia à recuperação judicial prejudicaria a expansão do crédito e a redução dos seus custos no Brasil, uma vez que os bancos só concedem créditos nessas condições partindo do pressuposto de que estão protegidos pela legislação. Em outras palavras, o legislador reconhece que a sujeição desses créditos aos efeitos da recuperação judicial acabaria, na prática, tornando sua concessão pelos bancos muito onerosa ou, até mesmo, inviável.
A questão deverá ser analisada pelo Superior Tribunal de Justiça em breve, mas a impressão que fica é de que ainda está longe de ser pacificada. São absolutamente assimétricas, como se vê , as decisões de alguns dos principais tribunais do país. De um lado Minas e Espírito Santo se postam ao lado de devedores. Paraná e São Paulo, por sua vez, acatam os argumentos dos credores. Até que tais divergências sejam completamente dirimidas, é recomendável que as instituições financeiras tomem cuidados adicionais ao conceder financiamentos garantidos por cessão fiduciária de recebíveis, sempre verificando o posicionamento do tribunal que seria competente para julgar um eventual pedido de recuperação judicial do devedor.
Carla de Vasconcellos Crippa e Caio Campello de Menezes são, respectivamente, associada e responsável pela área do contencioso e arbitragem do Lefosse Advogados, escritório que atua no Brasil em cooperação com a banca internacional Linklaters


Jornal Valor Econômico –Legislação & Tributos – 08.10.09 – E2
Exclusão do credor fiduciário da recuperação

Luiz Augusto de Souza Queiroz Ferraz
08/10/2009

Este é e será um tema sujeito a debates de toda ordem, quer por aqueles que defendem sem qualquer reparo ou freio o disposto no conhecido parágrafo 3º do artigo 49 da Lei de Recuperação Judicial (Lei nº 11.101, de 2005), quanto por aqueles mais preocupados com a recuperação da empresa e, portanto, defendendo os princípios do artigo 47, tendo em mente o "objetivo de viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor" e, portanto, "latu senso" da empresa e tudo que ela representa como "função social" e de "estímulo à atividade econômica".

Até o presente momento, a jurisprudência conhecida, de forma geral tem dado amparo integral ao mencionado inciso legal - "tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis" .... "seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial" -, sempre reconhecendo independentemente da natureza dos bens alienados fiduciariamente, quer presentes ou futuros, como intangíveis e, portanto, não mais fazendo parte do ativo da empresa em recuperação, pois são do "credor titular da posição de proprietário fiduciário", para se usar da expressão da lei.

Esta discussão tem reflexos práticos hodiernamente, principalmente no setor sucroalcooleiro, que atingido pela chamada "crise mundial", tem se socorrido com frequência da recuperação judicial, mesmo tendo contra si os percalços de serem dela excluídos os créditos dos credores fiduciários, pois sob esse manto firmaram inúmeros e inumeráveis contratos de mútuo com os estabelecimentos bancários, tendo como garantia da alienação fiduciária até mesmo da cana plantada, isto mesmo, da cana plantada, e na sequência do seu produto após a necessária transformação, ou seja, açúcar ou etanol, dos quais não poderá dispor, para reforçar seu capital de giro, mesmo em regime de recuperação judicial pois, por antecipação, estão alienados aos bancos credores e sob intensa fiscalização.

As consequências nefastas desta situação constrangedora, são por demais óbvias que dispensam qualquer comentário. Mas então o que fazer para não soçobrar a empresa em recuperação, principalmente porque os credores fiduciários, em situação de absoluto privilégio, não se comovem com a situação, exercendo os seus direitos, às custas relevar-se os princípios da recuperação judicial, estatuídos pelo referido artigo 47 - sempre citado, mas nos momentos importantes, simplesmente ignorados.

Entretanto, é ainda incomum a discussão travar-se considerando a natureza jurídica do contrato de alienação, muito debatido no passado, quando da criação do instituto da alienação fiduciária, onde desde então se distinguia que não seriam passíveis de alienação fiduciária os bens fungíveis e consumíveis, como por exemplo a cana e subsequentemente seus produtos açúcar e etanol, tornando sem efeito prático a alienação fiduciária.

Mas qual a razão desta distinção? Para facilitar o entendimento será mais fácil apoiar-se na jurisprudência já sedimentada sobre o tema, aqui resumida na decisão do então ministro Eduardo Ribeiro (cf. Agravo no Recurso Especial nº 243.519 - Mato Grosso do Sul) que aduz: "Ora, se são consumíveis, exatamente porque se destinam a serem usados pelo comerciante ou industrial, na atividade que lhe é especifica, é evidente incoerência supor-se que deva ele conservá-los para entregá-los ao credor, em caso de não pagamento do débito. Ter-se-ia singular situação de alguém fazer um empréstimo e, ao mesmo tempo, assumir a obrigação de manter em estoque mercadorias de valor equivalente, de que não poderia utilizar-se, posto que de sua utilização resulta o consumo. Em relação a tais bens, é ilógico admitir-se alienação fiduciária e não há lei que obrigue a tolerá-la, ao contrário do que sucede com os fungíveis" e a definição de bens consumíveis se encontra no artigo 86 do Código Civil, o que aqui se aplica.

Será que há algo mais atual do que esta sábia decisão? Sempre aplicável em situações semelhantes, na hipótese de recuperação judicial, reinterpretando-se o mencionado parágrafo 3º , do artigo 49 da Lei de Recuperação, quando o caso, de forma a preservar-se os princípios do artigo 47 e, portanto, a empresa.

Diga-se também que este tema - inadmissibilidade da alienação fiduciária de bens fungíveis e consumíveis - foi exaustivamente discutido no Superior Tribunal de Justiça, tanto que em decisão proferida nos embargos de divergência no recurso especial nº 19.515-8, já assim se decidiu, "apaziguando a jurisprudência revolta" sobre o tema, o que se pode ler de sua ementa.

Ressalte-se que na procura desta linha de raciocínio, mas já sob a ótica da Lei nº 11.101, de 2005, portanto, aplicada a hipótese concreta, o Tribunal de Justiça de Pernambuco, pelo ilustre relator do agravo de instrumento 192.551-9, desembargador Eduardo Augusto Paurá Peres, com rara felicidade em douta decisão monocrática houve por bem liberar os "estoques de açúcar arrestados pelo juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Santo Agostinho, nos autos do processo nº 210.2009.00.1934-9, com sua venda e depósito do respectivo " quantum " em conta corrente à disposição do juízo da recuperação, com liberação de acordo com a necessidade orientada pelo administrador, objetivando viabilizar a recuperação, de valor e fim social bem mais elevado. Deverá contudo, enquanto não decidida a questão quanto a natureza do contrato de alienação fiduciária pelo juiz da recuperação, substituir-se a garantia do crédito, em prazo razoável de 10 dias", baseando-se no conceito de que é inadmissível a constituição de alienação fiduciária sobre bens fungíveis e consumíveis. Sem dúvida sábia e prudente decisão.

Este é o tema, que todos os interessados no assunto, certamente estarão atentos ao seu desfecho, mas que, em nossa opinião, certamente decidirá pela nulidade da alienação fiduciária, pois mal constituída sobre bens fungíveis, mas consumíveis pela sua própria natureza, interpretando-se de forma correta o artigo 47 da Lei de Recuperação.

Luiz Augusto de Souza Queiroz Ferraz é advogado em São Paulo

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Cessão fidiciária na recuperação

Valor Econômico – Legislação & Tributos - 02, 03 e 04.09 – E2
Decisões judiciais na recuperação de empresas
Fábio Pascual Zuanon
02/10/2009


A atual crise econômica fez crescer não apenas o número de empresas que se socorrem da recuperação judicial, mas também o porte médio dessas empresas, considerado o patrimônio, faturamento e endividamento.
Por conta das características dessa crise, as empresas exportadoras de commodities são as que até este momento parecem ter enfrentado as maiores dificuldades, devido ao elevado endividamento em moeda estrangeira, forte oscilação de preços e escassez de crédito para o financiamento de capital giro. Para algumas dessas empresas, a recuperação judicial passou a ser a única alternativa de sobrevivência à crise.
No entanto, o que parece não estar claro para a maioria das empresas em recuperação, seus administradores, e por que não dizer, seus assessores, é o fato de que, superada a crise momentânea, as bases para a manutenção de suas atividades, no longo prazo e em condições normais, continuarão, como não poderia deixar de ser, exatamente as mesmas: mercado e crédito.
O mercado, em regra (e de preferência), não está sujeito à influência de uma empresa, de seus credores ou de outros atores envolvidos com a recuperação judicial. Mas o crédito, este sim, está diretamente sujeito a essas influências, pois como todos sabem, tem sua disponibilidade e custo intimamente relacionados ao fator risco.
Ocorre que a recuperação judicial, instituto jurídico cujo mérito propalado quando de sua criação foi justamente a redução dos spreads bancários, por conferir maior segurança jurídica aos credores, incoerentemente tem revelado algumas incertezas de graves consequências. Isso porque as garantias aos financiamentos concedidos - instrumentos de redução de riscos e por consequência dos juros - estão sob ameaça na recuperação judicial. E o pior, por absoluta negativa de vigência a dispositivos legais expressos.
Infelizmente, não têm sido raras as decisões de primeira instância no sentido de autorizar a alienação de bens dados em garantia, sob a justificativa de necessidade de recomposição de capital de giro para a manutenção da atividade empresarial, ignorando, assim, a prerrogativa legal expressamente conferida no parágrafo primeiro do artigo 50 da Lei de Recuperação e Falência, cujo teor determina que apenas o credor pode autorizar a alienação, supressão ou substituição de suas garantias.
Sem atacar a nobreza dos fins, fato é que a dificuldade financeira jamais serviu de justificativa ou razão para a transgressão de direitos ou para a prática de atos ilícitos, pois, diferentemente, estaria instaurado o caos social - a segurança jurídica é reconhecidamente um dos pilares do estado democrático de direito.
Se o estado democrático de direito parece um tema interessante apenas aos jurisconsultos de plantão, fato é que a segurança jurídica de cada país é fator determinante e fundamental para que os investidores determinem seus mercados e os juros que serão cobrados em cada um deles.
Como se não bastasse, contrariando inclusive os interesses das próprias empresas em recuperação, agora há um movimento no sentido de se estender a proteção legalmente prevista apenas às empresas em dificuldade aos seus avalistas, coobrigados e fiadores - em regra os próprios controladores da empresa em recuperação. Vale ressaltar que o artigo 49 da Lei de Recuperação e Falência é expresso no sentido de que durante a recuperação judicial os credores conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso (artigo 49 da Lei de Recuperação e Falência).
Especialmente no caso de aval prestado pelos controladores das empresas, que na prática tem sido o exemplo mais recorrente, a extensão da proteção aos avalistas fere o princípio da autonomia e da independência da garantia, já consagrado pela Lei Uniforme de Genebra.
Neste caso, além da insegurança jurídica lançada sobre as garantias fidejussórias concedidas para os empréstimos, há o agravante do desvio da finalidade da recuperação judicial - que passará a servir não mais para a preservação da atividade da empresa, mas para a preservação do patrimônio de seus controladores, em flagrante e inaceitável desvirtuamento ao artigo 47 da Lei de Recuperação e Falência. Esta pretensão, inclusive, contraria um dos princípios fundamentais da Lei de Recuperação e Falência, qual seja, o da necessária separação entre empresa e empresário, e revela, no mínimo, um claro sintoma de confusão de interesses.
Ou seja, a ampliação dos efeitos da recuperação judicial para os coobrigados de todo gênero não traz nenhum benefício para as empresas em recuperação ou para a sociedade em geral, e esse movimento serve, portanto, para o benefício particular dos controladores, em prejuízo exclusivo dos credores - e por que não dizer do próprio sistema financeiro - o que não pode ser aceito pelo Poder Judiciário.
Felizmente, como se pode depreender de diversos precedentes dos Tribunais paulista (recursos 7.361.654-3, 7.377.961-0 e 7.342.554-6, dentre outros), gaúcho (recursos 70030304455, 70028119014, dentre outros) e mineiro (recurso 1.0024.06.074557-7/001), os tribunais brasileiros vêm mantendo um posicionamento coerente com o texto legal, protegendo as garantias reais prestadas aos créditos sujeitos aos efeitos da recuperação judicial e permitindo a manutenção das ações contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso da empresa em recuperação judicial -- muito embora existam ainda exemplos contrários.
Em apertada conclusão, tanto a transgressão dos direitos dos credores detentores de direitos reais quanto a violação das garantias fidejussórias (pessoais) com vistas à proteção patrimonial dos controladores, além de ilegais, são medidas imediatistas que podem culminar em retração (ainda maior) do crédito e aumento das taxas de juros, o que impacta negativamente não apenas na atividade de uma empresa, mas a economia nacional em sentido amplo.
Fábio Pascual Zuanon é advogado sócio do escritório Ramos e Zuanon Advogados

Valor Econômico – Legislação & Tributos – 21.10.09 –E3
Opinião Jurídica:
Os recebíveis na recuperação judicial

Carla de Vasconcellos Crippa e Caio Campello
Muito se tem discutido sobre o tratamento que deve ser dado ao crédito garantido por cessão fiduciária de recebíveis quando o devedor se encontra em processo de recuperação judicial. A Lei de Falências e Recuperação de Empresas prevê que todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial estarão a ela submetidos. Foi feita uma exceção, porém, a determinados créditos que, por sua natureza, não devem se submeter à recuperação judicial. É o caso, por exemplo, dos créditos garantidos por propriedade fiduciária de bens móveis e imóveis, cujos credores podem exercer o direito de propriedade sobre o respectivo bem ainda que o devedor esteja em recuperação judicial. Os tribunais têm divergido quanto ao tratamento do tema.
Este texto busca apresentar os argumentos que têm sido utilizados pela jurisprudência para dar subsídio à inclusão ou exclusão do crédito garantido por cessão fiduciária de recebíveis da recuperação judicial (ou seja, se tal crédito teria o mesmo tratamento conferido ao crédito garantido por propriedade fiduciária), bem como identificar qual posicionamento tem atualmente prevalecido nos principais tribunais do país.
O principal argumento daqueles que defendem a inclusão do crédito garantido por cessão fiduciária de recebíveis - as chamadas "travas bancárias" - na recuperação judicial é que coisas incorpóreas, tais como direitos creditórios, não teriam sido expressamente excepcionadas pela Lei de Recuperação Judicial. Sustentam seu argumento no fato de o artigo 49, parágrafo 3º, da lei, excepcionar expressamente a propriedade fiduciária de bens móveis e imóveis, mas nada dispor sobre a cessão fiduciária de bens incorpóreos como os recebíveis. Segundo essa corrente pró-devedor, caso o legislador pretendesse prever a cessão fiduciária de recebíveis no rol de exceções do artigo 49, parágrafo 3º, deveria tê-lo feito expressamente.
A jurisprudência pró-devedor sustenta ainda que a não submissão do cessionário fiduciário de recebíveis à recuperação judicial contrariaria princípios basilares da nova legislação, quais sejam os da preservação e função social da empresa. Segundo essa corrente, o exercício dos direitos conferidos pela cessão fiduciária de recebíveis pelo credor impossibilitaria a entrada de dinheiro na empresa, já que seria diretamente destinado ao banco cessionário. Os tribunais de Justiça do Espírito Santo e de Minas Gerais são exemplos dos que já adotaram esse posicionamento pró-devedor, determinando a inclusão dos créditos garantidos por cessão fiduciária de recebíveis na recuperação judicial. Também há decisões da Justiça de primeira instância do Mato Grosso nesse mesmo sentido.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro utilizou recentemente outro argumento para também incluir os cessionários de recebíveis na recuperação judicial. Segundo o referido tribunal, a lei não permitiria cessão fiduciária de dinheiro, mas tão-somente de bem que possa ser vendido para pagamento ao credor. Dessa forma, descaracterizou a natureza jurídica da cessão fiduciária de recebíveis e a classificou como penhor, que, de acordo com aquele tribunal, seria o instituto que mais se aproximaria da real intenção das partes.
Outros tribunais adotam postura inversa, entendendo que os créditos garantidos por cessão fiduciária de recebíveis não devem se sujeitar aos efeitos da recuperação judicial exatamente por a Lei de Recuperação Judicial excluir os créditos garantidos por propriedade fiduciária de uma forma geral, não fazendo qualquer ressalva à cessão fiduciária de recebíveis. Tais tribunais entendem que, por ser a cessão fiduciária de recebíveis uma espécie pertencente ao gênero propriedade fiduciária, também estaria automaticamente excluída no artigo 49, parágrafo 3º, da referida lei. Esse entendimento já foi consolidado em São Paulo e no Paraná e começou mais recentemente a ser adotado pelo tribunal do Mato Grosso.
Para afastar o argumento de que os direitos creditórios em relação aos recebíveis não poderiam ser caracterizados como móveis ou imóveis, a jurisprudência pró-credor cita o artigo 83, incisos II e III, do Código Civil, que classifica os direitos como bens móveis.
O tribunal do Rio de Janeiro ainda não consolidou seu entendimento quanto ao tema. Apesar de existir decisão pró-devedor, o tribunal proferiu recente decisão pró-credor reconhecendo que o crédito garantido por cessão fiduciária de recebíveis não entra na recuperação judicial. O tribunal entendeu que, por mais que a exclusão desse crédito possa comprometer o capital de giro da empresa, não se deve desmerecer a proteção conferida pela LFRE à garantia fiduciária. Entendeu também que, especialmente em momentos de crise econômica como o atual, deve ser fomentada a utilização de mecanismos de crédito confiáveis, que atendam às exigências do mercado.
De uma forma geral, a atual jurisprudência pró-credor tem entendido que recebíveis são bens como qualquer outro e a eles se aplica a disciplina jurídica das coisas móveis. Dessa forma, tanto a propriedade fiduciária em garantia de coisas corpóreas quanto a cessão fiduciária de coisas incorpóreas teriam a mesma natureza jurídica, estando ambas imunes aos efeitos da recuperação judicial.
Outro argumento pró-credor é o parecer nº 534, de 2004, da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, segundo o qual a sujeição dessa garantia à recuperação judicial prejudicaria a expansão do crédito e a redução dos seus custos no Brasil, uma vez que os bancos só concedem créditos nessas condições partindo do pressuposto de que estão protegidos pela legislação. Em outras palavras, o legislador reconhece que a sujeição desses créditos aos efeitos da recuperação judicial acabaria, na prática, tornando sua concessão pelos bancos muito onerosa ou, até mesmo, inviável.
A questão deverá ser analisada pelo Superior Tribunal de Justiça em breve, mas a impressão que fica é de que ainda está longe de ser pacificada. São absolutamente assimétricas, como se vê , as decisões de alguns dos principais tribunais do país. De um lado Minas e Espírito Santo se postam ao lado de devedores. Paraná e São Paulo, por sua vez, acatam os argumentos dos credores. Até que tais divergências sejam completamente dirimidas, é recomendável que as instituições financeiras tomem cuidados adicionais ao conceder financiamentos garantidos por cessão fiduciária de recebíveis, sempre verificando o posicionamento do tribunal que seria competente para julgar um eventual pedido de recuperação judicial do devedor.
Carla de Vasconcellos Crippa e Caio Campello de Menezes são, respectivamente, associada e responsável pela área do contencioso e arbitragem do Lefosse Advogados, escritório que atua no Brasil em cooperação com a banca internacional Linklaters


Jornal Valor Econômico –Legislação & Tributos – 08.10.09 – E2
Exclusão do credor fiduciário da recuperação

Luiz Augusto de Souza Queiroz Ferraz
08/10/2009

Este é e será um tema sujeito a debates de toda ordem, quer por aqueles que defendem sem qualquer reparo ou freio o disposto no conhecido parágrafo 3º do artigo 49 da Lei de Recuperação Judicial (Lei nº 11.101, de 2005), quanto por aqueles mais preocupados com a recuperação da empresa e, portanto, defendendo os princípios do artigo 47, tendo em mente o "objetivo de viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor" e, portanto, "latu senso" da empresa e tudo que ela representa como "função social" e de "estímulo à atividade econômica".

Até o presente momento, a jurisprudência conhecida, de forma geral tem dado amparo integral ao mencionado inciso legal - "tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis" .... "seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial" -, sempre reconhecendo independentemente da natureza dos bens alienados fiduciariamente, quer presentes ou futuros, como intangíveis e, portanto, não mais fazendo parte do ativo da empresa em recuperação, pois são do "credor titular da posição de proprietário fiduciário", para se usar da expressão da lei.

Esta discussão tem reflexos práticos hodiernamente, principalmente no setor sucroalcooleiro, que atingido pela chamada "crise mundial", tem se socorrido com frequência da recuperação judicial, mesmo tendo contra si os percalços de serem dela excluídos os créditos dos credores fiduciários, pois sob esse manto firmaram inúmeros e inumeráveis contratos de mútuo com os estabelecimentos bancários, tendo como garantia da alienação fiduciária até mesmo da cana plantada, isto mesmo, da cana plantada, e na sequência do seu produto após a necessária transformação, ou seja, açúcar ou etanol, dos quais não poderá dispor, para reforçar seu capital de giro, mesmo em regime de recuperação judicial pois, por antecipação, estão alienados aos bancos credores e sob intensa fiscalização.

As consequências nefastas desta situação constrangedora, são por demais óbvias que dispensam qualquer comentário. Mas então o que fazer para não soçobrar a empresa em recuperação, principalmente porque os credores fiduciários, em situação de absoluto privilégio, não se comovem com a situação, exercendo os seus direitos, às custas relevar-se os princípios da recuperação judicial, estatuídos pelo referido artigo 47 - sempre citado, mas nos momentos importantes, simplesmente ignorados.

Entretanto, é ainda incomum a discussão travar-se considerando a natureza jurídica do contrato de alienação, muito debatido no passado, quando da criação do instituto da alienação fiduciária, onde desde então se distinguia que não seriam passíveis de alienação fiduciária os bens fungíveis e consumíveis, como por exemplo a cana e subsequentemente seus produtos açúcar e etanol, tornando sem efeito prático a alienação fiduciária.

Mas qual a razão desta distinção? Para facilitar o entendimento será mais fácil apoiar-se na jurisprudência já sedimentada sobre o tema, aqui resumida na decisão do então ministro Eduardo Ribeiro (cf. Agravo no Recurso Especial nº 243.519 - Mato Grosso do Sul) que aduz: "Ora, se são consumíveis, exatamente porque se destinam a serem usados pelo comerciante ou industrial, na atividade que lhe é especifica, é evidente incoerência supor-se que deva ele conservá-los para entregá-los ao credor, em caso de não pagamento do débito. Ter-se-ia singular situação de alguém fazer um empréstimo e, ao mesmo tempo, assumir a obrigação de manter em estoque mercadorias de valor equivalente, de que não poderia utilizar-se, posto que de sua utilização resulta o consumo. Em relação a tais bens, é ilógico admitir-se alienação fiduciária e não há lei que obrigue a tolerá-la, ao contrário do que sucede com os fungíveis" e a definição de bens consumíveis se encontra no artigo 86 do Código Civil, o que aqui se aplica.

Será que há algo mais atual do que esta sábia decisão? Sempre aplicável em situações semelhantes, na hipótese de recuperação judicial, reinterpretando-se o mencionado parágrafo 3º , do artigo 49 da Lei de Recuperação, quando o caso, de forma a preservar-se os princípios do artigo 47 e, portanto, a empresa.

Diga-se também que este tema - inadmissibilidade da alienação fiduciária de bens fungíveis e consumíveis - foi exaustivamente discutido no Superior Tribunal de Justiça, tanto que em decisão proferida nos embargos de divergência no recurso especial nº 19.515-8, já assim se decidiu, "apaziguando a jurisprudência revolta" sobre o tema, o que se pode ler de sua ementa.

Ressalte-se que na procura desta linha de raciocínio, mas já sob a ótica da Lei nº 11.101, de 2005, portanto, aplicada a hipótese concreta, o Tribunal de Justiça de Pernambuco, pelo ilustre relator do agravo de instrumento 192.551-9, desembargador Eduardo Augusto Paurá Peres, com rara felicidade em douta decisão monocrática houve por bem liberar os "estoques de açúcar arrestados pelo juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Santo Agostinho, nos autos do processo nº 210.2009.00.1934-9, com sua venda e depósito do respectivo " quantum " em conta corrente à disposição do juízo da recuperação, com liberação de acordo com a necessidade orientada pelo administrador, objetivando viabilizar a recuperação, de valor e fim social bem mais elevado. Deverá contudo, enquanto não decidida a questão quanto a natureza do contrato de alienação fiduciária pelo juiz da recuperação, substituir-se a garantia do crédito, em prazo razoável de 10 dias", baseando-se no conceito de que é inadmissível a constituição de alienação fiduciária sobre bens fungíveis e consumíveis. Sem dúvida sábia e prudente decisão.

Este é o tema, que todos os interessados no assunto, certamente estarão atentos ao seu desfecho, mas que, em nossa opinião, certamente decidirá pela nulidade da alienação fiduciária, pois mal constituída sobre bens fungíveis, mas consumíveis pela sua própria natureza, interpretando-se de forma correta o artigo 47 da Lei de Recuperação.

Luiz Augusto de Souza Queiroz Ferraz é advogado em São Paulo

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Respeito à privatização e ao acordo de acionistas

Valor Econômico – EU & S.A. – 21.10.09 – D4

Por Juliano Basile, de Brasília
21/10/2009
Saneamento: Governador briga com a Dominó Holdings para assumir a gestão da companhia.

Requião perde no STJ ação contra acionistas minoritários da Sanepar
O governador do Paraná, Roberto Requião, foi derrotado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde tenta obter o controle da gestão da Companhia de Saneamento do Estado (Sanepar). A decisão, tomada pela 1ª Seção do STJ, favoreceu a holding criada pelos sócios minoritários da companhia (Dominó Holdings) e, com isso, marcou a posição do tribunal a favor da manutenção dos contratos que dão poder de gestão aos sócios minoritários.
A Dominó Holdings pagou R$ 250 milhões, em junho de 1998, para ficar com 39,7% das ações ordinárias (ON, com direito a voto) da Sanepar. O valor foi considerado alto na época justamente porque permitiu que as empresas e os fundos de pensão da holding pudessem participar das decisões estratégicas da companhia de saneamento.
Em 1998, a Dominó era composta pela companhia de energia do Paraná Copel, pela construtora Andrade Gutierrez e pela Daleth Participações - uma empresa gerida pelo Opportunity com investimentos dos principais fundos de pensão do Brasil, como Funcef, Centrus e Previ. Hoje, o Opportunity não participa mais da gestão da Daleth devido a desavenças com os gestores dos fundos de pensão.
Quando assumiu o governo paranaense, em 2003, Requião editou um decreto declarando nulo o acordo de acionistas da Sanepar que permitia que a Dominó participasse da gestão da primeira. O decreto foi uma das formas utilizadas pelo governador na tentativa de cumprir a sua promessa de campanha de cancelar a "privatização" da Sanepar. Requião alegou que a participação da holding prejudica os interesses do Estado. Ele sempre se queixou de influências de Daniel Dantas, do Opportunity, na Sanepar e costumava dizer que são os minoritários que mandam na companhia.
Em 2004, o STJ derrubou o decreto do governador. Com isso, Requião entrou com ação anulatória para derrubar a venda das ações da Sanepar à Dominó. Inicialmente, a Justiça do Paraná foi favorável ao governador, mas, em 2007, a 2ª Turma do STJ concluiu que não poderia rever a venda de ações aos minoritários sob pena de rever contratos assinados legitimamente pelas partes (Dominó e Sanepar).
Após a derrota na 2ª Turma, Requião utilizou-se de um instrumento chamado Adiantamento para Futuro Aumento de Capital (Afac) para injetar capital na Sanepar e diluir a participação dos minoritários. O governo paranaense alegou ter feito um aporte de R$ 337 milhões, mas, segundo a Dominó, esse valor não passa de R$ 180 milhões.
Além disso, os advogados da holding alegaram que o governo não poderia passar por cima do acordo de acionistas e mudar as regras de gestão da empresa. "As regras devem ser cumpridas e os contratos respeitados", afirmaram os advogados Alexandre Wald, Daniela Teixeira e Igor Matos, do Wald Associados, escritório contratado pela Dominó. "Quem comprou aquelas ações sabia que teria o direito de participar das deliberações da empresa. Isso fez parte do preço", completaram.
No STJ, a relatora do processo, ministra Eliana Calmon, disse que o aumento de capital da Sanepar somente poderia ser autorizado por meio de assembleia-geral, conforme prevê o acordo de acionistas. "Não vejo e sequer me detive na legalidade ou não do aumento de capital da empresa", advertiu a ministra.
"O acordo de acionistas existe e não pode ser desfeito da forma pretendida pelo governador", concluiu. Ao fim, seis ministros foram favoráveis à holding e apenas um (Herman Benjamin) votou a favor de Requião. Com isso, o Estado do Paraná deverá buscar outras formas para retirar os minoritários da gestão da Sanepar.

Frase selecionada

A CONSCIÊNCIA FORMADA PELO HÁBITO É PRISIONEIRA DE SI MESMA. (ORTEGA Y GASSET)

Provas do MEC

Jornal do Commercio - País - 22,10,09 - A-8

Ministério decide manter data de prova do Enade


Diego Moraes


OMinistério da Educação minimizou ontem o episódio dos cadernos do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) encontrados sem lacre no interior do Rio de Janeiro e afirmou que a prova está mantida para 8 de novembro. A empresa responsável pelo teste, Consulplan, partiu para o ataque: acusou agentes da Polícia Rodoviária Federal de violar as caixas em que as provas eram transportadas.

A confusão começou na tarde de terça-feira, quando o motorista da Consulplan Carlos Alberto Turetta seguia de São Paulo para o município mineiro de Muriaé, de caminhonete, até ser parado em uma blitz em Três Rios, no interior do Rio de Janeiro. Durante a inspeção, os agentes rodoviários encontraram quatro caixas de papelão sobre o banco traseiro. Ao abri-las, encontraram 400 provas do Enade que serão aplicadas no primeiro domingo do mês que vem.



lacradas. A empresa responsável pela prova alegou ter documentos para assegurar que as caixas saíram lacradas da gráfica em São Paulo e afirma que os pacotes foram abertos pelos agentes na blitz. A PRF rebateu a acusação e, por meio da assessoria de imprensa, informou que "as caixas não estavam lacradas, foram encontradas no banco da caminhonete e sequer estavam em pacotes de plástico".

Enquanto estava retido pela polícia na terça-feira, o motorista da empresa confirmou aos policiais rodoviários que as caixas foram colocadas na caminhonete sem o lacre. "Essas caixas não iam vir. Eles resolveram colocar lá na hora e eu nem vi que colocaram sem o lacre", afirmou. Procurado ontem pela reportagem, Turetta evitou sustentar essa versão. "Prestei os esclarecimentos à empresa e não tenho mais nada a declarar", disse, por telefone.

As provas não foram apreendidas pela PRF e estão no cofre da empresa em Muriaé. A Consulplan informou que os 400 cadernos são especiais, para estudantes portadores de deficiências visuais, e que a opção pelo transporte na caminhonete foi devido ao pequeno volume do material. O veículo transportou também os cartões de resposta das provas, documentos que não estão sob sigilo. A Consulplan disse, em nota, que "o transporte estava sendo realizado de forma legal, segura, por dois funcionários de confiança", e que o sigilo das provas não foi comprometido. A Polícia Rodoviária Federal também informou que não houve manuseio das provas durante a blitz.



integridade. Esse foi o segundo transtorno em provas do Ministério da Educação em menos de um mês. No início de outubro, o órgão cancelou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) a apenas dois dias do teste. Desta vez, no entanto, o ministro da Educação, Fernando Haddad, preferiu não comentar o assunto. Apenas a assessoria de imprensa do órgão se manifestou. Informou que "a integridade das provas está assegurada" e que o exame não sofrerá alterações no calendário.

Mesmo assim, o Ministério Público Federal vai apurar se houve falha na segurança durante o transporte das provas. A investigação seria feita pela procuradoria em Petrópolis, no Rio de Janeiro, mas ontem a procuradora responsável, Vanessa Seguezzi, decidiu encaminhar o processo para a Procuradoria da República no Distrito Federal, sob o argumento de que os órgãos responsáveis pelo exame estão em Brasília. Cerca de 1,1 milhão de alunos farão o Enade, em 997 cidades do País.



Enem. Na madrugada de 1º de outubro, o ministro da Educação anunciou o cancelamento das provas do Enem após ser informado de que a imprensa teve acesso ao conteúdo da prova antes da aplicação, então prevista para os dias 3 e 4 deste mês. Por causa disso, o ministério foi obrigado a remarcar os exames e fazer um contrato emergencial para elaborar novos exames, que serão aplicados em 5 e 6 de dezembro. A mudança atrapalhou os planos de 4 milhões de alunos e fez com que universidades como Unicamp e USP desistissem de usar os resultados do Enem como parâmetro para o vestibular.

PROVAS PROMOVIDAS PELO MEC

- ENADE - Exame Nacional de Desemprenho dos Estudantes: avalia quem entra e sai do ensino superior

- ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio: avalia quem sai do ensino médio

- Prova Brasil: avalia o desempenho dos alunos do ensino fundamental

- SAEB - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica: avalia alunos dos ensinos fundamental e médio

Provinha Brasil: mede o desempenho no 2º ano escolar

- ENCCEJA - Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos: avalia a habilidade dos alunos do sistema de educação de jovens e adultos

Registre as histórias, fatos relevantes, curiosidade sobre Paulo Amaral: rasj@rio.com.br. Aproveite para conhecê-lo melhor em http://www2.uol.com.br/bestcars/colunas3/b277b.htm

Eis o veículo (Motorella) que tenho utilizado para andar na ciclovia da Lagoa e ir ao trabalho sem suar