quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Apontados equívocos no voto de Barroso no processo sobre impeachment


Migalhas
 
Lionel Zaclis
 
Nenhuma das três ordens de argumentos invocadas pelo ministro Barroso justifica seu entendimento de ser possível ao Senado Federal recusar-se a instaurar o processo de impeachment, uma vez autorizado pela Câmara.
 
terça-feira, 5 de janeiro de 2016
 
 
Ao votar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.° 378, o ministro Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), declarou que a competência do Senado abrange “a realização de um juízo inicial de instauração ou não do processo, isto é, de recebimento ou não da denúncia autorizada pela Câmara”, o que se basearia em três ordens de argumentos: 1) ser essa a única interpretação possível à luz da Constituição de 1988; 2) corresponder à interpretação adotada pelo STF em 1992, quando do impeachment do presidente Collor; e 3) tratar-se de entendimento que, mesmo proferido sem força vinculante, foi incorporado à ordem jurídica.
 
Com a devida licença, tais fundamentos não se compatibilizam com o decidido no Mandado de Segurança n.° 21.564-DF, impetrado pelo então presidente Collor. Senão, vejamos. O relator sorteado, ministro Gallotti, deferiu o pedido tal como formulado, porém o ministro Carlos Velloso divergiu, para o fim de restringi-lo ao aumento do prazo de defesa do impetrante perante a Câmara dos Deputados.
 
De acordo com o Regimento Interno do STF, o ministro Velloso foi designado para redigir o acórdão e a respectiva ementa, pois seu voto aglutinou a maioria dos votos no tocante à redução do âmbito do mandado. No capítulo concernente às competências da Câmara e do Senado, o ministro Velloso citou trecho de artigo do saudoso professor Miguel Reale em que afirma caber à Câmara editar um juízo político quanto à admissibilidade da acusação, enquanto é do Senado a competência exclusiva para o processo e o julgamento do acusado. E logo em seguida à transcrição do ensinamento de um dos nossos maiores juristas, jusfilósofos e advogados, prosseguiu o ministro Velloso dizendo: “Neste (no Senado) é que a denúncia será recebida, ou não”.
 
Uma leitura menos atenta de seu voto poderia até dar a impressão de que também a assertiva realçada comporia o artigo do professor Miguel Reale. Na realidade, porém, não é o que acontece, pois nada há nesse sentido no trabalho enfocado.
 
Portanto, tal afirmação reflete, simplesmente, uma opinião do ministro Velloso, que ao redigir a ementa do julgamento para lá a transportou, de modo que quem se limita a lê-la é levado a supor que reflete o entendimento da maioria vitoriosa, o que não corresponde à verdade.
 
Além de não contar com o apoio do professor Miguel Reale, destoa da posição dos demais ministros que trataram do assunto. Exemplo marcante é o voto do ministro Celso de Mello, no qual afirma que ao Senado Federal se impõe, ante a autorização da Câmara dos Deputados, a necessária instauração do processo, com todas as consequências jurídico-constitucionais daí emergentes. Aponta que esse caráter vinculado foi exposto pelo professor José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 473, 5.ª ed., 1989, RT), ao afirmar que o texto do artigo 86 da Constituição federal não deixa ao Senado a possibilidade de emitir juízo de conveniência sobre instaurar ou não o processo, pois que esse juízo de admissibilidade refoge à sua competência, já tendo sido feito por quem cabia.
 
Além disso, o ministro Celso de Mello invoca as lições de outros juristas, nacionais e estrangeiros, em especial a constante da obra do ministro Paulo Brossard (O Impeachment, pp. 7 e 10, itens 8a e 8f, 2.ª ed., 1992, Saraiva), para quem o impeachment do presidente da República por crimes de responsabilidade se desenrola no Senado, desde sua instauração até o julgamento final, após autorização da Câmara dos Deputados, sendo que, uma vez autorizado, não pode deixar de instaurá-lo.
 
O ministro Sepúlveda Pertence deixou claro que a autorização da Câmara vincula, e não apenas libera o Senado, mesmo porque tem o significado de recebimento de denúncia.
 
Por sua vez, o ministro Néri da Silveira declarou, expressamente, que acompanhava o voto dos ministros Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Paulo Brossard. O outro integrante da maioria, ministro Sidney Sanches, não se manifestou a respeito do assunto. Desse modo, internamente à maioria constituída, a verdade é que apenas o ministro Carlos Velloso mencionou – e mesmo assim apenas en passant, sem invocar nenhum fundamento jurídico válido – a possibilidade de o Senado recusar-se à instauração do processo. Os demais votaram no sentido de que, uma vez autorizado pela Câmara, o processo deve ser necessariamente instaurado pelo Senado, ao qual não cabe a opção de recusá-lo.
 
Ora, sendo assim, não é curial que da ementa do v. acórdão no mandado de segurança em foco possa constar, em seu item III, o trecho segundo o qual “(...) neste (no Senado) é que a denúncia será recebida, ou não, dando que, na Câmara ocorre, apenas, a admissibilidade da acusação, a partir da edição de um juízo político...”. Logo, a ementa examinada não retratou fielmente o resultado do julgamento.
 
Em vista do acima demonstrado, conclui-se, com a devida vênia, que nenhuma das três ordens de argumentos invocadas pelo ministro Barroso justifica seu entendimento de ser possível ao Senado Federal recusar-se a instaurar o processo de impeachment, uma vez autorizado pela Câmara dos Deputados. Em primeiro lugar, porque essa afirmativa decorre de uma interpretação jurídica e logicamente impossível do texto constitucional. Em segundo lugar, porque não corresponde à dada pelo STF no Mandado de Segurança 21.564, de 1992, aliás, muito ao contrário, de modo que a necessária segurança jurídica exige sua reiteração, pelo mesmo tribunal, no julgamento da ADPF 378. E em terceiro e último lugar, essa impossibilidade de recusa do Senado à instauração do processo reflete entendimento que, mesmo não tendo sido proferido pelo STF com força vinculante, se acha incorporado à ordem jurídica brasileira.
 
 
*Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo em 4/1/16.
 
 
*Lionel Zaclis é advogado do escritório Barretto Ferreira e Brancher - Sociedade de Advogados, mestre e doutor em Direito pela USP.

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