quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Orçamento da União

Jornal Valor Econômico - 06.02.2013

Por José Marcos Domingues

Mais importante lei votada anualmente, o orçamento deveria ordenar (não apenas autorizar) a despesa, pois à carga tributária obrigatória corresponde o gasto justo e necessário para prover às políticas públicas, tudo objeto de lei. No estado democrático de direito não há lugar para propostas irresponsáveis, quer na iniciativa do Executivo, quer nas emendas parlamentares (novas velhas caudas orçamentárias).

Então, o represamento ou contingenciamento de verbas no Brasil traz o debate acerca da legitimidade do Judiciário para fazer cumprir a Constituição (art. 102), também pela via do controle jurídico do orçamento, que não tem sido ensejado aos Tribunais de Contas, malgrado o mandato do art. 70 da Constituição. A conexão íntima entre tributo e despesa se intensifica no caso das receitas tributárias legitimadas em função de gastos específicos. Tributação e orçamento são vertentes imprescindíveis da mesma ordem jurídico-financeira em nome da proteção dos direitos fundamentais da sociedade. A repartição equitativa do gasto público decorre entre nós da conjugação do objetivo de construção de uma sociedade justa e solidária (art. 3º, I) com a determinação de graduação da carga tributária conforme a capacidade econômica da cidadania (art. 145, § 1º). E a Constituição manda que a administração pública obedeça à eficiência e à moralidade, entre outros princípios (art. 37).

O mal das finanças brasileiras não é apenas de gestão, mas sobretudo de desrespeito ao direito

De importância vital, o orçamento aloca recursos dos contribuintes para concretizar valores e vetores da atuação estatal, refletindo prioridades de ação, certo que o planejamento é determinante para o Estado e indicativo para o setor privado (art. 174). Como pode este planejar-se, tomar decisões, realizar escolhas racionais em busca de eficiência, se o orçamento público é falacioso? Se o Congresso não o aprova no ano anterior? Se o Executivo pretende por medida provisória de duvidosa validade suplementar o orçamento às vésperas do Ano-Novo? E se artifícios orçamentários, com transferências entre empresas estatais e o Tesouro, são empregados para maquiar as contas públicas à grega? Seria isso criatividade contábil? As opções decididas pelos poderes competentes do Estado estão na lei para serem cumpridas. O ajuste entre o Executivo e o Legislativo é sério, jurídico, legal e não pode ser inflado nem comportar contingenciamentos; se ambos se compõem para iludir o contribuinte, então cabe ao Judiciário intervir quando provocado pela cidadania desatendida. O mal das finanças públicas brasileiras não é apenas de gestão, mas sobretudo de desrespeito ao direito.

A Constituição de 1988 foi além de suas antecessoras ao garantir recursos para políticas públicas por ela institucionalizadas. Assim, o empréstimo compulsório é vinculado à despesa que o fundamentar (art. 148) e as contribuições se constituem em instrumento de atuação da União nas áreas social, econômica e profissional (art. 149). A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas (art. 196) financiadas entre outras pelas contribuições à seguridade social (arts. 195 e 198). O mesmo se diga da política constitucional para a educação (art. 210): a União empregará no mínimo 18%, e Estados, Distrito Federal e municípios, 25%, de suas arrecadações na manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 212). Ora, saúde e educação são pré-condições do desenvolvimento social e econômico, mas são o que mais falta ao país, que se reprimariza, desindustrializa, importa gasolina, bens de produção e tecnologia externa até para operar seus ineficientes aeroportos.

Desde os julgamentos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin 2.925 (contingenciamento da Cide-combustíveis) e na Medida Cautelar na Adin 4.048 (fiscalização da constitucionalidade das leis, inclusive orçamentárias) o STF procede a fiscalização concentrada do orçamento, e na Suspensão de Tutela Antecipada 175 foram mantidas decisões pelo fornecimento de medicamentos e tratamentos não oferecidos pelo SUS, reposicionando o controle judicial de políticas públicas, com potenciais consequências no plano tributário, já que é o contribuinte que as sustenta.

O orçamento é uma lei plena que determina (e não apenas autoriza) o gasto público. O legislativo não pode fugir ao dever de votar tempestivamente um orçamento sério. Nesse sentido, o orçamento seria impositivo e não meramente autorizativo. O contingenciamento unilateral de verbas pelo governo funciona como desvio de gasto e atrai a legitimidade do Judiciário para seu controle jurídico, garantindo respeito ao legislativo e mediando a justiça da tributação e a garantia do cumprimento da finalidade constitucional da despesa, que é servir à população, máxime quando se vê o estado das escolas, estradas e hospitais do país, para não falar de risco habitacional, de mobilidade e de insegurança energética que assolam os brasileiros, que pagam a conta.

Impõe-se respeito ao objetivo fundamental de construção de uma sociedade soberana, justa e solidária, por meio de políticas públicas probas, com eficiência e moralidade, sem o que não há repartição equitativa dos recursos públicos. Isso tem levado a estigmas degradantes como orçamento-ficção e carga tributária de 1º mundo com serviços públicos de 3º mundo. Depois, que se dê o reencontro da governança com a cidadania fiscal, destinatária da atividade financeira do Estado.

E não se percam os ideais do constituinte na inconstitucionalidade por omissão ou nos desvios orçamentários, que, infiel e informalmente, pretendem mudar, e para pior, a Carta da República. Com a insinceridade orçamentária e contábil vêm à luz a caótica falta de planejamento público no Brasil e o desrespeito sub-reptício à lei, e surge a incerteza jurídica, prejudicando o que é mais urgente: o investimento que garanta o desenvolvimento. A bandeira é sábia: Ordem e Progresso.

José Marcos Domingues é professor titular de direito financeiro da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e professor adjunto da Universidade Católica de Petrópolis.

Insider information


Valor Econômico – 05.02,2013

TRF amplia penas na ação por "insider" da Sadia

Por Cristine Prestes | De São Paulo

Em uma decisão inédita, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região manteve a condenação e aumentou as penas de dois acusados de uso de informação privilegiada durante as negociações que culminaram na oferta hostil da Sadia pela Perdigão, ocorrida em julho de 2006. O processo é o primeiro por crime de "insider trading" no Brasil e o único já julgado por um tribunal.

Ontem, a Quinta Turma do TRF julgou os recursos impetrados pelo Ministério Público Federal e pela defesa do ex-diretor financeiro e de relações com investidores da Sadia, Luiz Gonzaga Murat Filho, e do ex-membro do conselho de administração da Sadia, Romano Ancelmo Fontana Filho. O tribunal não apenas manteve as condenações como também aumentou as penas de reclusão dos dois executivos e determinou o pagamento de danos morais coletivos por ambos.

Luiz Gonzaga Murat Filho, que havia sido condenado a uma pena de 1 ano e 9 meses de reclusão na primeira instância da Justiça Federal de São Paulo, teve sua pena aumentada para 2 anos, 6 meses e 10 dias de reclusão, além do pagamento de multa pecuniária de R$ 349,7 mil, a ser destinada ao Fundo Penitenciário Nacional, e outros R$ 254 mil por danos morais coletivos, que serão repassados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para serem aplicados em programas de prevenção e educação de investidores. Já Romano Ancelmo Fontana Filho teve sua pena aumentada de 1 ano, 5 meses e 15 dias de reclusão para 2 anos e 1 mês de reclusão, mais multa de R$ 374,9 mil e outros R$ 303 mil por danos morais coletivos. Por serem inferiores a 4 anos, as penas serão convertidas em prestação de serviços à comunidade. Os executivos também estão impedidos de exercer cargos de administrador e conselheiro fiscal de companhias abertas pelo mesmo período da pena imposta.

O processo envolve a oferta hostil feita em julho de 2006 pela Sadia para comprar o controle da Perdigão, cujos acionistas recusaram a proposta - anos mais tarde, em maio de 2009, a Perdigão acabou comprando a concorrente, em dificuldades financeiras diante de uma perda de R$ 2,6 bilhões com derivativos cambiais alavancados, o que resultou na criação da Brasil Foods.

O início das negociações para a oferta hostil da Sadia ocorreu em 7 de abril de 2006, na sede do banco ABN Amro Real. Dois meses após o fim das negociações, descobriu-se que três dos executivos envolvidos haviam usado as informações privilegiadas a que tiveram acesso em benefício próprio, comprando e vendendo recibos de ações (ADRs) da Perdigão na Bolsa de Valores de Nova York (Nyse). Diante disso, o Ministério Público Federal ofereceu uma denúncia, aceita pela Justiça Federal, contra os três envolvidos. Além de Murat Filho e Fontana Filho, também foi acusado Alexandre Ponzio de Azevedo, à época superintendente executivo de empréstimos estruturados do ABN. Por ter uma participação menor no esquema, ele fez um acordo com o Ministério Público Federal e foi excluído da ação penal em troca da prestação de serviços a uma entidade filantrópica.

O caso envolvendo a oferta hostil da Sadia foi o primeiro processo por crime de insider trading aberto na Justiça brasileira. A punição criminal pelo uso de informação privilegiada no mercado de capitais foi criada em 2001 com a reforma na Lei das S.A., que prevê pena de um a cinco anos de reclusão e multa de até três vezes o valor obtido de forma ilícita.

De acordo com o procurador Rodrigo De Grandis, responsável pelo oferecimento da denúncia no caso de insider da Sadia, a decisão do TRF representa uma vitória. "Além de reconhecer a competência da Justiça Federal para julgar crimes de insider, o tribunal deu clara indicação de que se trata de um crime formal, que independe da realização de lucros", disse. O procurador regional da República Marcelo Moscogliato, que acompanha o processo na segunda instância, afirmou que "o TRF fez história com o caso de informação privilegiada da Sadia/Perdigão".

O advogado Eduardo Reale Ferrari, que defende Fontana Filho, disse que vai recorrer da decisão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). O Valor não conseguiu contato com o advogado de Murat Filho, Celso Vilardi, até o fechamento desta edição.

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Eis o veículo (Motorella) que tenho utilizado para andar na ciclovia da Lagoa e ir ao trabalho sem suar