As Normas Regulamentadoras (NRs) são fruto de uma comissão tripartite formada por representantes do governo, empregadores e dos empregados, nos termos da Portaria
Nº 1.127, de 02 de outubro de 2003
Errou o ex-Ministro do Trabalho Almir Pazzianotto em artigo publicado no prestigiado Migalhas, como que desconhecendo a pasta onde atuou, ao dizer que as NRs são elaboradas em ambiente fechado, sem a participação de empresas e trabalhadores.
Confiram abaixo.
Migalhas
Almir Pazzianotto Pinto
As Normas Regulamentadoras encerram, ao lado de determinações saudáveis,
outras de execução impossível, ou que abrem ampla brecha para interpretações
subjetivas, de acordo com o perfil ideológico do Auditor Fiscal.
sexta-feira, 13 de janeiro de 2017
"Acidente fatal – quando
provoca a morte do trabalhador”
NR 18-39
Se o Ministério do Trabalho e Emprego está empenhado seguir adiante com
a reforma trabalhista, proponho que inclua, entre os itens da pauta, as NR -
Normas Regulamentadoras que tratam de Segurança e Medicina do Trabalho.
Não se contesta o direito do empregado prestar serviços em ambiente
salubre e protegido contra acidentes. A Constituição cuida do assunto no art.
7º, XXII e XXIII, e a CLT no Título II, Capítulo V: “Da Segurança e da Medicina
do Trabalho”.
Diz o art. 200 da CLT que compete ao Ministério do Trabalho “estabelecer
disposições complementares às normas de que trata este Capítulo, tendo em vista
as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente
sobre...”. Seguem-se 8 incisos, o primeiro dos quais dispõe sobre “medidas de
prevenção de acidentes e equipamentos de proteção individual em obras de
construção, demolição e reparos”, o último sobre “emprego das cores nos locais
de trabalho, inclusive as sinalizações de perigo”. A edição de Norma Regulamentadora
se faz mediante portaria elaborada em ambiente fechado, sem a participação de
empresas e trabalhadores. (destaques acrescidos)
O PCMOSO - Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, objeto da
NR 7, exige exame médico na admissão, demissão, periódico, de retorno, e de
mudança de função do empregado. Trata-se de imposição meramente formal, eis que
o documento pode ser adquirido em consultórios particulares, após rápido
contato visual com o médico. Com fundamento nas NR 7 e 9, esta última referente
ao PPRA - Programa de Riscos Ambientais, terceirizam-se serviços de inspeção,
mediante abusiva cobrança de atestado e de laudo pericial.
Exemplo de Norma Regulamentadora prolixa é a de número 12, que dispõe
sobre Máquinas e Equipamentos. São 88 folhas, das quais 13 trazem o glossário,
palavra que, segundo os dicionários significa livro ou vocabulário em que se dá
a explicação de palavras obscuras ou desusadas ou dicionário de termos técnicos
de uma arte ou ciência. Recolhi aleatoriamente estas definições: “Colhedora de
café: equipamento agrícola automotriz que efetua a ‘derriça’ e colheita de
café’; “Lanterna traseira de posição: dispositivo designado para emitir um
sinal de luz para indicar a presença de uma máquina”; “Máquina ou equipamento
manual; máquina ou equipamento portátil guiado à mão”.
Digna de destaque é a NR 17 – Ergonomia, cujo item 17.5.2 refere-se aos
locais de trabalho que imponham atenção constante, como escritórios,
laboratórios, salas de controle. O Ministério do Trabalho e Emprego prescreve,
como condições de conforto: 1) níveis de ruído de acordo com o estabelecido na
NBR 10152, norma brasileira registrada no INMETRO; 2) índice de temperatura
efetiva entre 20ºC e 23ºC; 3) velocidade do ar não superior a 0,75m/s; 4)
umidade relativa do ar não inferior a 40 por cento.
Exemplo, ainda, de superabundância é a NR 18 – Condições e Meio Ambiente
de Trabalho na Indústria da Construção. O glossário define acidente fatal
“quando provoca a morte” e ferramenta como “utensílio empregado pelo
trabalhador para realização de tarefas”.
A NR 28 – Fiscalização e Penalidades fixa regras de procedimento para
Agentes da Inspeção do Trabalho na lavratura de auto de infração e valor das
multas, fundamentada em decretos, na Lei nº 7.855/89, e na própria Norma
Regulamentadora. Cuidadosa análise das NRs revela que tudo tem sido feito à
revelia do princípio da legalidade, inscrito no art. 5º, II, da Constituição,
mercê do qual “ninguém será obrigado a fazer alguma coisa senão em virtude de
lei”. Os artigos 200 e 201 da Consolidação conservam a redação que lhes foi
dada pela Lei nº 6.514, de 22/12/1977, aprovada sob a Constituição de 1967
(Emenda nº 1/69). A Carta de 67 vedava aos Poderes da União, independentes e
harmônicos, delegar atribuições. Dizia o art. 6º: “Quem for investido na função
de um deles, não poderá exercer a do outro”. Não obstante, o art. 200 da CLT
delega competência ao Ministério do Trabalho para legislar mediante portarias.
Assim surgiram as Normas Regulamentadoras, minuciosas, prolixas e
rígidas, cuja inobservância acarretará pesadas sanções pecuniárias. Se a
distância entre o local de trabalho e a instalação sanitária for de 160 metros,
e não de 150 como ordena a NR 18.4.2.3, f, o empregador pagará multa a critério
do Auditor Fiscal do Trabalho. Poderá ser autuado quem fornecer transporte
coletivo a empregados, se os assentos dos veículos não forem confeccionados com
“espuma revestida de 0,45m de largura, por 0,35 de profundidade, e 0,45 m de
altura, com encosto e cinto de segurança de três pontos”, e não houver “barra
de apoio para mãos a 0,10m da cobertura e para os braços e mãos entre os
assentos” (NR 18.25.5). Veja-se, agora, o item 24.1.24.1 da NR 24: “Serão
previstos 60 litros diários de água por trabalhador para consumo nas
instalações sanitárias”. Pouco importa se o ano é seco, chuvoso, ou se a
empresa está localizada no agreste nordestino; a exigência da NR deve ser
respeitada.
Somos todos favoráveis à proteção dos trabalhadores contra doenças e
acidentes, à preservação da salubridade, à utilização de ferramentas e máquinas
dotadas de equipamentos que evitem infortúnios. Ninguém, entretanto, pode ser
compelido por portaria ministerial a fazer ou deixar de fazer alguma coisa sob
pena de quebra do princípio da legalidade. As Normas Regulamentadoras encerram,
ao lado de determinações saudáveis, outras de execução impossível, ou que abrem
ampla brecha para interpretações subjetivas, de acordo com o perfil ideológico
do Auditor Fiscal.
Nesta fase de reformas, cabe ao Ministério do Trabalho a tarefa de
separar o joio do trigo.
*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e
presidente do TST.