quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Empresas "quebradas" do pai de Macri (presidente eleito da Argentina) devem ao BNDES


Valor Econômico – Agronegócios – 26.11.2015 – pág. B16

Pai de Macri ainda tem dívidas no Brasil
Por Luiz Henrique Mendes

Controlador da Chapecó Alimentos na década de 2000, o empresário Franco Macri, pai de Mauricio Macri, recém-eleito presidente da Argentina, ainda responde indiretamente a processos judiciais referentes à quebra do frigorífico brasileiro, em abril de 2005.

A Alimbras, empresa por meio da qual o grupo Macri controlava a companhia catarinense, é alvo da massa falida da Chapecó e do BNDES, que era acionista do frigorífico. A Alimbras deve mais de R$ 200 milhões para a massa falida e ao menos US$ 58 milhões ao BNDES.

Um dos processos que o BNDES move contra a Alimbras remonta ao financiamento que o grupo Macri obteve junto ao banco para adquirir o frigorífico, em 1998. O empréstimo, de cerca de US$ 58 milhões, tinha ações da própria Chapecó como caução. Mas esse empréstimo não foi quitado, o que levou o BNDES a impetrar uma ação contra a Alimbras para que o grupo Macri pague pela recompra das ações oferecidas como caução.

Procurado, o BNDES confirmou que seu braço de participações, a BNDESPar, mantém um processo em que cobra que a Alimbras pague pela recompra. A instituição não informou, porém, o montante dessa dívida. Além disso, o banco mantém outras ações de execução de dívida contra a Alimbras. Segundo uma fonte que acompanha o imbróglio, empresas do grupo Macri eram avalistas em outros financiamentos feitos com o BNDES.

Além do BNDES, a massa falida da Chapecó processa a Alimbras por dívidas que, em valores atualizados,
totalizam R$ 209 milhões. O montante se refere a contratos de mútuo (empréstimos) feitos pelo frigorífico para a controladora Alimbras, segundo o advogado Alexandre Araújo, que representa o Cavallazzi, Andrey, Restanho e Araújo, escritório que é o síndico da massa falida da Chapecó.

Segundo Araújo, esse processo esbarra em dificuldades como encontrar patrimônio na Alimbras. Conforme outra fonte que acompanha o caso, a Alimbras foi constituída em 1995 e era controlada pela holding argentina Socma, empresa do grupo Macri. No entanto, em 2001 o controle da companhia foi repassado a outra companhia do grupo Macri a Icanex S/A, sediada no Uruguai.

Procurado, o empresário Franco Macri não foi localizado. Em entrevista ao Valor em janeiro de 2007, Macri chegou a afirmar que "faltou apoio do BNDES". Na ocasião, também disse que o banco teria recusado apoio devido a uma política interna alheia à avaliação do desempenho do grupo.

Paralelamente às ações contra a Alimbras, o processo de venda dos ativos da massa falida da Chapecó vem
avançando, conforme o advogado Alexandre Araújo. Em julho, a Aurora, central catarinense de cooperativas, pagou R$ 235 milhões por uma unidade de abate e processamento de suínos que pertencia à massa falida. A expectativa do advogado é que mais três abatedouros que hoje estão arrendados sejam vendidos em 2016, o que ajudará a pagar parte "considerável" das dívidas.

Quando teve a falência decretada pela Justiça, a Chapecó tinha dívidas de R$ 768,488 milhões montante
que, em valores atuais, somaria R$ 1,395 bilhão, conforme cálculos do síndico da massa falida. Com 29,7% das ações do frigorífico, o Sistema BNDES (que inclui a BNDESpar e a agência Finame) é também o maior credor da Chapecó.

Em 2005, as dívidas da Chapecó com o Sistema BNDES somavam R$ 284 milhões. Até agora, o banco estatal informou que recuperou R$ 80 milhões desse total no âmbito da falência. Mas o BNDES ainda tem créditos de R$ 467,5 milhões a receber, em valores corrigidos, segundo síndico da massa falida.
O BNDES informou, ainda, que vem trabalhando em parceria com o síndico da massa falida para "viabilizar a venda destes ativos e maximizar a recuperação de seus créditos à luz das normas que regem o direito falimentar".

Atualmente, a massa falida da Chapecó tem R$ 213 milhões em caixa. Conforme Araújo, a massa falida pretende vender os frigoríficos de frango localizados em Cascavel (PR) e Xaxim (SC) que estão arrendados para Globoaves e Aurora, respectivamente. Há ainda uma unidade de suínos em Santa Rosa (RS), que está arrendada para a Alibem.

De acordo com Araújo, a preferência da massa falida é realizar uma operação na modalidade "venda
extraordinária", pela qual a unidade é alienada pelo valor de avaliação com o aval de dois terços dos credores. 

Juntos, os três frigoríficos estão avaliados em cerca de R$ 615 milhões. (Colaborou Marli Olmos, de Buenos Aires)

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Os prejudicados pelos pagamentos "por fora"


Valor Econômico – Especial Ética Concorrencial - 8/11/2015 ­– H2

Funcionários também são prejudicados com acertos "por fora"
Por Adriana Carvalho


Quem sonega impostos, não o faz sozinho. Da mesma forma, os efeitos da sonegação não são sentidos apenas pelo órgão arrecadador. A atitude do devedor contumaz tem a característica de unir, no delito e no prejuízo, diversos atores. Embora seja difícil mensurar financeiramente o tamanho do problema, é fácil entender quais são os seus impactos diretos. O sonegador cria uma vantagem competitiva artificial: pode cobrar mais barato por produtos e serviços, prejudicando outras empresas do mesmo segmento que não conseguem fazer o mesmo por cumprir devidamente seus deveres fiscais. Também saem lesados os funcionários, quando a sonegação inclui arranjos para pagar salários "por fora" das regras da legislação trabalhista. Fornecedores e parceiros comerciais não escapam, conforme afirma Enéas Moreira, sócio de auditoria da EY. "O dinheiro que não é tributado não pode ser utilizado para pagar custos formais. Ou seja, a empresa vai ter que pressionar alguém para gerar um canal para poder usar esse dinheiro que entra de forma ilegal." Uma das formas de fazer isso é, por exemplo, convencendo um fornecedor a burlar valores na hora de emitir notas fiscais. Além disso, há claro, o custo social. O consumidor que paga menos pelo produto sem nota fiscal e o empresário que lucra com isso entram junto nessa conta como perdedores: "O tributo sonegado deixará de ser investido na saúde, educação e outros setores, impactando nas dificuldades e problemas estruturais ligados aos serviços públicos", diz o advogado Alexandre Macedo Soares, conselheiro do Tribunal Administrativo Tributário de Santa Catarina. Para João Eloi Olenike, presidente Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), nos últimos anos os órgãos arrecadadores evoluíram com relação aos mecanismos de controle da evasão. Porém, ainda não conseguiram fechar bem a torneira do vazamento fiscal. "Há oito anos fizemos um estudo que apontou que a cada real, 30 centavos eram sonegados. Não fizemos uma atualização desse estudo, mas creio que se ele fosse feito hoje iria mostrar um valor de 20 centavos por real", afirma Olenike. A substituição das notas fiscais físicas por versões eletrônicas e a criação em 2007 do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), que obriga empresas a gerar arquivos digitais para prestar informações sobre documentos fiscais relativos a ICMS e IPI, são alguns dos avanços recentes. Outro instrumento que vem sendo utilizado mais amplamente pelos Estados é o regime de Substituição Tributária do ICMS, que visa diminuir a sonegação em cadeias intermediárias como atacadistas e varejistas. O industrial recolhe seu imposto e também o tributo que devido pelos comerciantes. Para compensar, embute o custo nos preços. "Estamos intensificando a substituição tributária no Distrito Federal. Assim, ao invés de ter que fiscalizar, por exemplo, centenas de bares, concentramos esforços nas indústrias", afirma o secretário de Fazenda Pedro Meneguetti, acrescentando que o órgão acaba de lançar também o sistema Mineração de Dados. Ele pretende cruzar os dados de notas fiscais eletrônicas e de cartões de crédito para identificar casos de evasão com mais facilidade. Mas, ao mesmo tempo em que as formas de controle se aperfeiçoam, surgem outras modalidades de fraude. "A substituição tributária é muito boa, mas o Fisco gostou tanto disso que ampliou demais o mix de produtos incluídos, atingindo também os produzidos por pequenas indústrias", diz Edinilson Apolinário, diretor executivo tributário da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

The New York Times e The Economist sobre a Rede Globo

Escapando da Realidade com a Tv Globo do Brasil

http://caiotargino.jusbrasil.com.br/artigos/257461646/escapando-da-realidade-com-a-tv-globo-do-brasil?utm_campaign=newsletter-daily_20151118_2308&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Materia Veiculada no Jornal The New York Times

Publicado por Caio Targino Brasileiro - 1 dia atrás
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Por Vanessa Barbara
Escapando da Realidade com a Tv Globo do Brasil
No ano passado, a revista “The Economist” publicou um artigo sobre a Rede Globo, a maior emissora do Brasil. Ela relatou que “91 milhões de pessoas, pouco menos da metade da população, a assistem todo dia: o tipo de audiência que, nos Estados Unidos, só se tem uma vez por ano, e apenas para a emissora detentora dos direitos naquele ano de transmitir a partida do Super Bowl, a final do futebol americano”.
Esse número pode parecer exagerado, mas basta andar por uma quadra para que pareça conservador. Em todo lugar aonde vou há um televisor ligado, geralmente na Globo, e todo mundo a está assistindo hipnoticamente.
Sem causar surpresa, um estudo de 2011 apoiado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontou que o percentual de lares com um aparelho de televisão em 2011 (96,9) era maior do que o percentual de lares com um refrigerador (95,8) e que 64% tinham mais de um televisor. Outros pesquisadores relataram que os brasileiros assistem em média quatro horas e 31 minutos de TV por dia útil, e quatro horas e 14 minutos nos fins de semana; 73% assistem TV todo dia e apenas 4% nunca assistem televisão regularmente (eu sou uma destes últimos).
Entre eles, a Globo é ubíqua. Apesar de sua audiência estar em declínio há décadas, sua fatia ainda é de cerca de 34%. Sua concorrente mais próxima, a Record, tem 15%.
Assim, o que essa presença onipenetrante significa? Em um país onde a educação deixa a desejar (a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico classificou o Brasil recentemente em 60º lugar entre 76 países em desempenho médio nos testes internacionais de avaliação de estudantes), implica que um conjunto de valores e pontos de vista sociais é amplamente compartilhado. Além disso, por ser a maior empresa de mídia da América Latina, a Globo pode exercer influência considerável sobre nossa política.
Um exemplo: há dois anos, em um leve pedido de desculpas, o grupo Globo confessou ter apoiado a ditadura militar do Brasil entre 1964 e 1985. “À luz da História, contudo”, o grupo disse, “não há por que não reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram outras decisões editoriais do período que decorreram desse desacerto original”.
Com esses riscos em mente, e em nome do bom jornalismo, eu assisti a um dia inteiro de programação da Globo em uma terça-feira recente, para ver o que podia aprender sobre os valores e ideias que ela promove.
A primeira coisa que a maioria das pessoas assiste toda manhã é o noticiário local, depois o noticiário nacional. A partir desses, é possível inferir que não há nada mais importante na vida do que o clima e o trânsito. O fato de nossa presidente, Dilma Rousseff, enfrentar um sério risco de impeachment e que seu principal oponente político, Eduardo Cunha, o presidente da Câmara, está sendo investigado por receber propina, recebe menos tempo no ar do que os detalhes dos congestionamentos. Esses boletins são atualizados pelo menos seis vezes por dia, com os âncoras conversando amigavelmente, como tias velhas na hora do chá, sobre o calor ou a chuva.
A partir dos talk shows matinais e outros programas, eu aprendi que o segredo da vida é ser famoso, rico, vagamente religioso e “do bem”. Todo mundo no ar ama todo mundo e sorri o tempo todo. Histórias maravilhosas foram contadas de pessoas com deficiência que tiveram a força de vontade para serem bem-sucedidas em seus empregos. Especialistas e celebridades discutiam isso e outros assuntos com notável superficialidade.
Eu decidi pular os programas da tarde –a maioria reprises de novelas e filmes de Hollywood– e ir direto ao noticiário do horário nobre.
Há dez anos, um âncora da Globo, William Bonner, comparou o telespectador médio do noticiário “Jornal Nacional” a Homer Simpson –incapaz de entender notícias complexas. Pelo que vi, esse padrão ainda se aplica. Um segmento sobre a escassez de água em São Paulo, por exemplo, foi destacado por um repórter, presente no jardim zoológico local, que disse ironicamente “É possível ver a expressão preocupada do leão com a crise da água”.
Assistir à Globo significa se acostumar a chavões e fórmulas cansadas: muitos textos de notícias incluem pequenos trocadilhos no final ou uma futilidade dita por um transeunte. “Dunga disse que gosta de sorrir”, disse um repórter sobre o técnico da seleção brasileira. Com frequência, alguns poucos segundos são dedicados a notícias perturbadoras, como a revelação de que São Paulo manteria dados operacionais sobre a gestão de águas do Estado em segredo por 25 anos, enquanto minutos inteiros são gastos em assuntos como “o resgate de um homem que se afogava causa espanto e surpresa em uma pequena cidade”.
O restante da noite foi preenchido com novelas, a partir das quais se pode aprender que as mulheres sempre usam maquiagem pesada, brincos enormes, unhas esmaltadas, saias justas, salto alto e cabelo liso. (Com base nisso, acho que não sou uma mulher.) As personagens femininas são boas ou ruins, mas unanimemente magras. Elas lutam umas com as outras pelos homens. Seu propósito supremo na vida é vestir um vestido de noiva, dar à luz a um bebê loiro ou aparecer na televisão, ou todas as opções anteriores. Pessoas normais têm mordomos em suas casas, que são visitadas por encanadores atraentes que seduzem donas de casa entediadas.
Duas das três atuais novelas falam sobre favelas, mas há pouca semelhança com a realidade. Politicamente, elas têm uma inclinação conservadora. “A Regra do Jogo”, por exemplo, tem um personagem que, em um episódio, alega ser um advogado de direitos humanos que trabalha para a Anistia Internacional visando contrabandear para dentro dos presídios materiais para fabricação de bombas para os presos. A organização de defesa se queixou publicamente disso, acusando a Globo de tentar difamar os trabalhadores de direitos humanos por todo o Brasil.
Apesar do nível técnico elevado da produção, as novelas foram dolorosas de assistir, com suas altas doses de preconceito, melodrama, diálogo ruim e clichês.
Mas elas tiveram seu efeito. Ao final do dia, eu me senti menos preocupada com a crise da água ou com a possibilidade de outro golpe militar –assim como o leão apático e as mulheres vazias das novelas.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Video sobre amizade nas mídias eletrônicas sociais

Primeiro foi veio a decisão do TRT da 2ª Região sobre o valor da amizade nas redes sociais como meras superficialidades, citada no excelente artigo abaixo. 
Depois recebi o vídeo que expõe bem as problemática. Bom proveito! 

Jornal Valor Econômico
Uso de rede social como elemento de prova
 Por Janielle Fernandes Severo 22/10/2015 ¬ 05:00

O uso da internet e das redes sociais é uma importante ferramenta para as empresas, que fazem o monitoramento para saber o que os consumidores pensam sobre produto, serviço e empresa. E mais: é uma ferramenta de defesa para as empresas em demandas trabalhistas. Parece estar consolidado o entendimento de que a informação divulgada nas redes sociais pode ser usada como prova, inclusive para fins de contradita de testemunhas. O artigo 829 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) evidencia que o depoimento da testemunha que for parente até o terceiro grau civil, amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes só "valerá como simples informação". Se antes do advento das mídias sociais era difícil saber os laços que uniam a testemunha à parte que a indicou, com as redes essa informação ficou mais fácil. Por isso, esta ferramenta tecnológica tem sido usada para comprovar a suspeição ou o impedimento de testemunhas. Contudo, as informações disponibilizadas nas redes sociais devem atender às normas processuais que regulam a produção de provas em juízo, não gerando presunção absoluta. É necessário saber que "as amizades fixadas no âmbito das redes sociais criadas na internet não se afiguram no relacionamento humano como tal, senão sendo meras superficialidades, próprias dos 'conhecidos', pois a nomenclatura 'amigo' adotada pelas redes não se confunde com a afetividade própria do relacionamento humano" (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, no RO 4583620115020, relatado pelo desembargador Celso Ricardo P. F. de Oliveira). Um reclamante que alegava ter sofrido danos morais, materiais e estéticos em decorrência de um suposto acidente de trabalho teve seu pedido de indenização indeferido, pois ficou provado que ele postara uma foto dando conta de sua rápida recuperação e a ausência de deformação no membro afetado. Em 2014, o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, no julgamento do RO 0000656-55.2013.5.15.0002, da relatora desembargadora Patrícia G. P. Martins, analisou uma demissão por justa causa que teve como fundamento as "curtidas" feitas por obreiro nos comentários postados por um ex¬funcionário no Facebook. O tribunal concluiu que "se sabe o alcance das redes sociais, isso sem contar que o recorrente confirma que outros funcionários da empresa também 'eram seus amigos' no Facebook" e "que a liberdade de expressão não permite ao empregado travar conversas públicas em rede social ofendendo a sócia proprietária da empresa, o que prejudicou de forma definitiva a continuidade de seu pacto laboral, mormente quando se constata que seu contrato de trabalho perdurou pouco mais de quatro meses". É comum a reclamação das empresas de que seus empregados perdem tempo acessando as redes sociais e o Whatsapp para fins pessoais, prejudicando o desempenho profissional. Mas podem os empregadores controlar isso no horário de trabalho? Os empregados, por sua vez, reclamam que o Whatsapp e congêneres os obrigam a permanecer trabalhando e a disposição de seus empregadores, após o término do expediente. Isso seria suficiente para caracterizar labor extra jornada? Por se tratarem de situações novas e polêmicas, ainda não há uma posição consolidada, sendo possível, apenas por analogia, traçar¬se um panorama sobre essas indagações. Se o uso de smartphones durante a jornada de trabalho para fins pessoais for desproporcional e de fato comprometer o desempenho, isso pode configurar a desídia do empregado e até a sua demissão por justa causa, no caso de conduta reiterada do empregado, em especial se ele já tiver sido advertido e suspenso por tal motivo. Ao usar o aplicativo Whatsapp fora do horário de trabalho para fins laborais, caberia, em tese, a aplicação da Súmula 428 do TST: "O uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso", considerando¬se em sobreaviso o empregado que, submetido a controle patronal por tais equipamentos, permanece "em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso". Assim, o mero ato de responder a questões simples (onde se encontra um documento, por exemplo), não implicará labor em sobrejornada, mas se o empregado está à disposição do empregador para atender clientes, realizar consultas por meio do Whatsapp, perpetuando suas atividades laborais com o uso deste app e sob a ingerência de seu empregador, poderá haver reconhecimento de labor em jornada extraordinária. Enfim, o importante é que haja prévio acordo entre empregados e empregadores sobre o uso do Whatsapp ou de quaisquer outras mídias sociais para evitar eventuais litígios decorrentes desse uso e deixar todos cientes de que as informações disponibilizadas nas mídias sociais e aplicativos poderão ser utilizados como meio de prova em juízo, pois "todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, são hábeis para provar a verdade dos fatos" (artigo 332 do Código de Processo Civil). Janielle Fernandes Severo é advogada do escritório Rocha Marinho e Sales Advogados

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Crítica à formalização da família poliafetiva

Jornal Valor Econômico – Legislação & Tributos – 04.11.2015 – p. E2


Por Luiz Kignel
04/11/2015 ­ 05:00

Há alguns dias, o direito de família recebeu uma provocação jurídica: a notícia da formalização ­ por meio de escritura pública lavrada em cartório de notas da cidade do Rio de Janeiro ­ de uma união estável entre três mulheres. Há quem diga não ser o primeiro caso, se considerada a escritura pública lavrada no ano passado entre um homem e duas mulheres na Comarca de Tupã, Estado de São Paulo. Baseados no princípio da dignidade humana e na premissa de que o conceito de família é plural e aberto, ambos os trios seriam reconhecidos como famílias poliafetivas. Como sustentação dessa inovação familiar, os defensores da ideia alegam que as relações homoafetivas indicaram uma nova visão do conceito de família, abrindo margem a aceitação das relações tripartites.

A vinculação me parece descabida. A união entre homem e mulher, tal qual a união homoafetiva, respeita o princípio da família monogâmica. As relações pelo casamento civil ou união estável não podem ser plurais. Valerse da aceitação da união estável homoafetiva para abraçar a tese da família poliafetiva é diminuir a conquista da união entre pessoas do mesmo sexo, como se para elas tudo fosse permitido. Os conviventes homoafetivos, reconhecidos e respeitados pelo ordenamento jurídico pátrio, também buscam a família monogâmica, tanto que conquistaram o seu reconhecimento como entidade familiar.

Se do ponto de vista do direito constitucional a família poliafetiva é indefensável e do ponto de vista social ­ e não estritamente jurídico ­ possa causar arrepios, há muitas questões que não foram enfrentadas pelos defensores da nova tese: optando o trio pelo regime da comunhão parcial de bens disposta no artigo 1.725 do Código Civil, como se define meação entre três pessoas? Divergindo o trio do exercício do poder familiar sobre os filhos comuns as decisões serão tomadas por "maioria simples" ou fica assegurado ao dissidente recorrer ao juiz para solução do desacordo fundado no parágrafo único do artigo 1.631 do Código Civil?

Já se o primeiro convivente pretender dissolver a união estável por não desejar manter vínculos com o segundo convivente, mas esse segundo segue apaixonado pelo terceiro convivente que, por sua vez, não quer perder o vínculo com o primeiro convivente, como será feita a dissolução parcial da união estável? No falecimento, os parentes suscetíveis de herança em segundo grau de um companheiro falecido excluem os parentes suscetíveis de herança em terceiro grau de outro companheiro falecido por força do disposto no artigo 1.840 do Código Civil?

A Lei nº 6.515, de 1977, promulgada após incansáveis 20 anos de luta do senador Nelson Carneiro, revogou o conceito da indissolubilidade do casamento civil, apagando o desquite de nosso ordenamento jurídico e instituindo o divórcio. O artigo 226 da Constituição Federal de 1.988 trouxe nova luz ao direito de família admitindo a necessária proteção do Estado aos que optaram pela união estável. E mais recentemente, pelas mãos do Judiciário, foi reconhecido o direito dos casais homoafetivos, seja no formato de união estável ou casamento civil. Em todos esses avanços se defendia a família originada em duas pessoas desimpedidas e, mais recentemente, sem distinção de sexo.

Não há fundamentação jurídica nem desejo social de uma ruptura do conceito monogâmico que segue prevalecendo em nossa sociedade que, não por isso, segue igualitária e pluralista. Ser igualitário é também reconhecer a necessidade de se impor limites, não ao debate ­ como aqui se faz ­, mas ao sabidamente aceitável dentro de uma sociedade maior. É na lembrança da figura do médio cidadão romano que conhecemos a razoabilidade do indivíduo que, longe do tecnicismo e do conhecimento das leis, sabia o limite dos direitos, mas também das obrigações para a convivência em sociedade.

Não se entenda deste artigo a intenção de sugerir vedar a três ou mais pessoas (por que não?), o pleno direito de decidirem sua própria felicidade vivendo sob o mesmo teto, formando patrimônio comum e tornando­se compromissadas da forma que melhor lhes aprouver. Certamente encontrarão no direito brasileiro os instrumentos jurídicos que lhes garantam expressar sua livre manifestação de vontade. Disto salta enorme distância ao pretenderem inovar no direito de família para não mais ampliar, como corretamente se fez no reconhecimento das uniões homoafetivas, mas sim introduzir um formato de família poliafetiva sem qualquer amparo nos princípios resguardados pela nossa Constituição Federal.

Os que pugnam pela família poliafetiva certamente poderão se valer de estruturas societárias para gestão do patrimônio comum e de declarações recíprocas no âmbito do direito contratual para instituírem direitos e obrigações sobre os quais poderão livremente dispor. Podem e devem fazê­lo, com os nossos mais sinceros votos que, respeitando o direito de família, sejam contratualmente felizes.


Luiz Kignel é sócio do escritório PLKC advogados, professor convidado do curso de preparação de herdeiros da Fundação Getúlio Vargas (GVPEC­SP) e, professor convidado do curso de empresas familiares da GVLaw­ São Paulo.

Registre as histórias, fatos relevantes, curiosidade sobre Paulo Amaral: rasj@rio.com.br. Aproveite para conhecê-lo melhor em http://www2.uol.com.br/bestcars/colunas3/b277b.htm

Eis o veículo (Motorella) que tenho utilizado para andar na ciclovia da Lagoa e ir ao trabalho sem suar