sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Questionamento sobre a necessidade de um novo Código Comercial

Jornal Valor Econômico - Legislação & Tributos - 16.12.2011 - E2 Precisamos de um novo código comercial?   Por Luciano Benetti Timm   Está em tramitação no Congresso Nacional o projeto de um novo código comercial (CCo). Os juristas estão divididos, em primeiro lugar, se há necessidade desta codificação. Em segundo lugar, as posições são divergentes a respeito do texto deste CCo.   "First things first", como dizem os norte-americanos. Antes de se chegar aos artigos do código, há metologicamente que se discutir sua pertinência. Diz o autor do anteprojeto, professor Fabio Ulhoa Coelho, que há de se coser os princípios do direito comercial, os quais estão esfacelados e que devem manter sua autonomia frente ao direito civil. Isso é verdade?   Na família jurídica romano-germânica, seria possível se dizer que, historicamente pelo menos, ambos foram espécie do direito privado, isto é, surgiram diante de necessidades para viabilizar as trocas econômicas de seu tempo. O direito civil viabilizou a atividade comercial dos romanos em período clássico e, o direito comercial, dos mercadores da idade média. Fosse o direito civil flexível o suficiente, não teria surgido a premência de um ramo próprio do direito privado, que atendeu a um novo sistema econômico desconhecido e mais sofisticado que o dos romanos: o capitalismo comercial - sabidamente o sistema econômico romano era escravocrata e agrícola e produção centrada na "casa".   Este pluralismo jurídico perdurou até que esses ramos do direito privado foram codificados na França napoleônica em duas obras legislativas, o Código Civil e o Comercial. Novamente há que se reconhecer que os princípios de ambos subsistemas do direito privado eram distintos; do contrário haveria um só código. E daí esse modelo binário se espalhou pelo mundo romano-germânico (com pouquíssimas exceções que mais confirmam a regra). E, em alguns países inclusive contando o direito comercial com jurisdição própria (tribunais comerciais).   Essa realidade normativa assim permaneceu até que juristas italianos (sobretudo do início do século XX) do entrelaçamento desses dois campos do direito privado. A Itália é que rompe com aquela tradição da civil law e cria um Código Civil unificando o direito privado e tratando o direito comercial (a partir de então empresarial) dentro do âmbito regulatório do Código Civil de 1942.   Dogmática jurídica à parte (pois sempre se pode criar argumentos jurídicos para defender posições políticas com base de autores de peso), o grande objetivo por trás disso parecia ser o de engessar a atividade empresarial e submetê-la aos interesses corporativos do Estado fascista. Basta a leitura do Programa do Partido Fascista para lá encontrar a funcionalização social da empresa, da propriedade e dos contratos e seu espelho no Código Civil italiano de 1942. A partir de então, a livre iniciativa teria de ser controlada e ceder ao escrutínio do "interesse social".   Os demais países da família romano-germânica não embarcaram nesse navio da unificação e mantiveram incólumes seus códigos comerciais de índole "liberal" do século XIX. Não que não tenham havidos projetos nesse sentido na Alemanha nazista, como relata Enzo Roppo (1988). Mas eles naufragaram.   O Brasil, até o momento, foi o único a seguir a Itália e unificou o tratamento legislativo do direito privado em 2003. A partir de então, estaria revogada toda a parte principiológica do Código Comercial de 1850 e a empresa passaria a ser regulada no Código Civil. Não se devem estranhar dispositivos análogos entre o Código Civil brasileiro e o italiano. Ambos são recheados de funções sociais de institutos de direito privado. Isso por si só é ruim. Mas o pior não foi isso.   O golpe de misericórdia ao núcleo duro do direito civil foi a sua "constitucionalização", isto é, a tentativa de importar critérios de direito público (isto é, elementos de justiça distributiva no âmbito da justiça corretiva). Assim, todos os institutos de direito privado (empresa, propriedade, contrato) deveriam sucumbir à "dignidade da pessoa humana".   Não cabe discutir aqui se isso é bom para o direito civil (provavelmente não o é), mas certamente isso é péssimo para o direito empresarial. E isso não por qualquer teoria jurídica, mas por puro realismo. O "fenômeno" normativo não pode ser muito diferente do mundo da vida.   Nesse sentido, o que deve ser uma empresa (juridicamente) não deve ser muito diferente do que é uma empresa concretamente.   Afinal, o que é uma empresa? Longe de um sonho de verão, no mundo empírico que vivemos, uma empresa é organização que reduz os custos de transação de mercado. Ao invés de os agentes econômicos atuarem individualmente no espaço público do mercado, eles se organizam para aumentar a eficiência de suas relações contratuais (SZTAJN & ZYLBERSZTAJN, 2005). Sua regulação é necessária e deve ser feita por órgãos específicos como a CVM, o Cade e outras agências reguladoras que detêm conhecimento na atividade econômica em jogo, mas não pelo direito privado.   Nesta esteira, faz todo o sentido separar a atividade da empresa de um Código Civil inspirado numa ideologia ultrapassada e criar um novo código para a atividade empresarial voltado ao presente.   A questão mais complicada e que ficará para um segundo artigo é se este código comercial responde às necessidades da empresa brasileira do século XXI.   Luciano Benetti Timm é advogado, doutor em direito na UFRGS. Pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Berkeley, Califórnia, professor do Programa de Pós Graduação da Unisinos/RS.

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