segunda-feira, 29 de abril de 2013

Aromas e sabores do vinho

Valor Econômico – EU & Estilo – 29.04.2013 – p. D6


Quando é que a banana está no vinho? E a manteiga?

Por Rodrigo Uchoa
De São Paulo

Vira e mexe, alguém mostra espanto com as notas descritivas de um vinho ou de uma cerveja. Aromas de azeitona e de salmoura? Banana? Manteiga? Há tanta coisa assim numa simples taça de vinho que, no fim das contas veio da uva? Que tipo de cereal poderia fazer de uma cerveja algo tão complexo?

Por mais estranho que isso possa parecer, essas descrições deveriam servir para facilitar a vida dos consumidores. Como? Apelando para frutas, flores e substâncias conhecidas.

Que tal falarmos hoje de vinho?

Antigamente, as descrições feitas pelos críticos e connoisseurs eram por demais poéticas: "um claret que lembra o toque feminino de um voile de seda"; "um borgonha que se descortina com a brisa da manhã"; etc. Hoje em dia, a cultura do vinho está muito mais globalizada e os consumidores exigem referências mais objetivas.

Mas como fazer isso?

Bem, vamos "começar pelo começo". Todo vinho é um fermentado de uva que tem basicamente água (de 85% a 90%), alcoóis (de 7% a 24%, incluindo aí etanol, glicerol, metanol etc.) e açúcares (de 0% a 15%, incluindo glicose, frutose, xilose etc.). Além disso, há ácidos (o málico, o cítrico e o tartárico, que vêm da uva; e o succínico, o lático e o acético, entre outros, que vêm da fermentação), fenóis (taninos, antocianinas e flavonas), ésteres (que são o resultado de um ácido e um álcool), sais minerais etc.

Ao descrever, por exemplo, um vinho feito no Chile com a casta chardonnay, é bem possível que o degustador vá encontrar notas amanteigadas e aromas de abacaxi. Pois há aí a formação de ácido lático (notas amanteigadas) e de butanoato de etila (um éster que tem aroma de abacaxi).

Ao falar de um vinho vindo de Beaujolais com a uva gamay, certamente encontrará notas de banana. Há banana amassada no meio do vinho? Claro que não! A característica desses beaujolais é ter acetato de isoamila, o éster que dá o forte aroma de banana.

E que tal um vinho de Bordeaux com "cheiro de suor animal"? Há aí uma indicação da presença de uma levedura chamada Brettanomyces. Para algumas pessoas, isso poderia indicar defeito no vinho; para outras, isso lhe confere certo charme, traz mais complexidade.

A característica mais notável de bons vinhos do Rhône feitos com a uva syrah são as notas de azeitona e salmoura. Busca-se aí dar um perfil aromático que realmente faça sentido para consumidor. E os exemplos se seguem "ad infinitum".

Cá entre nós, é mesmo melhor falarmos de aromas de framboesa do que de aromas que são consequência da presença de formato de isobutila, não é? Ou falarmos de tons florais de rosa ou de gardênia, em vez de etanoato de etila ou de nonilato de etila. Há concentrações ínfimas desses ésteres, mas fazem toda a diferença no vinho.

Agora, como é que o degustador chegou a isso tudo? Ele teria experiência em laboratório de química para reconhecer esses elementos? Pode até ter, mas aí normalmente há uma pegadinha. Cada pessoa reconhece em níveis diferentes os sabores e aromas. Há muita gente que tem pouca sensibilidade para o amargo; outras sentem o amargor com muito mais facilidade - e isso acaba se sobressaindo para essa pessoa em particular. E há a questão de nos orientarmos inconscientemente para achar os sabores que mais gostamos, para apreciá-los, ou para procurar os que mais odiamos, para evitá-los.

Moral da história? Às vezes é melhor relaxar e tentar identificar essas notas descritivas no seu vinho. Se não as achar, a culpa pode ser de quem lhe fez a sugestão. Mas aí você terá a oportunidade de achar muito mais nuances por conta própria. Boa sorte.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Milagres da Grappa

Valor Econômico – EU & Estilo – 24.04.2013 – p. D6


Grappa, 'milagre' italiano em tempos de crise

Por Aimée Luchard
De Bassano del Grappa, Itália

Prateleira de 3 mil miniaturas de grappa no museu mantido pela destilaria Poli, em Bassano del Grappa

Reza um provérbio italiano que uma barrica de vinho produz mais milagres do que uma igreja cheia de santos. Em tempos de incertezas políticas e crise econômica, o ditado tem um fundo de verdade. Pelo menos, no que diz respeito à grappa. A aguardente italiana, produzida a partir de bagaço de uvas, virou produto de grife e ganhou o mundo. Anualmente, são produzidos 40 milhões de garrafas ou o equivalente a 20 milhões de litros da bebida. De janeiro a setembro de 2012, segundo dados do Instituto Italiano de Estatística (Istat), a exportação de grappa subiu globalmente 16% em relação ao mesmo período do ano anterior e o consumo do produto engarrafado cresceu 10% tanto na Itália quanto no exterior.

Na União Europeia, os alemães compraram mais 11% e os holandeses mais 3%. Fora da zona do euro, o Canadá foi responsável por um aumento de 14% nas importações do destilado. Embora no Brasil o forte não sejam as estatísticas, por aqui também a bebida vai ganhando apreciadores desde que desembarcou em 2006 pelas mãos de vinícolas nacionais interessadas em diversificar opções, como a Miolo e a Casa Valduga, que distribuem rótulos próprios. No eixo São Paulo-Rio, restaurantes estrelados têm a grappa nos cardápios assim como cafeterias sofisticadas já a acrescentam ao café, como é hábito no país de origem.

Turista passa por um olfatômetro no museu

A história revela que a grappa é produzida desde o século XI, nas regiões frias do Vêneto, no norte da Itália. Inicialmente, restos de sementes, cascas e talos de uvas de inúmeras variedades, ou seja, o resíduo da vinificação, conhecido como vinhaço (vinaccia), era aproveitado pelos produtores de vinho no preparo de uma bebida para se aquecerem no inverno. Com muitas impurezas, tinha ardor sufocante. Ao longo do tempo, com mais cuidado dos viticultores no envelhecimento e a utilização de uma só casta de uva, a qualidade melhorou. O aprimoramento na produção da grappa começa já a partir da colheita - as uvas mais perfumadas passaram a ser escolhidas, dando à bebida um aroma mais genuíno. Numa etapa subsequente, apenas as sementes e cascas dessas uvas passaram a ser prensadas em um período de 8 a 15 dias. Nos dias de hoje, a destilação é feita por um sistema de vapor direto, em alambiques de cobre, onde posteriormente o líquido descansa por três meses, no mínimo, para adquirir maciez e equilíbrio de aroma. O resultado é uma mistura forte, com teor alcoólico que varia de 40% a 50%, semelhante à nossa cachaça.

A semelhança para por aí. A grappa é um produto protegido e regulamentado por leis italianas e da União Europeia. Uma resolução de 1989 do Conselho Europeu determinou que só podem receber o nome de grappa os destilados produzidos com uvas cultivadas, vinificadas e destiladas em nove regiões específicas da Itália. O Instituto Nacional da Grappa tem a finalidade de proteger a bebida, que é italiana "por tradição, cultura e direito".

Tonel também exposto no museu

Em toda a Itália, existem 130 destilarias de grappa. Na região do Vêneto, no nordeste do país, funcionam 45, sendo que 5 das quais na Província de Vicenza. Tal como nos tempos remotos, a cidadezinha medieval de Bassano del Grappa, na mesma Província, tem o nome ligado indelevelmente à bebida. Ela começou a ser consumida pelos "alpinis", soldados treinados para combater na neve, aquartelados ao pé do Monte Grappa, durante as duas guerras mundiais. Depois, espalhou-se pelas redondezas. Lá funciona a Poli, uma das mais antigas destilarias do Vêneto. Jacopo Poli, atual presidente da empresa e bisneto de Giobatta Poli, que a fundou em 1898, dá a receita para obter uma boa grappa. "É simples: bastam vinhaços frescos e cem anos de prática." Visitar o Museu de la Grapa, mantido pela destilaria e abrigado numa construção do século XV no centro do vilarejo, é mergulhar num mundo de histórias, aromas e arte perdidos no tempo. A exceção do dia de Natal, Ano Novo ou domingo de Páscoa, os únicos dias em que fecha, está sempre cheio. De turistas estrangeiros e italianos das regiões vizinhas ávidos em conhecer mais sobre essa aguardente única.

Vista da cidade italiana

A diretora Bárbara Tessarolo tem na ponta da língua a explicação para os visitantes intrigados pelo fato de a bebida ser feita de restos: "O álcool etílico ferve a 78,4 graus e não a 100 graus como a água. Nesse processo de retificação, todas as substâncias desagradáveis são eliminadas". Com indisfarçável orgulho, ela mostra as vitrines com aproxidamante 3 mil miniaturas de garrafas comercializadas nas mais variadas regiões da Itália: Piemonte, Cinque Terre, Padova, Friuli... Cada uma mais bonita que a outra! Bárbara Tessarolo informa ainda que a destilaria segue a tradição de utilizar o vidro soprado para as garrafas. Vidreiros de Veneza são os atuais fornecedores da marca. Estão expostos também tonéis, caldeiras, pipetas e uma série de utensílios próprios para a produção da grappa. O mais raro tesouro do acervo é o livro "Liber de arte distillandi", datado de 8 de maio de 1500, o primeiro texto impresso sobre destilação de grappa de que se tem notícia. Na última sala, fileiras com 20 olfatômetros são uma atração à parte. "As grappas aromatizadas fazem sucesso em qualquer parte do mundo", Tessarollo justifica. Ninguém resiste a um fungada básica para sentir o cheiro do que se degustará mais tarde. Mel, mirtilo, café, chocolate ou bombardino são algumas das opções.

Na lojinha do museu, a escolha é ampla tanto em sabores quanto em preços. A bebida mais barata, de pura semente, fica na faixa de € 12 (R$ 32). A mais cara, a grappa di Sassicaia, com uvas cabernet franc e envelhecida por quatro anos em barris de carvalho, atinge os € 180 (R$ 470). Achou caro? Ledo engano. Na última Páscoa, faltou produto nas prateleiras.

Abrafigro contra MPF

Valor Econômico - Agronegócio - 24.04.2013 - p. B11
Abrafrigo vai à Justiça contra o Ministério Público Federal

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Por Luiz Henrique Mendes
De São PauloA Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo) ajuizou na segunda-feira uma ação contra o Ministério Público Federal (MPF) na Justiça Federal de Brasília.

A entidade questiona o processo que o MPF moveu na semana passada contra 26 frigoríficos dos Estados de Mato Grosso, Rondônia e Amazonas pela compra de gado bovino criado em área irregular no bioma amazônico. O MPF requereu na Justiça uma indenização de R$ 556, 9 milhões desses frigoríficos.

Em comunicado, a Abrafrigo diz que as medidas tomadas pelo MPF contra os frigoríficos são "terroristas, coercitivas e abusivas". De acordo com a entidade, o MPF "constrange" as indústrias de carne bovina a assinarem Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) "inexequíveis".

"O MPF está coagindo as empresas para que assinem os acordos para livrá-los desta ação e, ao mesmo tempo, promove um terrorismo comercial ao divulgar que quem não assinar as TACs deixará de comercializar seus produtos", afirma o presidente da Abrafrigo, Péricles Salazar, no comunicado divulgado.

A entidade ressalvou, entretanto, que não é contra a punição dos frigoríficos que adquiriam gado em áreas irregulares. Segundo o MPF, as 26 unidades de abate denunciadas compraram cerca de 55 mil bois criados em áreas irregulares desde 2009. "Não somos contra a punição contra quem adquiriu estes animais, e sim contra o terrorismo comercial praticado pelo MPF", afirma a Abrafrigo.

Para combater a aquisição de bovinos originários de áreas embargadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a associação defende que o órgão ambiental repasse a lista dessas áreas para as secretarias estaduais de Agricultura, responsáveis pela emissão das Guias de Trânsito de Animais (GTAs).

Com essa medida, de acordo com a Abrafrigo, as secretarias poderiam negar a emissão de guias para os animais criados em áreas irregulares.

Aumento do número de mestres no Brasil

Valor Econômico – EU & Carreira – 22.04.2013 – p. D3


Aumenta o número de mestres no país

Por Rafael Sigollo
De São Paulo

O número de títulos de mestrado concedidos a cada ano no Brasil evoluiu de 10.389, em 1996, para 38.800, em 2009, o que representa um crescimento acumulado de 273,5% e média anual de 10,7%. Os programas desse tipo, por sua vez, passaram de 1.187 para 2.679 durante o mesmo período. A constatação faz parte de um levantamento inédito realizado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), organização social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, que será divulgado hoje em Brasília.

Na opinião de Mariano Laplane, presidente do CGEE, os dados são animadores, mas devem ser vistos com cautela. Isso porque parte expressiva dessa expansão se deve à contribuição dos cursos vinculados às instituições particulares, que passaram de 13,3% para 22,4% do total dos títulos durante os 13 anos contemplados no estudo. O problema, de acordo com ele, é que essas universidades se concentram essencialmente em áreas do conhecimento que exigem investimentos menores em infraestrutura laboratorial como ciências sociais aplicadas, letras e artes - o que não é exatamente o que o mercado precisa no momento.









"Estamos formando mestres em grande quantidade, mas a proporção entre os cursos ainda não é a mais adequada para a nossa atual realidade", afirma. Para Laplane, a indústria nacional tem uma grande demanda por mão de obra altamente qualificada em exatas, capaz de desenvolver projetos de infraestrutura, melhorar a produção de bens e serviços e aumentar a competitividade do país. "A inovação não vem somente da compra de máquinas e equipamentos modernos. É um processo que precisa ser impulsionado por profissionais sofisticados, que possam agregar valor e conhecimento a sua atividade produtiva", afirma.

No entanto, o presidente do CGEE ressalta que já há sinais de melhora. Os títulos de mestrado concedidos em engenharia, por exemplo, saltaram de 1.594, em 1996, para 4.986, em 2009. "O impacto de iniciativas recentes, como o programa Ciência Sem Fronteiras, vão aparecer no próximo estudo", afirma.

Outro ajuste esperado é a maior entrada de mestres na iniciativa privada, que já aumentou de 16,68% em, 1996, para 25,79%, em 2009. No mesmo período, os que atuam na administração pública federal, por exemplo, diminuíram de 29,64% para 16,10%. Além disso, quatro em cada dez titulados trabalham no próprio segmento de educação, o que Laplane considera natural devido ao recente aumento do número de universidades e cursos no país. Segundo ele, o índice, embora alto, é menor que o de doutores. Nesse caso, o setor de educação absorve oito em cada dez titulados.

Um dos principais fatores que têm ajudado a inserir mais mão de obra qualificada no mercado são os cursos de mestrado profissional. Criados há poucos anos, eles têm por objetivo a formação com ênfase nos princípios de aplicabilidade técnica, inovação e valorização da prática. Entre os titulados em 2009, apenas 8% concluíram esse tipo de programa. Ainda assim, a proporção dos mestres profissionais na indústria de transformação é 2,5 vezes a dos mestres acadêmicos - e a remuneração, cerca de 40% maior. "A pós-graduação brasileira está tomando um novo rumo. Ela transcende os limites da formação essencialmente voltada para a academia", afirma.

Os mestres titulados no país durante os 13 anos contemplados no levantamento receberam remuneração média de R$ 6.468 em dezembro de 2009. Vale destacar, contudo, que grande parte deles tem mais de um vínculo empregatício e esse valor corresponde à soma de todos eles. As áreas que superam essa média com mais folga são ciências sociais aplicadas (R$ 9.106) e engenharias (R$ 7.789).

De acordo com o presidente do CGEE, o Brasil construiu nos últimos anos um sistema educacional de pós-graduação que se tornou referência na América Latina, deixando para trás, tanto em quantidade como em qualidade, países como México, Chile e Argentina, que tinham muito mais expressão nesse cenário.

Segundo Laplane, portanto, a publicação "Mestres 2012: demografia da base técnico-científica brasileira", serve não apenas para reconhecer os avanços do Brasil nesse sentido, mas para guiar as futuras ações, políticas e projetos das esferas pública e privada no que diz respeito à formação e inserção de mestres no mercado de trabalho. "Estamos no caminho certo, mas é preciso persistir", afirma.

Vinhos do Sul de MInas Gerais

Valor Econômico – Eu & Estilo – 22.04.2013 –  p. D6

A nova fronteira vitivinícola do Brasil será o Sul de Minas?

Por Marcos de Moura e Souza
De Belo Horizonte

Vista da região cafeeira do sul de Minas, que tem uma topografia que lembra a Toscana

Uma nova técnica de poda de videiras produziu seu primeiro resultado no interior de Minas Gerais. É um vinho tinto fino chamado Primeira Estrada, feito 100% com uva syrah, que começou a ser vendido em janeiro. Está em lojas e restaurantes de Belo Horizonte, Rio e, por enquanto, no mercadão municipal, em São Paulo. Não é um produto comum. Sua história começou no início da década passada quando o pesquisador mineiro Murillo de Albuquerque Regina, um especialista em viticultura com PhD em Bordeaux, começou a maturar a ideia de que seria possível desenvolver uma técnica que alterasse o ciclo de produção da videira. O objetivo: produzir vinhos de qualidade na região Sudeste.

Quem logo se empolgou com a ideia foi Marcos Arruda Vieira, médico, amante do vinho, dono de uma fazenda em Três Corações, no sul de Minas, onde cultiva café. Ele cedeu parte de suas terras para as pesquisas. Regina, que é pesquisador da Epamig, fez da ideia um projeto científico com apoio de órgãos públicos. A Fapemig e o CNPQ já investiram desde 2003 cerca de R$ 300 mil no projeto.

Quando as pesquisas começaram, vinhos de melhor qualidade no Brasil saíam do Sul. Fora dali, havia a produção relativamente recente de produção de vinhos tropicais no Nordeste, na região de Petrolina. E só. Mas Regina, que é do sul de Minas, passou a defender a ideia de que seria possível produzir nas áreas montanhosas de sua região também, por causa da condição muito particular para uvas viníferas. Bastava uma mudança na natureza das uvas.

O resultado: o Primeira Estrada Syrah 2010

O que diz a teoria? Uvas que produzem bons vinhos precisam ser colhidas em regiões onde há dias ensolarados, noites frescas e onde o solo esteja seco. No Piemonte, em Bordeaux, na Borgonha, no Chile, as características são essas, diz o especialista. Um problema sério dos produtores gaúchos brasileiros é que costuma chover na época colheita. Na região de Petrolina, não chove, mas o fato de a temperatura se manter alta mesmo à noite é um ponto desfavorável, diz o mineiro.

Conhecedor do clima e do solo da região do sul de Minas Gerais, Regina apostou que a teoria se encaixava perfeitamente àquelas terras. O único problema é que nas videiras no Sul e no Sudeste normalmente as uvas estão prontas para a colheita entre janeiro e fevereiro, época de chuvas e, portanto, um período ruim para quem precisa de boa matéria-prima.

A saída: inverter o ciclo da produção. "Em vez de colhermos em janeiro e fevereiro, vamos colher em julho e agosto", propôs o pesquisador. Ele esteve à frente das pesquisas que acabaram desenvolvendo uma técnica de dupla poda para as videiras mineiras. Uma poda é feita em setembro e outra em janeiro. Pode parecer banal. Mas não é, diz o especialista. Quanto, como e quando exatamente podar eram as incógnitas. O trabalho de inversão de ciclo rendeu uma tese de mestrado, duas de doutorado e papers em publicações especializadas, um deles na alemã "Vitis", uma das principais revistas científicas da viticultura. A dupla poda é conhecida para moldar a colheita de uvas de mesa à demanda do mercado, por exemplo. Mas, para o vinho fino de mesa, é novidade.

Murillo de Albuquerque Regina, que desenvolveu a técnica para mudar o ciclo das videiras

Regina diz que é a primeira experiência do tipo no Brasil. Em outros países, grandes produtores, como Argentina, Chile, França, Itália, Austrália, África do Sul, a época de colheita não costuma coincidir com época das chuvas.

Em Minas, as mudas de Syrah foram as que logo de cara responderam melhor à técnica. E o pesquisador decidiu então brincar de fazer vinho. Ele e dois viticultores franceses, Patrick Arsicaud e Thibaud de Salettes (os três já são sócios numa empresa de produção de mudas clonadas de videiras), se uniram ao fazendeiro Marcos Arruda e criaram a Vinícola Estrada Real. Isso em 2007. A primeira produção comercial é de 2010; ao todo, 10 mil garrafas. O vinho ficou um ano em barrica de carvalho e mais um ano envelhecendo na garrafa. "Levamos 12 anos para colocar esse vinho no mercado. No ano que vem, chegam outros dois: um sauvignon blanc e um brut", diz Regina. "Inauguramos um novo conceito que é produzir vinho fino no Sudeste brasileiro." Usando a técnica da dupla poda, outros produtores no sul de Minas e no Estado de São Paulo estão investindo em plantio de uvas para a produção de vinhos. Segundo o pesquisador, há vários projetos de 1 hectare a 50 hectares.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Limites das funções das Juntas Comerciais

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 11.04.2013 - p. E2
Junta Comercial, órgão regulador?

Já se tornou monótono e sem resultados escrever e falar acerca do "custo Brasil". O poder público, efetivamente, pouco faz para solucionar os problemas que há décadas dificultam o desenvolvimento do país, bem como impedem a segurança jurídica daqueles que querem investir - estrangeiros ou empreendedores que buscam respeito e garantia para seu negócio.

Sabe-se que um dos entraves é a burocracia para criação de novas empresas, com consequências que se multiplicam e se agravam nos diversos órgãos inscricionais, conforme a atividade escolhida.

De outro lado, na contramão dos reais acontecimentos, assisti-se o mesmo Poder Público alardear perante a mídia que a desburocratização ocorrerá num futuro próximo, sempre por meio de atitudes pontuais e sem nenhum efetivo resultado prático - essa é a triste, nua e crua verdade.

Bem, mas não é essa a tônica que se pretende dar a este artigo. O que se quer abordar é outra questão que também merece destaque, trata-se de uma espécie de dualidade interpretativa em relação à segurança jurídica dos atos societários levados a registro, em especial perante as Juntas Comerciais, assim vejamos.

Está ficando comum, cada vez mais, que os órgãos incumbidos da execução do registro de empresa (as Juntas Comerciais) proponham "ex-oficio" revisão administrativa de arquivamentos societários de contratos anteriormente e validamente registrados.

A aludida revisão administrativa se lastreia no controle material dos atos societários, entrando no mérito das relações entre os sócios, muitas vezes deliberatórias ou até mesmo de cunho pessoal.

Com esta prática, os órgãos registrários consideram que qualquer ato pode ser desarquivado, pouco importando se geraram ou não efeitos, assim como desconsiderando todos os possíveis contratos entabulados com terceiros ou mesmo a publicidade, a eficácia ou a segurança que seu registro gerou.

Quer dizer: para desarquivar um contrato de sociedade basta o critério avaliativo do chefe hierárquico do órgão público, com base no princípio de que a administração pública detém o poder de desconstituir os seus próprios, quando se deparar com algum vício que não foi atentado no momento de seu arquivamento.

Aqui está o problema. As Juntas Comerciais têm suas finalidades definidas em lei e, no que toca ao controle da legalidade do ato societário, suas atribuições se cingem apenas à forma. Em regra, somente ao Poder Judiciário cabe a análise material e a determinação do desarquivamento de contratos societários.

Possibilitar às Juntas examinar problemas de mérito, próprios dos participantes de sociedade, significa invasão de competência.

Fica evidente assim, pelo todo até aqui exposto que o registro de empresa desempenha atribuições específicas de controle formal da legalidade.

Os órgãos registrários consideram que qualquer ato pode ser desarquivado

Todavia, vale ressalvar, que em alguns poucos casos, o órgão incumbido da execução do registro público de empresas pode suspender o arquivamento de atos societários quando constatar indícios de fraude ou simulação do ato registral. Reitere-se, trata-se de medida excepcional e que deve ser subsidiada pela Procuradoria da Junta, com os fundamentos jurídicos próprios - sempre no tocante à formalidade.

Assim, são hipóteses raras onde cabe às partes, algumas vezes vítimas de crimes com repercussões societárias, promover um pedido de suspensão do registro - dirigido ao chefe hierárquico do órgão (presidente), munido de um boletim de ocorrência ou da instauração de inquérito policial - para que a Junta promova a suspensão do arquivamento do ato societário, até posterior determinação judicial, cuja tutela será obrigatoriamente provocada pela parte lesionada.

O procedimento, nesse caso, deve ser encaminhado ao Plenário da Junta Comercial para que o Colegiado ratifique a decisão do presidente, por meio de seus Vogais, representantes da sociedade civil organizada, quanto à suspensão ou não do ato, devendo o Poder Judiciário por último definir se deve ou não desarquivá-lo. Aliás, sobre o assunto há decisão do Supremo Tribunal Federal (STF): "não tem, portanto, o registro de empresas o poder de desarquivar os atos societários definitivamente arquivados, ainda que venha a concluir, posteriormente, pela sua ilegalidade. Somente o Poder Judiciário poderá fazê-lo. O Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de acolher essa linha de entendimento". (Decisão Unânime do STF, Recurso Extraordinário nº 79.432 - AM, Primeira Turma, publicado na RTJ nº 72, pg. 280).

Refogem, pois, às atribuições do registro os conflitos dos sócios ou de mérito deliberatório. Aumentar indiscriminadamente suas atribuições através do desautorizado expediente de interpretação da lei ou da doutrina - por sua assessoria ou mesmo sua consultoria jurídica -, seria o mesmo que substituir a própria função do Poder Judiciário.

É oportuno asseverar que qualquer justificativa para o desarquivamento impróprio de um contrato de sociedade seria reconhecer a função jurisdicional e contenciosa do registro de empresa, o que não nos parece adequado e não contribui para o desenvolvimento da atividade negocial.

Retornando, assim, ao início do texto, repensar as atuais finalidades e atribuições do registro, estipulando e definindo seus limites, aperfeiçoará a organização empresarial que tem como resultado a efetiva segurança jurídica e, via de consequência, a redução do "custo Brasil", para benefício da atividade negocial e sua continuidade.

Armando Luiz Rovai é doutor pela PUC-SP, professor de direito comercial do Mackenzie e da PUC-SP, ex-presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo e presidente da Comissão de Acompanhamento do Projeto do Novo Código Comercial da OAB-SP

quarta-feira, 10 de abril de 2013

A repreensão do Ministro Joaquim Barbosa

Jornal Estado de São Paulo - 10.04.2013


A raspança do presidente do STF


A raspança do presidente do STF

Numa iniciativa inédita na histó- ria do Judiciário, o presidente doSupremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, cobrou dos presidentes das três principais associações de juízes maior responsabilidade em suas reivindicações e manifestações públicas. “Os senhores não representam o Conselho Nacional de Justiça. Os senhores não representam o Superior Tribunal de Justiça. Os

senhores são representantes de classe. Só isso”, disse ele.

O motivo da reprimenda foi a Emenda Constitucional que cria quatro novos Tribunais Regionais Federais (TRFs), aprovada pelo Congresso. A mais alta Corte do País era contra essa

medida, que praticamente duplica a segunda instância da Justiça Federal. Apesar disso, a Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação dos Juízes

Federais (Ajufe) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho se mobilizaram em favor da PEC, que foi aprovada sem que órgãos de cú- pula do Judiciário fossem ouvidos pelo Congresso.

Para Joaquim Barbosa, a PEC foi aprovada graças a “pressões feitas na surdina por entidades que não representam a Nação, mas apenas interesses corporativos”. O ministro também acusou as associa-

ções de juízes de induzirem os medida “irresponsável”, pois a criação dos TRFs não tem justificativa técnica e aumenta as despesas de custeio da Justiça Federal em mais de R$ 1,3 bilhão. Na audiência com o presidente do STF, os dirigentes das associações cometeram a imprudência de levar acompanhantes – e quando um deles tentou justificar a expansão da Justiça Federal, Barbosa passou-lhe uma descompostura.

“A Constituição não dá poderes à Ajufe. Isso não faz parte das exigências constitucionais.

Não confunda a legitimidade que o senhor tem como representante sindical com a legitimidade dos órgãos de Estado.

Órgãos importantes do Estado não se pronunciaram sobre a PEC. Vocês participaram de forma sorrateira na aprovação dela”, disse o ministro.

No STF, como nos demais Poderes, as audiências costumam ser fechadas. Quando autorizou a presença da imprensa nesse encontro, Joaquim

Barbosa pretendia que suas crí- ticas ao corporativismo da magistratura fossem ouvidas por todos seus 17 mil integrantes.

O ministro também não fez questão de esconder sua irrita- ção com a Ajufe. Às vésperas da votação da PEC, a entidade distribuiu uma nota informando que o número de juízes federais de 1.º grau cresceu 668%, nos últimos quinze anos, enquanto o número de desembargadores aumentou 89%.

O presidente do STF chegou a encaminhar aos dirigentes do Congresso um ofício refutando essas informações e afirmando que o aumento das despesas da Justiça Federal fere a

Lei de Responsabilidade Fiscal. Advertiu para o risco de inchaço do Judiciário. E lembrou que os cinco TRFs já existentes têm 36,4 mil servidores – quantidade que classificou como “exagerada”. Na audiência com os presidentes das associa-ções de juízes, Barbosa aumentou o tom das críticas, afirmando que, além de serem instalados “em resorts e praias”, os

novos TRFs “darão emprego pelo quinto constitucional”.

O Executivo – que também era contrário à PEC – invocou argumentos semelhantes, classificando como “incalculáveis” as despesas que os novos TRFsvão acarretar. Pelas estimativas do presidente do STF e do site Contas Abertas, feitas combase nas despesas dos cinco tribunais já existentes, os novos tribunais custarão de R$ 8 bilhões a R$ 9 bilhões, uma vez que, além das contratações de milhares de servidores, haverá a aquisição de sedes e veículos para desembargadores.

São despesas desnecessárias.

Como lembrou Joaquim Barbosa, para desafogar a segunda instância bastaria à Justiça Federal instalar Câmaras Regionais ligadas aos TRFs já existentes – medida prevista pela Constituição.

Além disso, como a Emenda n.º 45 introduziu vários mecanismos processuais para reduzir o número de recursos nas instâncias superiores do Judiciário, qual o sentido de aumentar o número de TRFs, se a tendência é de redução da carga de trabalho dessas cortes?


Registre as histórias, fatos relevantes, curiosidade sobre Paulo Amaral: rasj@rio.com.br. Aproveite para conhecê-lo melhor em http://www2.uol.com.br/bestcars/colunas3/b277b.htm

Eis o veículo (Motorella) que tenho utilizado para andar na ciclovia da Lagoa e ir ao trabalho sem suar