Valor Econômico –
Empresas – 10.02.2012 – B4
10/02/2012 às
00h00
Os desafios de ter
o aluno longe da escola
Por
Beth Koike | De São
Paulo
"Tentei fazer uma
faculdade tradicional ao terminar o ensino médio, mas mudei de cidade e precisei
trancar a matrícula. Agora, retomei a faculdade e optei por um curso a distância
porque viajo muito a trabalho", diz Joelson Madureira, de 34 anos, gerente de
vendas de uma multinacional de tecnologia. Sua história retrata o perfil da
maior parte dos cerca de 1 milhão de alunos que estudam longe da escola no
Brasil.
"A previsão é que
o número de alunos em cursos a distância triplique e atinja 3,1 milhões nos
próximos oito anos, segundo as consultorias Hoper e CM. Essa expansão se dará,
principalmente, por conta de um grupo de cerca de 20 milhões de pessoas, com
idade entre 25 e 39 anos que se formaram no ensino médio, mas não ingressaram na
faculdade.
"O que chama
atenção nesse segmento é a velocidade de crescimento. A Unip, do empresário João
Carlos Di Gênio, por exemplo, tem 160 mil alunos em seus cursos presenciais
criados na década de 1970. Os cursos a distância, abertos há apenas seis anos,
já contam com 54,4 mil matriculados. Há casos como os das faculdades catarinense
Uniasselvi e a Unopar, do Paraná, que têm mais alunos longe da escola do que
dentro dela.
"A área de
educação a distância tem a seu favor o potencial de crescimento no país. Ativos
nessa área passam por uma supervalorização. Em dezembro, a mineira Kroton
desembolsou R$ 1,3 bilhão pela Unopar, universidade de Londrina (PR), que atua
basicamente com cursos ministrados por meio do computador. Foi a aquisição de
maior valor do mercado brasileiro de educação.
"A
formação inicial superior a distância ainda é vista com aquele olharzinho meio
torto", diz o chefe da FGV Online
Mas o segmento de
ensino a distância tem um grande desafio: derrubar a imagem negativa de que seus
cursos de graduação têm uma qualidade inferior em relação aos presenciais.
Entidades de classe como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Conselho
Federal de Serviço Social (CFESS) questionam as faculdades a distância e travam,
inclusive, discussões no âmbito jurídico.
"Somos contra a
formação inicial em
Serviço Social a distância porque a qualidade é ruim, os polos
são inadequados e há conteúdo pedagógico desatualizado. Além disso, a interação
social é fundamental para quem pretende ser assistente social", disse Juliana
Iglesias Melim, diretora da Conselho Federal de Serviço Social. No ano passado,
a CFESS chegou a veicular uma campanha intitulada 'Educação não é fast-food.
Diga não à graduação a distância em Serviço Social'. A
Associação Nacional de Tutores de Ensino a Distância foi à Justiça e conseguiu
liminar proibindo a divulgação da campanha.
"Os defensores da
educação a distância observam que as notas no Enade, exame do Ministério da
Educação que avalia os cursos de ensino superior, são boas. Na última avaliação,
os cursos a distância de administração, matemática e pedagogia tiveram um
desempenho 2,09 pontos acima dos cursos
presenciais.
"No mercado de
trabalho, as empresas, em geral, ainda não contratam profissionais formados em
ensino a distância para cargos de chefia. Mas já começa haver uma aceitação para
funções de apoio, principalmente, na área de tecnologia. "As empresas de TI
[tecnologia da informação] aceitam bem os cursos a distância para cargos de
suporte à gestão. Para funções de diretoria exige-se uma carreira acadêmica mais
longa. Cerca de 60% das pessoas que atuam na área de tecnologia interrompem a
faculdade porque trabalham muito e não têm tempo para estudar", diz Lucas
Toledo, gerente executivo da empresa de recrutamento e seleção Michael Page
Brasil.
"Essa área é bem
nova. Nunca contratei nenhum aluno formado a distância, mas também nunca houve
nenhuma empresa colocando o curso a distância como um impeditivo para
contratação", disse Bruna Dias, gerente da consultoria da Cia de
Talentos.
Cursos de
graduação a distância existem no país há dez anos, mas é pequena a presença de
universidades públicas e faculdades privadas consideradas de primeira linha
nesse segmento. (ver texto nesta página).
"Infelizmente, a
formação inicial superior [faculdade] a distância ainda é vista com aquele
olharzinho meio torto. Até as próprias instituições de ensino enxergam o EAD
[sigla para ensino a distância] como se fosse um puxadinho da educação", diz
Stravos Xanthopoylos, professor responsável pelo FGV Online - braço da renomada
Fundação Getúlio Vargas que oferece cursos para tecnológos (em gestão pública,
por exemplo) e pós-graduação a distância.
O Grupo Ibmec
também não tem curso superior a distância, mas pretende dar os primeiros passos
a partir do próximo ano. A instituição de ensino está investindo R$ 80 milhões,
entre 2009 e 2014, para montar uma plataforma tecnológica capaz de sustentar
aulas on-line. A meta no próximo ano é ter algumas disciplinas online nos cursos
presenciais. "A partir de 2013 não teremos mais um curso 100% presencial no
Ibmec", diz VanDyck Silveira, presidente do Grupo Ibmec e ex-diretor da Duke
Corporate Education, grupo de ensino londrino focado em educação para
executivos, com forte atuação em ensino a
distância.
Na Europa e nos
Estados Unidos, a educação a distância já é bastante difundida, inclusive em
cursos de graduação. "Em outros países, o ensino a distância é muito comum. O
Nelson Mandela [ex-presidente da África do Sul], por exemplo, cursou
administração na University of London enquanto esteve preso", diz João Vianney,
consultor da Hoper.
Segundo a
consultoria CM, nos Estados Unidos 29% dos cursos de graduação são totalmente a
distância. "Nos Estados Unidos, praticamente todos os cursos são híbridos, ou
seja, uma parte das aulas é presencial e a outra é on-line. Além disso, lá um
curso a distância não é mais barato como acontece aqui no Brasil", diz Oscar
Hipólito, diretor pedagógico da Laureate, grupo americano de ensino que tem 675
mil alunos no mundo.
Ao contrário do
que se imagina, os custos do ensino a distância não são baixos. Essa modalidade
pedagógica demanda investimentos altos em tecnologia. A
Anhanguera Educacional, por exemplo, investiu somente em 2011
cerca de R$ 40 milhões em uma nova plataforma tecnológica, com 50 canais de
satélites, que possibilitam a gravação de 36 mil horas de aula por
mês.
Além da
tecnologia, o mercado de EAD exige investimentos na produção de conteúdo
específico, treinamento de professores para o universo digital, polos para as
aulas presenciais e provas, e laboratórios, entre outros
equipamentos.
"Para cada turma
de 50 alunos é preciso ter um tutor. Também montamos uma equipe de plantão com
professores disponíveis 24 horas, sete dias por semana porque os alunos
normalmente trabalham durante a semana e tiram as dúvidas à noite ou fim de
semana", diz Marcelo Souza, diretor de tecnologia da Unip e ex-professor da
Unicamp. "Hoje, contamos com quatro cursos de graduação e pretendemos abrir
novos bacharelados e licenciatura, turismo e comunicação", disse Elizabete
Brihy, diretora da área de ensino a distância da
Unip.
Segundo Carlos
Monteiro, da consultoria CM, faculdades com poucos cursos têm uma rentabilidade
maior: "A Unopar, que foi vendida por R$ 1,3 bilhão, tem apenas 12 cursos e 145
mil alunos. As despesas fixas com professores e conteúdo pedagógico se diluem na
carteira de alunos".
No Brasil, o valor
médio das mensalidades da graduação a distância é de R$ 220. Nos cursos
presenciais, R$ 500. "Para uma faculdade de ensino a distância, com mensalidade
na casa dos R$ 200, ser rentável é necessário ter pelo menos 5 mil alunos", diz
Ryon Braga, consultor da Hoper. Quando se consegue chegar a um volume grande de
alunos as margens de rentabilidade podem ser generosas. Na Unopar, que tem 146
mil alunos, a margem ebitda (lucro operacional) é de 28%. Na Kroton, que acaba
de comprar a Unopar, essa margem é de 17%.
Um curso
presencial pode ter no máximo 80 matriculados, por sala de aula - acima disso o
MEC reduz a nota do curso. Em faculdades com número menor de alunos em cursos a
distância, as mensalidades têm valor superior a R$ 200 (a média do mercado) e a
forma de transmissão das aulas, normalmente, é pela internet e não por sinal de
satélites. Na FGV, por exemplo, a mensalidade de um curso tecnólogo a distância,
com duração de dois anos, é cerca de R$ 600.