terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Polêmica sobre a data de início da vigência do novo CPC

Consultor Jurídico
 28 de dezembro de 2015, 16h41
Por Guilherme Rizzo Amaral
 
Mesmo antes da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, já se controverte sobre a interpretação de inúmeros de seus artigos. Nem sequer o próprio dispositivo que trata de sua vigência tem escapado ao debate.
 
O tema é da maior relevância. Para ficarmos num exemplo, basta pensar que a lei que define o cabimento de um recurso é aquela vigente à época da prolação da decisão[1].  Assim, para saber se embargos infringentes — extintos pelo novo CPC — serão cabíveis de acórdão prolatado em 16 ou 17 de março, é crucial definir se, em tais datas, estaria ou não em vigor o novo diploma.
 
Prevê o artigo 1.045 do novo CPC que “este código entra em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial”. Sua publicação oficial se deu em 17 de março de 2015.
 
Não obstante, são três as posições doutrinárias a respeito do tema.
 
Para alguns autores, a entrada em vigor dar-se-ia em 16 de março de 2016[2]. Para outros, a entrada em vigor somente ocorreria em 18 de março de 2016[3].
 
Curiosamente, a base legal buscada para amparar tais entendimentos está no mesmo diploma. Trata-se da Lei Complementar 95/98, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis e que prevê, em seu artigo 8º, parágrafo 1º: “A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral (incluído pela Lei Complementar 107, de 26.4.2001)”.
 
A divergência entre tais posições está na circunstância de que, para os que entendem entrar em vigor o CPC em 16 de março de 2016, dever-se-ia converter o prazo de um ano, previsto no artigo 1.045, em 365 dias, sendo que assim o prazo da vacatio legis contar-se-ia dia a dia. Considerando que o ano de 2016 é bissexto, teríamos o esgotamento do prazo de vacância em 15 de março de 2016, e a entrada em vigor no dia seguinte.
 
Já para aqueles que sustentam a entrada em vigor somente em 18 de março de 2016, dever-se-ia conjugar a aplicação do artigo 8º, parágrafo 1º da Lei Complementar 95/98 com o artigo 1º da Lei 810/49, que define o ano civil e prevê: “Considera-se ano o período de 12 meses contado do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte”. Portanto, o decurso do prazo de um ano dar-se-ia no dia subsequente ao mesmo dia no ano subsequente (17 de março) em que publicado o novo CPC, ou seja, em 18 de março de 2016.
 
Entendemos que nenhuma das duas posições se mostra a mais adequada.
 
Como visto, a celeuma toda decorre do fato de o legislador do novo CPC não ter observado a determinação do parágrafo 2º do artigo 8º da Lei Complementar 95/98, de que os prazos de vacância deveriam ser fixados em dias, e não em anos.
 
Não se desconhece que a doutrina[4] e o próprio Superior Tribunal de Justiça aventaram, noutras oportunidades, como solução para a divergência entre a determinação da LC 95/98 (fixação da vacatio legis em dias) e norma concreta fixando a vacatio em anos, a conversão do período de um ano em 365 dias[5]. Tal se deu, inclusive, para apurar a data de entrada em vigor do Código Civil de 2002, cujo artigo 2.044 igualmente não observou o disposto na LC 95/98 e fixou a vacatio legis em um ano, em vez de 365 dias.
 
No entanto, os prazos em anos não podem ser contados dia a dia, não só por falta de base legal, mas pela própria aplicação da lei vigente, qual seja, o artigo 1º da Lei 810/49, que prevê “considera-se ano o período de 12 meses contado do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte”. Também se pode cogitar da aplicação, por analogia, do artigo 132, parágrafo 3º do Código Civil, segundo o qual: “Parágrafo 3º. Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência”[6].
 
Ainda, como ressaltado anteriormente, o ano de 2016 será bissexto, de modo que a transformação do prazo de um ano em 365 dias traria impacto significativo na contagem do prazo (não fosse bissexto, tanto a contagem de um ano quanto de 365 dias — esta aplicando-se a Lei Complementar 95/98 — resultaria na entrada em vigor do novo CPC em 17 de março de 2016).
 
Entendemos, assim, inviável sustentar a entrada em vigor no dia 16 de março de 2016.
 
Por outro lado, não vemos como se aplicar a Lei Complementar 95/98 para interpretar o dispositivo de vigência do novo CPC e, contando-se o prazo da vacatio de um ano, atribuir a data de entrada em vigor em 18 de março de 2016. Isso porque aquela lei é concebida justamente para vacatio fixada em dias, conforme prevê o parágrafo 2º de seu artigo 8º: “Parágrafo 2º. As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula ‘esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial’ (Incluído pela Lei Complementar 107, de 26.4.2001)”. Sendo a vacatio legis do novo CPC fixada em um ano, não nos parece aplicável o artigo 8º, parágrafo 1º, da Lei Complementar 95/98.
 
É fato que a redação do artigo 1.045 do novo CPC não é feliz ao referir-se à entrada em vigor após decorrido um ano da data de sua publicação oficial. Melhor teria sido se adotasse a redação do artigo 2.044 do Código Civil, mais simples, que dispõe: “Este código entrará em vigor 1 (um) ano após a sua publicação” (ou, melhor ainda, se tivesse seguido a Lei Complementar 95/98 e fixado a vacatio em dias). No entanto, entendemos que essa imprecisão não deve influenciar a interpretação do referido artigo.
 
Assim, temos que se aplica, aqui, tanto o artigo 1º da Lei 810/49 quanto, por analogia, o artigo 132, parágrafo 3º do Código Civil, de modo que, publicado o novo CPC em 17 de março de 2015, entrará em vigor no dia de igual número no mesmo mês do ano subsequente, ou seja, em 17 de março de 2016[7].
 
De todo modo, dada a representatividade daqueles que sustentam posições diversas, bem como a relevância prática do tema, seria de todo recomendável que o legislador, já ocupado de reformar o novo CPC antes mesmo de sua entrada em vigor, editasse lei que resolvesse em definitivo a controvérsia.
 
[1] Como já expusemos em Guilherme Rizzo Amaral. Estudos de Direito Intertemporal e Processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 88.
[2] Por todos, veja-se Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero. Novo Código de Processo Civil Comentado. SP: Revista dos Tribunais, 2015. p. 991.
[3] Por todos, veja-se Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery. Comentários ao Código de Processo Civil. SP: Revista dos Tribunais, 2015. p. 2033.
[4] Maria Helena Diniz. Comentários ao Código Civil. SP: Saraiva, 2003. V. 22, p. 516; Sílvio de Salvo Venosa. Código Civil Interpretado. SP: Atlas, 2010. P. 1842.
[5] Vide REsp 1038032/RJ, relatora ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 19/10/2010, DJe 24/11/2010 e AgRg no AREsp 707.784, relator ministro Mauro Campbell Marques, decisão monocrática proferida em 05/11/2015 e publicada em 10/11/2015.
[6] Em interessante artigo, Luiz Henrique Volpe Camargo defende, assim como nós, a entrada em vigor no dia 17 de março de 2016, porém com fundamentos distintos. No entanto, o autor chama a atenção para acórdão em que o STJ claramente estabeleceu que “os dias são dias, os meses são meses e os anos são anos, independentemente da quantidade de dias que tenham” e que, por essa razão, “a contagem dos meses pelo calendário comum significa dizer que o prazo de um mês tem início em determinado dia e termina na véspera do mesmo dia do mês subsequente” (REsp 116.041/BA, relator ministro Vicente Leal, 6ª Turma, julgado em 22/09/1997, DJ 20/10/1997, p. 53144). Tal precedente conforta a tese esposada em nosso artigo.
[7] Como, aliás, foi anunciado nos sites oficiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal quando da sanção do novo CPC: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITO-E-JUSTICA/483606-SANCIONADO-NOVO-CODIGO-DE-PROCESSO-CIVIL,-QUE-ENTRA-EM-VIGOR-DAQUI-A-UM-ANO.html; http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/03/20/novo-codigo-de-processo-civil-abre-portas-para-uma-justica-mais-agil-e-descomplicada. É sintomático, ainda, que no Projeto de Lei do Senado 414, cujo objetivo era semelhante Projeto de Lei da Câmara 168, de 2015 (reformar o novo CPC no tocante ao juízo de admissibilidade dos recursos extraordinário e especial), previa-se de forma expressa, no artigo 2º: “Esta lei entra em vigor na data de 17 de março de 2016”. O Projeto de Lei da Câmara 168 foi aprovado no Senado e vai à sanção presidencial com a seguinte redação: “Artigo 4º Esta Lei entra em vigor no início da vigência da Lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)”. A entrada em vigor em 17 de março de 2016 também foi referida no site oficial do Superior Tribunal de Justiça (http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/noticias/noticias/%C3%9Altimas/Novo-C%C3%B3digo-de-Processo-Civil-amplia-efeitos-do-recurso-repetitivo). De nossa parte, já sustentamos em outra oportunidade a entrada em vigor do novo CPC no dia 17 de março de 2016 (Comentários às Alterações do Novo CPC. SP: Revista dos Tribunais, 2015. p. 1.077).
 
 
Guilherme Rizzo Amaral é advogado, integrante da Comissão de Juristas que auxiliou a Câmara dos Deputados no Projeto de Novo CPC, doutor em Direito (UFRGS).
 
Revista Consultor Jurídico, 28 de dezembro de 2015, 16h41

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