Valor Econômico - Empresas/Carreiras - 25/05/2017 - p. B2
Executivos voltam a estudar em novo modelo de
doutorado
Por Letícia Arcoverde
Quando Rafael
Dan Schur, sócio da EY, considerou começar um doutorado acadêmico, ele perguntou a opinião de seus
gestores e colegas da empresa onde trabalhava e da Fundação Getulio Vargas (FGV), onde era professor. Para sua
surpresa, a resposta foi praticamente unânime interromper a carreira para se dedicar a um programa do tipo seria
besteira.
Dez anos mais tarde, hoje Schur faz parte da segunda turma do doutorado profissional em administração da FGV,
iniciado no ano passado, e atualmente o único no Brasil. Com aulas em módulos flexíveis e foco maior na prática, o
formato reconhecido em março deste ano pelo Ministério da Educação é uma alternativa à versão acadêmica, que exige
dedicação exclusiva nos primeiros anos. Até agora, foi adotado por altos executivos que já passaram pelas etapas
tradicionais, como um MBA e cursos de extensão e atualização, mas querem continuar estudando sem abrir mão da
carreira corporativa.
No caso de Schur, a afinidade com os estudos já o havia levado a um mestrado em tempo integral na Itália e a dar aulas
na graduação da FGV por dez anos. No ano passado, ao ficar sabendo do doutorado profissional, ele fez uma disciplina
como aluno "avulso" para entender a dinâmica do curso antes de se candidatar. "A vontade de continuar estudando é algo
que na minha profissão é inerente. Mas eu tinha sede por saber mais", diz. Hoje, Schur diz se espelhar na disciplina dos
quatro filhos, o menor com 12 anos e o mais velho na faculdade, para terminar seu dia estudando seu tema de pesquisa o
impacto de informações de governança na valorização das empresas.
O "DBA", sigla de "Doutorado em Business Administration", é uma modalidade mais difundida na Austrália e Europa
como continuação dos estudos após o MBA. A FGV começou a desenvolver seu programa há dois anos, quando Luiz Artur
Ledur Brito assumiu como diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp). Como o formato ainda
não havia sido regulamentado, o programa hoje é uma linha de pesquisa do doutorado acadêmico, mas Brito espera dar
início ao processo para oficializar o doutorado profissional em outubro, quando a Capes começar a receber propostas de
cursos. O próximo processo seletivo será no segundo semestre. O investimento para os quatro anos de programa é de R$
138 mil.
O DBA faz parte da estratégia de Brito de aproximar ainda mais a Eaesp do mercado. A primeira turma, de dez pessoas,
foi formada após uma divulgação "cautelosa" à rede de contatos da escola e no boca a boca. "Cada executivo tem 20 anos
de experiência e grande destaque, possui um conhecimento diferente, sem o formalismo acadêmico. Estou mais
interessado na contribuição que esses alunos vão dar para a escola do que o que vamos dar para eles", diz Brito. Segundo o
diretor, esses profissionais atuam nos centros de estudo da escola, fazem palestras e até dão aulas nos outros cursos da
FGV, interagindo com os professores e "ajudando a escola como um todo a se conectar com a prática".
CEO do Magazine Luiza até 2015, Marcelo Silva é um exemplo. Desde que começou o doutorado profissional no ano
passado, já deu três palestras para a turma do mestrado sobre governança corporativa e planejamento estratégico. "O
mundo hoje muda muito rápido e a universidade é um ambiente que te estimula a pensar nisso", diz. Formado em
economia e ciências contábeis, Silva considerou voltar para a sala de aula ao longo da carreira, mas a rotina de CEO
trabalhando, nas suas palavras, 24/7 não permitiu.
Agora, aos 66 anos, ele equilibra os estudos com a participação em cinco conselhos de administração, entre eles a vicepresidência
do colegiado do Magazine Luiza. Silva, que também foi do grupo Bompreço e das Casas Pernambucanas, vai
se dedicar a pesquisar a governança corporativa em empresas familiares do varejo brasileiro. "Tem que fazer pesquisa,
trabalho, se preparar para aulas e exames. É voltar para a vida de estudante."
Desenhado para atrair um público que vai equilibrar os estudos com a rotina atarefada de gestor, as disciplinas são
ministradas de maneira concentrada em quatro períodos ao longo do ano. Os temas pesquisados pelos alunos também
são diferentes do encontrado em um doutorado acadêmico. "A ideia não é que o profissional crie uma teoria nova, mas que
aplique teorias a problemas reais e pesquise o impacto da solução", diz Brito, da Eaesp. No geral, como Silva, os
executivos se debruçam sobre assuntos intimamente relacionados com sua área de atuação.
Cláudia Santiago, líder de RH na América Latina da Cargill, vem tentando equilibrar a carreira em empresas com a vida
acadêmica desde a graduação em administração, quando foi estagiária na Alcoa e bolsista do CNPQ. Interrompeu a
carreira em 1997 para fazer mestrado em Londres e, desde que voltou ao Brasil, fez disciplinas isoladas na USP e na FGV
para manter o contato com a academia.
"Sempre gostei de estudar. O alinhamento entre prática, pesquisa e teoria é muito importante, e gosto de ter
conhecimento mais profundo nas decisões que tomo", diz. Seu tema de estudo, do qual ela agora está fazendo a revisão
bibliográfica, é o diferencial que a cultura organizacional têm em empresas de alta performance. Cláudia, que também
considerou fazer um doutorado acadêmico, se diz satisfeita com o formato que a permite com o apoio da empresa
manter a carreira enquanto se dedica aos estudos. "Os dias em que eu passo no módulo são como se fosse um treinamento
interno."
Mais do que apoio da companhia que os emprega, os executivos destacam a importância de ter disciplina pessoal para
equilibrar as duas coisas. Para Cláudia, uma das condições é estar disposta a abrir mão de atividades de lazer. "Tem que
ser um prazer como assistir a uma série no Netflix ou ler um livro", diz. Brito, da Eaesp, reforça a importância de o
executivo julgar se a carreira está no momento adequado para fazer esse investimento. "É preciso administrar muito bem
o tempo", diz.
Orientanda de Brito e parte da primeira turma do DBA, Alessandra Ginante teve que se virar para incluir os estudos não
só na rotina de executiva, mas em um processo de mudança de empresa e país. Em agosto do ano passado, ela deixou a
vicepresidência de RH da Avon no Brasil para assumir como vicepresidente executiva de RH da fabricante de bebidas
Diageo para a América do Norte, em Nova York. Para não interromper o programa, ela adiantou módulos, chegou a
assistir aulas e a apresentar trabalhos a distância, e conversa regularmente com Brito por Skype. Além disso, vai assistir a
disciplinas na Universidade de Yale, com a qual a FGV tem parceria.
Em 2012, Alessandra já havia começado um doutorado acadêmico, mas mesmo com o apoio da empresa na época não
conseguiu conciliar as duas coisas. Ela já tinha completado um MBA na FGV. "Você tem acesso a alguns cursos na
empresa, mas eu queria aprender alguma coisa realmente transformadora. Se todos os executivos hoje leem a 'Harvard
Business Review', os mesmos jornais e ouvem a mesma rádio, como fica?", diz.
A executiva, que vai pesquisar práticas de gestão de CEOs, diz que o impacto na rotina foi grande, exigindo desde menos
semanas de férias até uma mudança na decoração de casa para ter um espaço mais confortável para ler. Mas ela espera
que o arcabouço teórico contribua para seu plano de, no futuro, se dedicar a conselhos de administração. "Os executivos
passam pouco tempo ampliando seu conhecimento. A responsabilidade como conselheira é grande."