MPT critica
reforma e promete atuar fortemente
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Jornal Valor Econômico – E1
Por Zínia Baeta
16/05/2017 - 05:00
A tramitação da reforma
trabalhista está sendo acompanhada de perto pelo Ministério Público do Trabalho
(MPT), que, em meio a diversas críticas ao texto, promete ser ainda mais
atuante na fiscalização e não permitir nenhum tipo de fraude. "Se o objetivo
[da reforma] é fazer com que os procuradores se acanhem, se retirem da
atividade investigativa, o efeito vai ser o inverso", afirma o
procurador-geral do trabalho, Ronaldo Curado Fleury, acrescentando que pontos
inconstitucionais serão questionados judicialmente.
Para Fleury, ao contrário do
que se afirma, a flexibilização de direitos não gera emprego, apenas a
precarização do trabalho. Ele cita como exemplo a experiência em países como
Espanha, Grécia, México e Itália. "Se ocorreu isso no mundo inteiro por
que no Brasil seria diferente? Será que é o clima, a jabuticaba? Não faz
sentido."
O que gera emprego, segundo
ele, é aumento de demanda. "Se sou empresa, só vou contratar mais se eu
precisar produzir mais. Não pelo baixo custo do trabalho", diz o procurador-geral
em entrevista concedida ao Valor. "Há dez anos o Brasil era a sexta
economia do mundo. Com qual legislação trabalhista? Essa mesma." A seguir,
os principais trechos da entrevista.
Valor: De que forma o projeto
de lei poderá afetar o MPT e a Justiça do Trabalho?
Ronaldo Curado Fleury: Eu não
tenho receio em afirmar que um dos objetivos do projeto, da forma como aprovado
na Câmara dos Deputados, é dificultar a atuação do MPT e da Justiça do
Trabalho. A exigência de um quórum qualificado e diferenciado poderá impedir ou
dificultar a edição de súmulas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). Não se
exige hoje em nenhum dos tribunais superiores. Em relação ao MPT, a proposta
dificulta o ajuizamento de ação anulatória de cláusula de acordo ou convenção
coletiva.
Valor: O texto também
dificulta o acesso do trabalhador à Justiça?
Fleury: Sim. Pelo projeto, se
o trabalhador faltar na primeira audiência, o processo será arquivado e terá
que pagar as custas. Hoje, se não comparecer, a audiência pode ser remarcada
até duas vezes. Outro problema é que a proposta retira a revelia do processo do
trabalho. Atualmente, se o empregador não comparece é aplicado a ele a revelia.
Pelo texto, inclusive, se tiver lá só o advogado do empregador, o juiz terá que
receber a defesa e considerá-la. Esse projeto de lei inverte a relação de
forças no direito do trabalho e trata o empregado como hipersuficiente e o
empregador como hipossuficiente.
Valor: Mas se o trabalhador
não for à audiência e o advogado dele estiver presente, não será aceita a
defesa dele?
Fleury: Não. Se o trabalhador
não comparecer ainda que o advogado esteja presente, terá que pagar as custas
processuais e o processo será arquivado.
Valor: Há
inconstitucionalidades no texto?
Fleury: Há vários pontos
inconstitucionais. Um deles é o que trata da "pejotização". No caso
de ficar comprovado que um microempresário individual trabalhava exclusivamente
para o empregador, o juiz não poderá considerar a relação uma fraude. É um
absurdo, pois o empregador usou a lei para burlar a própria lei e o Judiciário
não poderá falar nada. É retirar do Poder Judiciário a competência para dirimir
um conflito em que haja uma fraude. Isso é absolutamente inconstitucional, como
diversos outros pontos do projeto.
Valor: O que vai ocorrer se o
projeto de lei for aprovado como está?
Fleury: Obviamente vamos ter
que repensar nossa autuação. Se a lei é constitucional, nossa obrigação é
fiscalizar o cumprimento. Se é inconstitucional, nossa obrigação é arguir a sua
inconstitucionalidade. E se a lei é usada para burlar a própria lei, nossa
obrigação é tentar anular, extirpar do mundo jurídico essas fraudes.
Valor: O MPT poderá
questionar inconstitucionalidades?
Fleury: Vai depender do texto
aprovado e da forma de adoção do texto pelos empregadores. Temos que reconhecer
que há questões que precisam ser regulamentadas, como teletrabalho e o uso de
aplicativo. Mas a grande questão é esse projeto abrir a possibilidade de
fraudes, de forma muito escancarada. Ele não cria limitações para empregadores.
Trata empresa com 50 mil empregados da mesma forma que trata o empregador
doméstico.
Valor: Vai aumentar a
judicialização?
Fleury: Não tenho dúvida
alguma. Se o objetivo foi dar segurança jurídica, vai piorar justamente por
falta de limitações. A terceirização ilimitada, em qualquer área, vai contra a
essência do capitalismo, que prevê o capital e o trabalho. Se tenho todos os
trabalhadores terceirizados, a minha empresa vai ter capital e serviço, mas não
vai ter um dos pilares do capitalismo. Além disso, qualquer instrumento novo
sem obrigação, limitação para os empregadores, possibilitará que as fraudes
permeiem porque essa é a realidade brasileira.
Valor: Quem defende o projeto
afirma que ele criará mais empregos e tirará trabalhadores da informalidade. O
senhor concorda?
Fleury: Primeiro, vamos pegar
estudos de entidades isentas - excluindo entidades patronais e de obreiras. A
OIT [Organização Internacional do Trabalho ] fez um estudo em 2016 com 63
países que fizeram reforma trabalhista, desenvolvidos ou em desenvolvimento, e
os níveis de empregabilidade e salarial. Primeira conclusão: a flexibilização
não gera emprego. Segunda conclusão: essa mesma flexibilização gera a
precarização do trabalho. Esse estudo é muito interessante. Traz por exemplo o
caso do México, onde houve uma hiperflexibilização. Lá houve a troca de 1,2
milhão de empregos por prazo indeterminado por trabalhos por prazo determinado.
Além disso, a renda média, que era de dois a cinco salários mínimos caiu para
um a dois salários mínimos. Houve efetivamente uma precarização, assim ocorreu
na Espanha, Grécia e Itália. Aí vem aquela pergunta. Se ocorreu isso no mundo
inteiro por que no Brasil seria diferente? Será que é o clima, a jabuticaba?
Não faz sentido.
Valor: O que poderia ser
feito para gerar empregos?
Fleury: Algumas questões
estão relacionadas à economia. O que gera emprego é o aumento da demanda. Se
sou empresa, só vou contratar mais se eu precisar produzir mais. Não pelo baixo
custo do trabalho. Outro ponto é a crise econômica. Estamos passando por uma.
Não há dúvida que precisamos fazer algo. Nossa Constituição Federal já prevê,
em momentos de crise, a possibilidade do negociado se sobrepor ao legislado,
inclusive para diminuir salário. Para manter empregos e a empresa. O que está
sendo feito agora é uma solução definitiva fundada em um problema temporário. É
nos momentos de crise que o trabalhador mais precisa de proteção. Há dez anos o
Brasil era a sexta economia do mundo, com qual legislação trabalhista? Essa
mesma.
Valor: O senhor então acha
que é uma questão econômica, nada a ver com a legislação trabalhista?
Fleury: Sim. Essa mesma
legislação trabalhista está aí há tanto tempo. Estava aí em épocas de crise e
bonança. Vamos justamente pegar no momento de crise e rasgar a legislação ou
colocar situações absurdas como a negociação individual? Como, por exemplo, um
trabalhador de 51 anos poderá negar um convocação para trabalhar 12 horas por
dia em uma negociação individual? Se ele for demitido, no meio de uma crise,
onde ele encontrará emprego nessa idade? Com relação à negociação coletiva,
além do problema da representatividade sindical, da diversidade no país, ainda
tem a questão do enfraquecimento dos sindicatos com a retirada do imposto. Eu
sou contra o imposto sindical, mas temos que reformar o sistema. Não está
havendo reforma, mas uma tentativa de enfraquecimento sindical.
Valor: O senhor vê algum
ponto positivo no projeto?
Fleury: Da forma como está
escrito, nada. Algumas questões eu penso que poderiam ser melhor analisadas. Na
questão das novas tecnologias, temos que avançar. O teletrabalho já é um
realidade. Mas não por meio dessa regulamentação proposta, que é um absurdo.
Não concordo com o texto aprovado. O projeto só vê o lado do empregador. E
pior: do mau empregador.
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