quarta-feira, 21 de maio de 2008

Trabalho dos comerciários aos domingos e feriados

Jornal do Commercio - Jornal do Lojista - 21 e 22.05.08 - B-18
Comércio aos domingos e feriados
Elaine Cristina ReisAdvogada trabalhista empresarial do escritório Peixoto e Cury Advogados
Existe, atualmente, um crescente movimento para diminuir o horário de trabalho e principalmente para excluir os trabalhos aos domingos e feriados no comércio. O tema tem gerado divergências entre os sindicatos e os mais diversos segmentos do comércio. Alguns casos têm culminado em reclamações trabalhistas.De um lado, temos o interesse direto do comércio, os empregadores, que não só querem como necessitam abrir aos domingos e feriados para atender à crescente demanda e aumentar os lucros, garantindo, dessa forma, os postos de trabalhos já existentes e eventualmente gerando novos empregos. Os consumidores endossam essa posição, lotando as lojas nesses dias, aumentando o volume de vendas ou atendimentos. E parte dos trabalhadores, que acabam ganhando com a criação de novos empregos e, às vezes, aumento de salário ou comissões. De outro lado, temos os sindicatos e outra parte dos empregados, que querem diminuir ou eliminar o trabalho aos domingos e feriados.Essa controvérsia voltou à tona com força, porque, em dezembro de 2007, foi aprovada nova lei federal (Lei nº 11.603/07) estabelecendo que o comércio só poderá funcionar aos domingos e feriados se estiver munido de lei municipal e também de convenção coletiva. Ou seja, a nova lei passou a exigir novo requisito para o funcionamento nesses dias: não basta apenas existir lei municipal que autorize, também é necessário haver acordo estabelecido entre sindicato patronal e o sindicato dos empregados.A lei também exige que o repouso semanal remunerado coincida com o domingo, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho.Com exceção dos municípios de São Paulo e de Porto Alegre, que já possuem convenção coletiva garantindo a abertura do comércio, principalmente nos feriados, o trabalho no comércio das demais cidades, nos feriados e domingos, está sujeito à fiscalização e à multa. Algumas Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego (por exemplo, as DRTs) exigem, quando da fiscalização, que seja apresentada uma lista, protocolada pelo sindicato, com a relação dos funcionários que estão trabalhando, do quanto vão ganhar de adicional e a relação precisa com os dias de folgas para compensar o feriado.Recentemente, na cidade de Sumaré, foi ajuizada ação para garantir o fechamento de todos os supermercados no último feriado. A demanda discutindo a abertura, ou não, em feriados permanece em andamento. Mas, ultimamente, a Justiça do Trabalho tem garantido o fechamento do comércio nessas datas, respaldada pela nova lei em vigor, o que tem aumentado às dificuldades enfrentadas pelo comércio. Embora muitos desses empresários e mesmo dos empregados tenham interesse e urgência na regularização da questão, as negociações geralmente são demoradas. Também existe o fato de o prazo de validade da maioria das convenções coletivas já firmadas ser de dois anos, o que pode acarretar ao comércio a espera pela negociação da nova convenção quando, então, será discutida a possibilidade ou não do funcionamento nos feriados.O ideal é que, enquanto não é permitido em todas as cidades, o comércio adote medidas conservadoras e algumas precauções para evitar multas e problemas na hora da fiscalização. Quando não há lei municipal e tampouco convenção coletiva, a melhor forma de evitar riscos de fiscalização e autuação seria a de não abrir o estabelecimento.Há de se ponderar, no entanto, que o fechamento do comércio, principalmente em determinados feriados, representa enorme prejuízo, o que, de forma direta ou indireta, prejudica os empregados e, de modo geral, toda a categoria. Isso porque quando o comércio perde ou deixa de lucrar, ele deixa, também, de investir e este prejuízo pode gerar um efeito cascata e resultar em demissões. Essa conseqüência não é boa nem para o comércio nem para o sindicato, muito menos para os trabalhadores.

Constituição de sociedade dispensa certidão negativa de tributos

Notícias STF terça-feira - 20 de maio de 2008
Terça-feira, 20 de Maio de 2008
1ª Turma: exigência de certidão negativa do fisco para abrir empresa é inconstitucional
Por três votos a um, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deu provimento a um recurso da Construtora Jari Ltda., na tarde desta terça-feira (20), e reconheceu que é ilegal a exigência de apresentação de certidão negativa da Receita Federal para que alguém possa registrar uma empresa.
Nos autos do Recurso Extraordinário (RE 207946) interposto contra o estado de Minas Gerais, a recorrente alega que a exigência de apresentação dessa certidão negativa para que alguém possa abrir uma empresa ou participar de uma sociedade ofenderia o artigo 5º, inciso XIII, da Constituição Federal. O dispositivo afirma que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão”.
Para o relator, ministro Menezes Direito, que votou pelo desprovimento do recurso, a exigência da certidão negativa não fere a Constituição.
Divergência
A pessoa natural não pode ser confundida com a pessoa jurídica – a sociedade anônima, resumiu o ministro Marco Aurélio. “Entendo abusiva essa exigência”, salientou o ministro, para quem o fato de proibir pessoas inadimplentes com o fisco de participar de uma sociedade ou abrir uma empresa fere a Constituição. “Passa a ser uma coação política para o sócio recolher o tributo devido como pessoa natural”, definiu o ministro, votando pelo provimento do RE.
Ao acompanhar o entendimento do ministro Marco Aurélio, o ministro Ricardo Lewandowski ressaltou que, a seu ver, a liberdade de iniciativa está sendo cerceada nesse caso. “Eventual inadimplência com o fisco pode ser cobrada pelas vias próprias, e há sanções apropriadas para isso”. A divergência foi acompanhada, ainda, pelo ministro Carlos Ayres Britto.

Natureza jurídica dos créditos de carbono

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 19.05.08 - E2
A natureza jurídica dos créditos de carbono
Gustavo Contrucci

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) criou recentemente uma comissão para analisar os créditos de carbono. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também já realizou alguns seminários sobre o tema, que está em voga na mídia. A esta altura já estamos todos conhecedores que os denominados créditos de carbono têm sua origem no artigo 12 do Protocolo de Quioto, que prevê a criação do mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL).
Para países como o Brasil, o MDL cria a possibilidade de buscar o desenvolvimento com redução de gases que piorem ou possam piorar o efeito estufa, ao passo que para os países já desenvolvidos e listados no anexo I do Protocolo de Quito, o mecanismo os auxilia a cumprirem suas metas de limitação ou redução de emissão. O dispositivo prevê que os países não incluídos no anexo I - entre eles o Brasil - possam se beneficiar com as reduções certificadas de emissão (as chamadas RCEs), deixando claro que o MDL se sujeita à autoridade dos países aderentes ao Protocolo de Quioto. Além de auxiliar na redução de impacto ambiental negativo, o mecanismo de desenvolvimento limpo, através das reduções certificadas de emissão, pode auxiliar na busca de financiamento de atividades de projeto certificadas. As reduções certificadas, neste contexto, são documentos que identificam um projeto, certificado como válido no âmbito do MDL, com o montante de redução de emissão estampado na RCE.
Mas de onde surgem as RCEs? Uma entidade operacional designada, reconhecida pela conferência das partes - órgão soberano das partes aderentes ao Protocolo de Quioto -, apresenta um relatório de validação de projeto como enquadrado dentro dos requisitos de MDL, emite um certificado e faz uma requisição ao conselho executivo da conferência para que este emita a RCE. Uma vez emitida - e admitimos que hoje o procedimento é bastante simplificado, com a possibilidade de emissão via internet -, esta passa a ser o documento que indica a quantidade verificada e auditada de redução de emissão. Este documento, emitido por órgão soberano dos países contratantes, chama-se RCE. Encontra-se nos documentos e decisões da conferência das partes a indicação das condições de transação ou negociação da RCE, acessíveis via internet, que sempre devem conter o total de RCEs transferidas e a identidade de contas e registros dos adquirentes.
Por mais que se possa discutir a natureza jurídica das RCEs, fica difícil levar a discussão para fora do contexto aqui indicado. Dentro da sistemática do mecanismo de desenvolvimento limpo, um país tem um passivo e outro tem um crédito: o documento que representa a possibilidade de negociação ou transação do ativo contra o passivo chama-se redução certificada de emissão. Esta não é emitida por particular, mas sim pelo órgão executivo da conferência das partes, dentro dos parâmetros do Protocolo de Quioto. A quantificação que a RCE representa: sim, foi feita por um particular, reconhecido pelo mesmo órgão executivo, particular este ratificado pele conselho executivo da conferência das partes. Frisamos que somente a quantidade e a apresentação para a validação do projeto são feitas por um particular. A validação em si, e a emissão da cártula contendo uma espécie de resumo do projeto e quantidades reduzidas, são emitidas, simplificadamente, pela conferência das partes.
Se o título que representa um crédito será admitido como valor mobiliário, é questão que projetos de lei já tentam abordar
Sem grandes elucubrações jurídicas fica impossível identificar um contrato - pois um privado não pode exercer poderes de parte contratante no Protocolo de Quioto - na natureza jurídica das reduções certificadas de emissão. E muito menos um direito de propriedade sobre as mesmas - a propriedade sobre um documento emitido por entidade supra-governamental seria não juridicamente correto, para dizer o mínimo. As RCEs são emitidas por órgãos, ou de acordo com regras de órgãos, transnacionais e supra-governamentais, parecendo improvável que uma parte privada tivesse direito de propriedade sobre ela ou pudesse contratar, como entidade privada, sobre a RCE. Mas pode transacionar o direito indicado na RCE, e como todo direito, pode ser este fruto de apropriação.
Ao mesmo tempo parece incontestável que uma parte privada tenha um direito creditório sobre um volume de crédito de carbono ou emissão reduzida identificado na RCE, que nada mais representa do que o documento onde se identifica a quantidade de redução de emissão e que pode ser transacionado ou negociado como crédito. E crédito, ou direito de crédito, não se negocia por compra e venda ou venda e compra, mas sim, e preferencialmente, por cessão ou endosso, caso normativos sejam promulgados para assim definir a cártula. Como o cessionário necessariamente será um país do anexo I, para os fins brasileiros esta transação seria claramente uma exportação. Confirmando este entendimento, os documentos da conferência prevêem, inclusive, que o registro de MDL deve conter dados tais como condições de emissão, posse, transferência e aquisição de RCE. Não fala em propriedade, mas sim em posse. Também não poderia falar em contrato, porque uma parte privada não pode contratar com os países contratantes. E permite a transferência e aquisição, e o melhor seria cessão (como forma de aquisição) como qualquer título que represente um crédito permitiria.
E os títulos que representam um crédito, como tal, ao serem transacionados como título, geram o que geraria a transação de um título, em termos tributários, e geram os direitos que gerariam a cessão de um título, em termos de direito comercial. E vamos além para dizer, inclusive, de "lege ferenda", que como todos os outros títulos que representam um crédito, podem ser agrupados em fundos creditórios e transacionados como tais. Nada, na legislação vigente, impede tal caminho. E, por se tratar de um direito disponível, não estando proibido, está permitido, desde que respeitados os direitos equiparáveis de terceiros que possam ter interesse em investir em fundos de direitos creditórios de carbono. Se este título que representa um crédito vai ou não ser admitido como valor mobiliário, é questão que projetos de lei já estão tentando abordar. É esta a natureza dos créditos de carbono. Ou esta é a natureza que os créditos de carbono podem ajudar a construir, se os empecilhos jurídicos forem destravados.
Gustavo Contrucci é advogado e sócio do escritório Castro, Barros, Sobral, Gomes Advogados

Evolução do vinho brasileiro

Valor Econômico - EU & Prazeres - 20.05.08 - D10
A evolução e o reconhecimento do vinho nacional
Jorge Lucki

Denominar "A fantástica evolução do vinho nacional" a palestra realizada na última Expovinis pode parecer ufanismo, todavia não é. Depois que os espumantes brasileiros conseguiram ganhar a confiança do consumidor, tirando espaço de proseccos e outros rótulos do gênero de qualidade questionável que aqui deitavam e rolavam - ainda há muitos deles que, por terem o selo de importados ainda continuam enganando -, está chegando a vez dos nossos tintos e brancos serem reconhecidos. E não é pelas medalhas que porventura possam ter conquistado, nem por números apontando aumento na quantidade de garrafas exportadas. São proezas que ajudam do ponto de vista mercadológico, mas, na realidade, em particular no que diz respeito às menções obtidas na maioria dos concursos espalhados mundo afora, elas têm pouca valia. O que interessa mesmo é que um trabalho foi sendo realizado nos últimos anos para alcançar uvas de melhor qualidade, o que vai se refletindo em vinhos de padrão mais elevado.

Sendo isso verdade, a primeira questão que vem em mente é como eles se posicionam frente aos chilenos e argentinos. Em primeiro lugar seria o caso de se perguntar quais chilenos e argentinos, mas nem é preciso chegar lá. Mesmo entre eles, vizinhos separados apenas por uma "paredinha" de seis mil metros de altura, a Cordilheira dos Andes, a comparação não tem sentido. São terroirs diferentes que dão por conseqüência vinhos diferentes. O importante é guardar identidade. Preferir um, em detrimento do outro, tem a ver com preferência pessoal. Os nacionais têm como característica maior frescor que evidencia um paladar frutado, componentes que são melhor apreciados enquanto o vinho é jovem. Não são, portanto, para serem guardados muito tempo - brancos, três anos, tintos, cinco anos.
As (antigas) dúvidas quanto à qualidade do vinho brasileiro, vêm da dificuldade que o nosso aclamado clima tropical impõe ao desenvolvimento vegetativo das parreiras viníferas. Sem precisar ir muito longe, as áreas vinícolas importantes do Chile e Argentina estão localizadas em condições de clima temperado, semelhante a regiões produtoras famosas. A grande diferença entre os dois climas, tropical e temperado, com efeito direto nos vinhos, está nas chuvas: aqui ocorrem no verão, época de maturação das uvas, exatamente quando elas precisam de sol e tempo seco.
A citada evolução qualitativa dos vinhos nacionais foi, sobretudo, conseqüência da implantação de técnicas adequadas nos vinhedos, abandonando tradições e culturas que vinham desde o tempo da imigração italiana no sul. Além da maneira de conduzir as parreiras, passando do condenado sistema de pergolado, que induz a grandes quantidades, pouca insolação e má ventilação, para o de espaldeira, foi dado ênfase a castas e clones mais adaptados às nossas condições. É um trabalho que demanda coragem - arrancar vinhas que sempre foram o sustento da família - e tempo. Uma ação dessas demora cerca de cinco anos para dar resultado.
A propósito, se o clima é um sério obstáculo à elaboração de tintos e brancos, o mesmo não se aplica aos espumantes, possivelmente o que tradicionalmente produzimos de melhor em vinhos. Eles não precisam de uvas tão maduras para exprimir suas características de frescor com equilíbrio. É a vantagem que levamos sobre nossos "hermanos".
Quando se fala de clima difícil, subtende-se que estamos falando do sul do país. A situação muda quando o assunto é Vale do São Francisco, fronteira vitivinícola que, embora tenha mais de duas décadas de cultivo, ganhou destaque nos últimos tempos com os projetos Rio Sol, parceria entre a Expand e o grupo Português Dão Sul, e Terranova, da Miolo. Efetivamente as condições são diferentes. A região não tem estações definidas e permite duas colheitas por ano. Os vinhos, a despeito de toda a promoção e dos dados apontando grandes volumes exportados para países europeus, não me convencem. A meu ver são "bem feitinhos", mas óbvios - falta-lhes identidade. Até aí nada demais, são bons vinhos para "todo dia". O que me incomoda é a tentativa de elitizá-los. Pela capacidade de ser produzido em grandes quantidades, com homogeneidade, seria bem vindo na função de atrair novos consumidores. Posicionando-se como "o melhor vinho brasileiro" não ajuda.
Não foi, então, por acaso que a palestra da Expovinis contou apenas com vinhos provenientes de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, regiões que, no meu entender, melhor refletem o caráter dos tintos e brancos nacionais. Além disso, o painel foi montado para mostrar o bom trabalho realizado pelos produtores do sul do país nos últimos anos, contando, para tanto, com alguns vinhos que ainda nem estão no mercado.
Os rótulos apresentados foram: Villa Francioni Chardonnay 2006, um projeto arrojado desenvolvido pela família Freitas, nas cercanias da cidade se São Joaquim; Vilaggio Grande Inominable lote II, uma mescla de 5 castas - Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Malbec e Pinot Noir - e três safras, também de Santa Catarina; RAR 2006, pertencente ao empresário Raul Randon em parceria com a Miolo, produzido em Campos de Cima da Serra, zona de altitude; Marson Gran Reserva 2004, dos sete irmãos Marson, elaborado em Cotiporã, a oeste de Bento Gonçalves; Boscato Gran Reserva Cabernet Sauvignon 2005, com vinhedos modelo situado no distrito de Nova Pádua; Casa Perini Tannat 2005, especialidade da vinícola de Farroupilha; Salton Desejo 2005, a mais nova safra do premiado vinho da dinâmica Salton, formando a quadra da Serra Gaúcha; Valduga Gran Reserva Cabernet Sauvignon 2005, nome tradicional sempre se modernizando; Pizzato Merlot Reserva 2005, sempre de alto nível; Miolo Lote 43 2005, safra que comprova a evolução qualitativa de um dos mais conceituados produtores brasileiros, os três da Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos; e Lídio Carraro Nebbiolo 2005, símbolo da perseverança e perfeccionismo dos irmãos Carraro, que acreditam (com razão) no potencial de Encruzilhada do Sul.
Este artigo inicia uma série, que terá seqüência nas próximas semanas, dedicada aos vinhos nacionais. Serão abordados com mais profundidade, o momento atual, as regiões, os micro-climas e seus vinhos. O Brasil passa, em vários frentes, por uma fase bastante favorável, o vinho é uma delas.

Empate nas deliberações societárias

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 21.05.08 - E1
Justiça paulista analisa caso raro de desempate por rivalidade de sócios
Josette Goulart,
de São Paulo
Um caso societário raro e curioso no Poder Judiciário brasileiro tramita na 17ª Vara Cível da Justiça de São Paulo, sob a responsabilidade do juiz José Paulo Magano: uma ação de desempate. Os quatro sócios da empresa Rohr, sociedade anônima que opera no ramo de estruturas metálicas, não conseguem aprovar nada nas assembléias gerais de acionistas desde 2006. Com partes iguais na sociedade, eles estão politicamente divididos ao meio - no ano passado sequer conseguiram eleger um presidente de mesa para que a assembléia pudesse acontecer. No início deste mês, uma nova ação judicial inusitada chegou às mãos do juiz Magano: metade dos acionistas pede que a Justiça determine a venda em bloco da empresa, por meio de um leilão.
O caso, que envolve dois dos mais renomados escritórios de advocacia especializados em disputas societárias, já conta com oito diferentes processos judiciais - entre eles duas ações de desempate de votações, um pedido de cisão judicial, que corre em segredo de justiça, uma ação anulatória e o atual pedido de dissolução de sociedades com o leilão da empresa. A Rohr não é uma empresa conhecida do grande público, mas no ano passado faturou R$ 125 milhões. Tem em caixa R$ 50 milhões, segundo o último balanço da companhia entregue aos acionistas - valor elevado se considerado o patrimônio líquido da companhia, que gira em torno de R$ 30 milhões.
A empresa tem operado normalmente, mas está politicamente paralisada. Este é um dos motivos possíveis para explicar tanto dinheiro em caixa. A distribuição de dividendos tem sido a mínima obrigatória prevista em lei, de 15%, e os recursos tampouco podem ser usados para novos investimentos da empresa sem que haja aprovação dos acionistas. O impasse é ainda maior porque metade dos acionistas não tem representação na diretoria atualmente.
O advogado Ricardo Tepedino, do escritório Sérgio Bermudes, que defende o acionista Elias Finkelstein, explica que a briga começou quando não se conseguiu chegar a um acordo para a eleição da nova diretoria da empresa. A cadeira ocupada por seu cliente na diretoria da Rohr ficou vaga porque, com a idade, Finkelstein pediu afastamento. Na mesma época, a vaga pertencente ao espólio de outro sócio, Mansueto Justa, também ficou sem representante. As outras duas cadeiras de diretoria, pertencentes aos sócios Oscar Ferro e Victorio Canteruccio - esta última ocupada por seu filho Fernando - nunca ficaram desocupadas. É que a lei prevê que, quando os acionistas não chegam a um acordo nas assembléias para eleger novos diretores, a diretoria se perpetua.
Tepedino diz que, com isto, a empresa está sendo comandada politicamente por sócios que detém apenas 50% do capital - e os outros 50% se tornaram minoritários. Daí a estratégia do escritório de pedir a venda em bloco da companhia. O advogado tenta inclusive a aplicação da nova Lei de Falências ao caso, já que ela prevê a venda em bloco de sociedades em estado falimentar. "Por que não uma venda nestes moldes para uma empresa que está ativa, fatura R$ 125 milhões, tem R$ 50 milhões em caixa e mais de mil funcionários?", indaga Tepedino.
Procurada pelo Valor, a diretoria da Rohr, assim como o advogado Paulo Cezar Aragão, do escritório Barbosa, Müssnich e Aragão Advogados, que defende os sócios representados na empresa, preferiu não se manifestar. Em nota oficial, os diretores da empresa e o advogado alegaram que não se manifestarão sobre o caso "pois todos os processos a ele relacionados tramitam sob segredo de Justiça na 17ª Vara Cível do Foro Central da Comarca do Estado de São Paulo - João Mendes Júnior".
O juiz José Paulo Magano, que comanda os processos da Rohr na 17ª Vara Cível, no entanto, informou ao Valor que apenas um dos processos está em segredo de Justiça e disse ainda que há um pedido para que seja decretado sigilo também na nova ação proposta pelo escritório Sérgio Bermudes - mas que até agora não há nenhuma decisão a este respeito.
O desfecho deste caso provavelmente ainda irá demorar, mas juristas importantes já comentam que trata-se, de fato, de um caso raro. O advogado Modesto Carvalhosa encontrou apenas um processo similar, que chegou ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Mas a decisão do tribunal foi a de que a empresa poderia prever em seu estatuto o voto de desempate - decisão da qual Carvalhosa discorda, por entender que o estatuto não pode resolver este problema.
O advogado Gustavo Grebler, do escritório Grebler Advogados, diz que nos Estados Unidos o impasse em assembléias é conhecido como "deadlock" - ou seja, uma paralisação completa da sociedade. Ele diz que as cortes americanas já decidiram de diferentes formas, como nomear uma espécie de administrador judicial ou um conselheiro com direito a voto. Uma decisão mais recente, entretanto, se destaca, segundo Grebler. Em um caso em que houve a paralisação da companhia, que pode ser por impasse de quórum qualificado, por exemplo, a Suprema Corte americana determinou que os acionistas majoritários vendessem sua participação ao acionista minoritário. O caso envolveu a companhia Bikom Corp, e o acionista minoritário era presidente da companhia.

Leis trabalhistas e home office

Jornal do Commercio - JC & Gerência - 13.05.08 - B-20

Lei trabalhista é entrave
RENATA LEITE
Aprofissionalização dos call centers, ou centrais de atendimento, resultante da terceirização e especialização de serviços ao longo dos últimos anos, promete passar por mais uma etapa no Brasil. Executivos do segmento começam a discutir práticas já comuns em outros países, principalmente nos Estados Unidos, de aplicação do trabalho a distância. As centrais de atendimento virtuais são uma alternativa avaliada por gestores para ampliar a capacidade de relacionamento com os clientes de forma econômica e sustentável, mas enfrentam uma série de desafios trabalhistas e motivacionais.O modelo de home office é uma das possíveis aplicações do trabalho a distância, que pode ainda ser feito de uma unidade remota da empresa contratante, ou seja, um pequeno escritório fora da matriz e, conseqüentemente, longe de gestores. A grande vantagem para a área de call center é a possibilidade de garantir um serviço adequado a cada localidade, a um custo menor do que com a montagem de nova filial. Na economia globalizada, isso se torna cada vez mais urgente."O call center virtual é ideal para a execução de serviços de alta complexidade e alto volume, como o realizado por empresas de entretenimento e pesquisa e companhias aéreas. O atendimento regionalizado permite, por exemplo, que um cliente, ao acionar o contact center para comprar o ingresso de um evento, por exemplo, tenha instruções não somente sobre valor e métodos de pagamento, como também disponibilidade de hotéis na localidade", afirmou Paulo Cordoniz, diretor do CLIV Solution Group, durante evento que debateu o tema na semana passada, no Rio de Janeiro. distância. Esse modelo de negócios prevê a recepção da ligação por um call center tradicional e o direcionamento para o atendimento remoto. O cliente não toma conhecimento da solução implementada. Há ainda outras vantagens, como maior flexibilidade organizacional para crescimento e retração, de acordo com a demanda, e redução de até 15% nas despesas, segundo medição da Fundação Petro Seveso, entidade de Roma que estuda o trabalho a distância.No entanto, os desafios são muitos, a começar pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que data da década de 1940 e carece de atualização. "Na década de 1940, não havia desenvolvimento tecnológico suficiente que previsse atuação do tipo. A jurisprudência sobre o assunto é mínima. Consegui encontrar apenas quatro entendimentos sobre o tema", afirma Taube Goldenberg, advogada trabalhista da Goldenberg, Azevedo, Marques e Maróstica Advogados. De fato, a relação com os funcionários é o principal entrave a ser enfrentado. Como treiná-los, motivá-los e fiscalizar a realização do trabalho são alguns dos questionamentos feitos por empresários e gestores. Existem ainda questões ergonômicas. A Serpro, pioneira na implantação de trabalho a distância, lança mão de uma vigilância a cargo de profissionais enviados às casas dos trabalhadores remotos. Assim, é possível se avaliar as condições de trabalho e o sentimento de pertencimento à corporação por parte do funcionário.A Virtual Call é uma das poucas empresas brasileiras que já conseguiram implantar o modelo de home office no setor de atendimento telefônico. Dos candidatos aos cargos, a empresa exige a posse de computador e acesso a banda larga, em vez do envio dessas ferramentas. A comunicação entre os trabalhadores remotos e os demais funcionários da empresa é feita não só por telefonia sobre internet (VoIP), como também por comunidades virtuais. A TMS CallCenter deve estar entre as próximas empresas a apostar no atendimento a distância em modelo de home office. Atualmente há unidades remotas em São Paulo e Barueri, mas a intenção é alcançar outras localidades por meio dessa solução. Diogo Bujaldon, presidente da empresa, aponta para o melhor aproveitamento de portadores de deficiência física no quadro de funcionários por meio desse método. "A lei nos obriga a ter 5% de nossa equipe composta por portadores de necessidades especiais, mas o translado dessas pessoas de casa para a empresa costuma ser muito penoso. O trabalho a distância facilita nesse sentido", afirma Bujaldon. A TMS adquiriu softwares que transformam as informações disponíveis na tela em voz. Dessa forma, profissionais com deficiências visuais utilizam dois head sets, um para ouvir clientes e outro para receber as informações do sistema. "Atualmente, temos 32 funcionários com deficiência visual treinadas para esse trabalho por monitoria de voz. Elas ainda estão trabalhando dentro da empresa, mas podem sair em algum tempo", afirma Bujaldo.Tecnologia. A tecnologia avança em ritmo acelerado e abre possibilidades como essa. Além do e-learning, os próprios softwares e hardwares utilizados por empresas de call center já estão sendo adaptados para permitir um trabalho a distância. A Oracle desenvolveu e já disponibiliza o Contact Center Anywhere, ferramenta baseada em tecnologia IP. O aparato tecnológico foi simplificado ao máximo, segundo Luis Antonio Almeida Santos, gerente de desenvolvimento de negócios para a América do Sul da Oracle. Há possibilidade de gravação das ligações, monitoramento por parte do supervisor das ligações interceptadas pelos agentes distantes e processamento do fluxo de trabalho. " O supervisor pode escutar o agente durante o atendimento, fazer o acompanhamento, passando instruções de como responder às questões, e até tomar a ligação para si, se assim o convir", explica Santos. Para Wanderléia Nogueira, diretora de recursos humanos e uma das sócias da Telesoluções, empresa que terceiriza serviços de contact center, a tecnologia está pronta. "O grande desafio é a parte legal. Os jovens já estão inseridos no mundo virtual", afirma a empresária.

Modelo é difundido em países desenvolvidos

Internacionalmente, a companhia aérea americana JetBlue é freqüentemente citada como exemplo de negócio virtual. Todo o atendimento telefônico da empresa, por exemplo, fica a cargo de mulheres aposentadas que trabalham de casa. A JetBlue conseguiu se tornar extremamente rentável em um momento em que outras empresas de aviação passavam por dificuldades financeiras. Esse modelo de trabalho a distância funcionou bem em outros países, mas pode enfrentar dificuldades se quiser ser implantada na nova companhia aérea que David Neeleman, fundador da JetBlue, lançará no Brasil. A falta de uma regulamentação trabalhista.A legislação trabalhista brasileira foi consolidada em 1943. Faltam definições quanto à jornada de trabalho de funcionários que trabalhem de casa, possibilidades de interrupções ao longo do dia, possibilidades de acidentes de trabalho. Outros países como Estados Unidos, França e Itália tampouco têm leis específicas para o assunto. No entanto, diferentes modelos na regulação das relações entre patrões e empregados, mais baseados na livre negociação, permitem o estabelecimento de direitos e deveres para o trabalho a distância.regulação. Segundo Paulo Cordolins, diretor do Cliv Solution Group, a Irlanda e a Itália estão com um projeto de regulamentação da atividade por meio de nova lei de trabalho a distância. "Nos Estados Unidos, a ausência de legislação específica foi um dos fatores responsáveis por avanço tão grande, pois não há os entraves e a burocracia inerentes a esse tipo de regulação. Os acordos de trabalho funcionam a contento. Estima-se que 16% da força de trabalho americana, em 2004, estava empregada em contact centers virtuais", afirma.A globalização passou a exigir adaptações do modelo para a realidade de diferentes países. A japonesa Toshiba já atua com trabalho a distância há pelo menos 20 anos no Brasil e a atividade vem passando por mudanças ao longo do tempo, se adequando às necessidades e ao perfil dos trabalhadores daqui. "No princípio, tivemos que abrir uma empresa e montar um escritório. Hoje a maioria dos representantes de cada estado trabalha em sua própria casa", conta Edjobson Pedrosa, que trabalha na área de energia da empresa e é responsável pelos contatos de venda no Rio de Janeiro. De acordo com o profissional, a empresa disponibiliza rádios e celulares para cada um dos representantes, que utilizam também comunicação por telefonia IP e um notebook. A matriz da Toshiba Energia no Brasil fica em Contagem, em Minas Gerais. (RL)

STF rejeita denúncia anônima

Expressões como "denuncismo inescrupuloso", "vedação constitucional do anonimato", "procedimento covarde", honra das pessoas "ao sabor de paixões condenáveis", "porta aberta à vindita", constam do voto do Ministro Marco Aurélio, relator do HC 84.827-3. Confira a seguir.

HABEAS CORPUS N.º 84.827-3-TO
Rel.: Min. Marco Aurélio
EMENTA
Não serve à persecução criminal notícia de prática criminosa sem identificação da autoria, consideradas a vedação constitucional do anonimato e a necessidade de haver parâmetros próprios à responsabilidade, nos campos cível e penal, de quem a implemente.
(STF/DJU de 23/11/2007)
O denuncismo irresponsável notícia-crime anônima não serve à persecução penal sem a identificação criminal, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal, através da sua Primeira Turma, por maioria de votos, Relator o Ministro Marco Aurélio.
Decisão: após o voto dos ministros Marco Aurélio, Relator, e Eros Grau deferindo o pedido de habeas corpus, pediu vista dos autos o ministro Carlos Britto. Falou pelo paciente o dr. Nathanael Lima Lacerda e pelo Ministério Público Federal o subprocurador-geral da República, dr. Paulo de Tarso Braz Lucas, 1.ª Turma, 15/2/2005.
Decisão: renovado o pedido de vista do ministro Carlos Britto, de acordo com o art. 1.º, § 1.º, in fine, da Resolução n.º 278/2003. 1.ª Turma, 22/3/2005.
Decisão: adiado o julgamento por indicação do ministro Carlos Britto. 1.ª Turma, 5/4/2005.
Decisão: continuando o julgamento, após os votos do ministro Carlos Britto, indeferindo o pedido de habeas corpus, dos ministros Eros Grau, que ratificava o seu voto anterior, deferindo a ordem e Cezar Peluso no mesmo sentido, pediu vista dos autos o ministro Sepúlveda Pertence, presidente. 1.ª Turma, 26/4/2005.
Decisão: renovado o pedido de vista do ministro Sepúlveda Pertence, de acordo com o art. 1.º, § 1.º, in fine da Resolução n.º 278/2003. 1.ª Turma, 7/6/2005.
Decisão: adiado o julgamento por indicação do ministro Sepúlveda Pertence. 1.ª Turma, 21/6/2006.
Decisão: por maioria de votos, a Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator; vencido o ministro Carlos Britto. Não participaram desta sessão os ministros Cezar Peluso e Eros Grau, transferidos para a Segunda Turma. Não participaram deste julgamento o ministro Ricardo Lewandowski e a ministra Cármen Lúcia por não pertencerem à Turma à época do início do julgamento. 1.ª Turma, 7/8/2007.
Consta do voto do Relator:
O senhor ministro Marco Aurélio (Relator) Reitero o que tive oportunidade de consignar ao deferir a medida acauteladora:
A peça apresentada ao Superior Tribunal de Justiça pelo Ministério Público Federal, rotulada de notícia-crime, mostrou-se conclusiva sobre a necessidade de melhor esclarecimento acerca dos fatos. No intróito, alude-se a fonte única a denúncia anônima -, pleiteando-se, então:
Havendo necessidade de melhor esclarecimento dos fatos, tratando-se de denúncia anônima, o ministério Público Federal considera necessário sejam encaminhados ofícios aos srs. Membros do Poder Judiciário do Estado de Tocantins indicados nesta petição, para as considerações que houverem por bem apresentar.
Outrossim, ofício ao presidente do Tribunal de Justiça do estado do Tocantins o des. Marco Anthony Steveson Villas Boas, para o encaminhamento das decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça:
(...)
Está-se diante de procedimento, com que se visa a persecução criminal, assentado unicamente em documento apócrifo, em carta anônima, colocando-se em jogo a honra de cidadãos investidos do ofício judicante. Reitero o que tive oportunidade de consignar por sinal transcrito na peça primeira dessa impetração quando do julgamento do Mandado de Segurança n.º 24.405-4/DF.
O senhor ministro Marco Aurélio senhor presidente, este mandado de segurança ganha, inclusive, contornos de habeas data, porque o que se pretende é um certo dado arquivado no TCU. Mas isso não importa.
No artigo 74, § 2.º, da Constituição Federal, temos que:
“Art. 74 § 2.º qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.”
A meu ver, essas referências a sindicato, a cidadão, a partido político e a associação remetem a individualização. A cláusula “na forma da lei” não autoriza, a meu ver e vou dizer por que não autoriza a partir, inclusive, das premissas do voto do Relator -, o anonimato, que, para mim, é um verdadeiro ato que revela irresponsabilidade, a decisão sob o ângulo pejorativo do vocábulo. Por que a cláusula na forma da lei não leva à conclusão sobre a legitimidade do anonimato? Porque é fundamento da República e o ministro-Relator explorou esse aspecto a dignidade da pessoa humana. Como é que alguém denunciado pode se defender, inclusive considerado o crime contra a honra, se não sabe quem veiculou a matéria? Mais do que isso: é princípio cardeal da administração pública a publicidade. Eu diria que sem publicidade não há moralidade. A Constituição Federal só preserva o sigilo quando ele diz respeito à atividade profissional, ou seja, é uma prerrogativa da própria atividade profissional não revelar a fonte. O objetivo do TCU pode ser o melhor possível, mas, de bem intencionados, o Brasil está cheio.
Pelas razões expendidas, voto acompanhando o ministro-relator.
Neste primeiro exame, mostra-se discrepante da ordem jurídica constitucional, expressa ao vedar o anonimato, a instauração de procedimento de cunho criminal a partir de documento apócrifo, como é carta que não tenha sido subscrita. Há de se aguardar, com as cautelas pertinentes, o enfrentamento do tema por colegiado desta corte, porquanto o precedente citado na notícia-crime pelo Ministério Público, embora de lavra proficiente, fez-se no campo individual.
Acrescento que se, de um lado, há de se ouvir o cidadão, de se preservar a manifestação do pensamento, de outro, a própria Constituição Federal veda o anonimato inciso IV do artigo 5.º sob o ângulo da inviolabilidade da vida privada, é ainda a Carta da República que assegura o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da inobservância da vedação. É justamente esse contexto que bem diz com a vida em um estado democrático de direito, com a respeitabilidade própria ao convívio das pessoas em cultura satisfatória que direciona à impossibilidade de se agasalhar o denuncismo irresponsável, maculando-se, sem seriedade maior, a vida das pessoas. Sim, tudo deve merecer enfoque visando à preservação da dignidade da pessoa humana que, conforme já assinalado, é fundamento da República Federativa do Brasil. A se agasalhar a óptica da denúncia anônima, mediante carta apócrifa, ter-se-à aberta a porta à vindita, à atuação voltada tão-somente a prejudicar desafetos, alguém que tenha contrariado interesses. No caso, como salientado, trata-se de cidadãos que representam o Estado, atuam em verdadeira substituição, julgando os cidadãos em geral e os conflitos de interesse que os envolvem. Um juiz e dois desembargadores são mencionados na peça esdrúxula que motivou o início de procedimento para a persecução criminal. Vale notar o rol de destinatários da carta que o autor não teve a coragem de subscrever, a bem revelar a tentativa de denegrir imagem, de estabelecer, no cenário, escândalo, desgastando a figura dos citados julgadores. Enviou-se cópia a:
1) Revista Veja;
2) Revista Época;
3) Revista Istoé;
4) TV Globo;
5) TV Bandeirantes;
6) SBT;
7) TV Record;
8) Procurador-geral da República dr. Claudio Fonteles;
9) Ministro Nilson Naves então presidente do Superior Tribunal de Justiça;
10) Ministro Maurício Corrêa então presidente do Supremo Tribunal Federal;
11) Diretor-geral da Polícia Federal;
12) Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
13) Ministro da Justiça, Márcio Tomaz Bastos;
14) outras pessoas e órgãos, exortando-se até a adoção de providências.
A envergadura do tema contrasta, a mais não poder, com a vida democrática, com a segurança jurídica que deve se fazer presente no dia-a-dia dos cidadãos. A esta altura, acolher a referida prática é dar asa à repetição desse procedimento, passando-se a viver época de terror, em que a honra das pessoas ficará ao sabor de paixões condenáveis, não tendo elas meio de incriminar aquele que venha a implementar verdadeira calúnia. O interesse público não está nesse modo de se chegar à responsabilidade de servidores e agentes públicos mas, tanto quanto possível, na preservação da imagem daqueles que atuam no serviço público, especialmente como agentes públicos e políticos.
Coerente com tais premissas é que esta Casa aprovou a Resolução n.º 290, de 5 de maio de 2004, criando a Ouvidoria do Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de contribuir para elevar continuamente os padrões de transparência, presteza e segurança das atividades aqui desenvolvidas. Como que a confirmar que esta Corte não compactua com o procedimento covarde de quem se escusa da responsabilidade que deve nortear o exercício da cidadania, já no inciso II do artigo 4.º daquela Resolução está registrado que não serão admitidas pela Ouvidoria reclamações, críticas ou denúncias anônimas, esclarecendo-se, no § 1.º, que, nesses casos, “o pedido terá seu processamento rejeitado liminarmente e será imediatamente devolvido ou comunicada a decisão ao remetente”.
Mais do que isso, julgando o Mandado de Segurança n.º 24.405-4/DF, sob a relatoria do ministro Carlos Velloso, o Plenário glosou o artigo 55 da Lei n.º 8.443/92 quanto à manutenção do sigilo da autoria de denúncia ao Tribunal de Contas da União.
Claro está, então, que, sob pretextos os mais casuísticos, não se há de acobertar aquele que, valendo-se do anonimato, ofende quem quer que seja, agravando-se mais ainda o pusilânime ato, a abjeta acusação se dirigida a um administrador da coisa pública, cujo prejuízo será maior, ante as peculiaridades do cargo que ocupa, que o expõe a elevada evidência social. Seria usar de dois pesos e duas medidas permitir o gravame e impossibilitar o eventual reparo, com afronta, mormente ao inciso X que assegura a inviolabilidade do direito de imagem e ao inciso V concernente ao direito de resposta, proporcional ao agravo, com ambas as normas a alicerçar a indenização por dano material e moral.
Portanto, de forma alguma, convém viabilizar o ensejo de práticas das mais odiosas o denuncismo inescrupuloso e doidivanas que decorrerá necessariamente do fato de o denunciante saber-se protegido pelo sigilo nas acusações que faz sem querer responder pelas conseqüências quando do controle judicial do ato, enfim, quando da apuração e consagração da verdade dos fatos por si imputados a outrem, muitas vezes por puro ressentimento diante da proeminência do ofendido, inconformismo com o próprio fracasso, ou ainda por outros sentimentos menos nobres e igualmente inconfessáveis.
A presidência do Supremo Tribunal Federal, ao encaminhar cópia do documento apócrifo à diretoria jurídica do Banco do Brasil, fazendo-o mediante ofício subscrito pela assessora-chefe, não teve como objetivo formalizar notícia da prática de crime, mesmo porque, se assim o fosse, o destinatário seria outro. Concedo a ordem para tornar definitiva a medida acauteladora.

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