quarta-feira, 21 de maio de 2008

Evolução do vinho brasileiro

Valor Econômico - EU & Prazeres - 20.05.08 - D10
A evolução e o reconhecimento do vinho nacional
Jorge Lucki

Denominar "A fantástica evolução do vinho nacional" a palestra realizada na última Expovinis pode parecer ufanismo, todavia não é. Depois que os espumantes brasileiros conseguiram ganhar a confiança do consumidor, tirando espaço de proseccos e outros rótulos do gênero de qualidade questionável que aqui deitavam e rolavam - ainda há muitos deles que, por terem o selo de importados ainda continuam enganando -, está chegando a vez dos nossos tintos e brancos serem reconhecidos. E não é pelas medalhas que porventura possam ter conquistado, nem por números apontando aumento na quantidade de garrafas exportadas. São proezas que ajudam do ponto de vista mercadológico, mas, na realidade, em particular no que diz respeito às menções obtidas na maioria dos concursos espalhados mundo afora, elas têm pouca valia. O que interessa mesmo é que um trabalho foi sendo realizado nos últimos anos para alcançar uvas de melhor qualidade, o que vai se refletindo em vinhos de padrão mais elevado.

Sendo isso verdade, a primeira questão que vem em mente é como eles se posicionam frente aos chilenos e argentinos. Em primeiro lugar seria o caso de se perguntar quais chilenos e argentinos, mas nem é preciso chegar lá. Mesmo entre eles, vizinhos separados apenas por uma "paredinha" de seis mil metros de altura, a Cordilheira dos Andes, a comparação não tem sentido. São terroirs diferentes que dão por conseqüência vinhos diferentes. O importante é guardar identidade. Preferir um, em detrimento do outro, tem a ver com preferência pessoal. Os nacionais têm como característica maior frescor que evidencia um paladar frutado, componentes que são melhor apreciados enquanto o vinho é jovem. Não são, portanto, para serem guardados muito tempo - brancos, três anos, tintos, cinco anos.
As (antigas) dúvidas quanto à qualidade do vinho brasileiro, vêm da dificuldade que o nosso aclamado clima tropical impõe ao desenvolvimento vegetativo das parreiras viníferas. Sem precisar ir muito longe, as áreas vinícolas importantes do Chile e Argentina estão localizadas em condições de clima temperado, semelhante a regiões produtoras famosas. A grande diferença entre os dois climas, tropical e temperado, com efeito direto nos vinhos, está nas chuvas: aqui ocorrem no verão, época de maturação das uvas, exatamente quando elas precisam de sol e tempo seco.
A citada evolução qualitativa dos vinhos nacionais foi, sobretudo, conseqüência da implantação de técnicas adequadas nos vinhedos, abandonando tradições e culturas que vinham desde o tempo da imigração italiana no sul. Além da maneira de conduzir as parreiras, passando do condenado sistema de pergolado, que induz a grandes quantidades, pouca insolação e má ventilação, para o de espaldeira, foi dado ênfase a castas e clones mais adaptados às nossas condições. É um trabalho que demanda coragem - arrancar vinhas que sempre foram o sustento da família - e tempo. Uma ação dessas demora cerca de cinco anos para dar resultado.
A propósito, se o clima é um sério obstáculo à elaboração de tintos e brancos, o mesmo não se aplica aos espumantes, possivelmente o que tradicionalmente produzimos de melhor em vinhos. Eles não precisam de uvas tão maduras para exprimir suas características de frescor com equilíbrio. É a vantagem que levamos sobre nossos "hermanos".
Quando se fala de clima difícil, subtende-se que estamos falando do sul do país. A situação muda quando o assunto é Vale do São Francisco, fronteira vitivinícola que, embora tenha mais de duas décadas de cultivo, ganhou destaque nos últimos tempos com os projetos Rio Sol, parceria entre a Expand e o grupo Português Dão Sul, e Terranova, da Miolo. Efetivamente as condições são diferentes. A região não tem estações definidas e permite duas colheitas por ano. Os vinhos, a despeito de toda a promoção e dos dados apontando grandes volumes exportados para países europeus, não me convencem. A meu ver são "bem feitinhos", mas óbvios - falta-lhes identidade. Até aí nada demais, são bons vinhos para "todo dia". O que me incomoda é a tentativa de elitizá-los. Pela capacidade de ser produzido em grandes quantidades, com homogeneidade, seria bem vindo na função de atrair novos consumidores. Posicionando-se como "o melhor vinho brasileiro" não ajuda.
Não foi, então, por acaso que a palestra da Expovinis contou apenas com vinhos provenientes de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, regiões que, no meu entender, melhor refletem o caráter dos tintos e brancos nacionais. Além disso, o painel foi montado para mostrar o bom trabalho realizado pelos produtores do sul do país nos últimos anos, contando, para tanto, com alguns vinhos que ainda nem estão no mercado.
Os rótulos apresentados foram: Villa Francioni Chardonnay 2006, um projeto arrojado desenvolvido pela família Freitas, nas cercanias da cidade se São Joaquim; Vilaggio Grande Inominable lote II, uma mescla de 5 castas - Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Malbec e Pinot Noir - e três safras, também de Santa Catarina; RAR 2006, pertencente ao empresário Raul Randon em parceria com a Miolo, produzido em Campos de Cima da Serra, zona de altitude; Marson Gran Reserva 2004, dos sete irmãos Marson, elaborado em Cotiporã, a oeste de Bento Gonçalves; Boscato Gran Reserva Cabernet Sauvignon 2005, com vinhedos modelo situado no distrito de Nova Pádua; Casa Perini Tannat 2005, especialidade da vinícola de Farroupilha; Salton Desejo 2005, a mais nova safra do premiado vinho da dinâmica Salton, formando a quadra da Serra Gaúcha; Valduga Gran Reserva Cabernet Sauvignon 2005, nome tradicional sempre se modernizando; Pizzato Merlot Reserva 2005, sempre de alto nível; Miolo Lote 43 2005, safra que comprova a evolução qualitativa de um dos mais conceituados produtores brasileiros, os três da Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos; e Lídio Carraro Nebbiolo 2005, símbolo da perseverança e perfeccionismo dos irmãos Carraro, que acreditam (com razão) no potencial de Encruzilhada do Sul.
Este artigo inicia uma série, que terá seqüência nas próximas semanas, dedicada aos vinhos nacionais. Serão abordados com mais profundidade, o momento atual, as regiões, os micro-climas e seus vinhos. O Brasil passa, em vários frentes, por uma fase bastante favorável, o vinho é uma delas.

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