quarta-feira, 21 de maio de 2008

STF rejeita denúncia anônima

Expressões como "denuncismo inescrupuloso", "vedação constitucional do anonimato", "procedimento covarde", honra das pessoas "ao sabor de paixões condenáveis", "porta aberta à vindita", constam do voto do Ministro Marco Aurélio, relator do HC 84.827-3. Confira a seguir.

HABEAS CORPUS N.º 84.827-3-TO
Rel.: Min. Marco Aurélio
EMENTA
Não serve à persecução criminal notícia de prática criminosa sem identificação da autoria, consideradas a vedação constitucional do anonimato e a necessidade de haver parâmetros próprios à responsabilidade, nos campos cível e penal, de quem a implemente.
(STF/DJU de 23/11/2007)
O denuncismo irresponsável notícia-crime anônima não serve à persecução penal sem a identificação criminal, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal, através da sua Primeira Turma, por maioria de votos, Relator o Ministro Marco Aurélio.
Decisão: após o voto dos ministros Marco Aurélio, Relator, e Eros Grau deferindo o pedido de habeas corpus, pediu vista dos autos o ministro Carlos Britto. Falou pelo paciente o dr. Nathanael Lima Lacerda e pelo Ministério Público Federal o subprocurador-geral da República, dr. Paulo de Tarso Braz Lucas, 1.ª Turma, 15/2/2005.
Decisão: renovado o pedido de vista do ministro Carlos Britto, de acordo com o art. 1.º, § 1.º, in fine, da Resolução n.º 278/2003. 1.ª Turma, 22/3/2005.
Decisão: adiado o julgamento por indicação do ministro Carlos Britto. 1.ª Turma, 5/4/2005.
Decisão: continuando o julgamento, após os votos do ministro Carlos Britto, indeferindo o pedido de habeas corpus, dos ministros Eros Grau, que ratificava o seu voto anterior, deferindo a ordem e Cezar Peluso no mesmo sentido, pediu vista dos autos o ministro Sepúlveda Pertence, presidente. 1.ª Turma, 26/4/2005.
Decisão: renovado o pedido de vista do ministro Sepúlveda Pertence, de acordo com o art. 1.º, § 1.º, in fine da Resolução n.º 278/2003. 1.ª Turma, 7/6/2005.
Decisão: adiado o julgamento por indicação do ministro Sepúlveda Pertence. 1.ª Turma, 21/6/2006.
Decisão: por maioria de votos, a Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator; vencido o ministro Carlos Britto. Não participaram desta sessão os ministros Cezar Peluso e Eros Grau, transferidos para a Segunda Turma. Não participaram deste julgamento o ministro Ricardo Lewandowski e a ministra Cármen Lúcia por não pertencerem à Turma à época do início do julgamento. 1.ª Turma, 7/8/2007.
Consta do voto do Relator:
O senhor ministro Marco Aurélio (Relator) Reitero o que tive oportunidade de consignar ao deferir a medida acauteladora:
A peça apresentada ao Superior Tribunal de Justiça pelo Ministério Público Federal, rotulada de notícia-crime, mostrou-se conclusiva sobre a necessidade de melhor esclarecimento acerca dos fatos. No intróito, alude-se a fonte única a denúncia anônima -, pleiteando-se, então:
Havendo necessidade de melhor esclarecimento dos fatos, tratando-se de denúncia anônima, o ministério Público Federal considera necessário sejam encaminhados ofícios aos srs. Membros do Poder Judiciário do Estado de Tocantins indicados nesta petição, para as considerações que houverem por bem apresentar.
Outrossim, ofício ao presidente do Tribunal de Justiça do estado do Tocantins o des. Marco Anthony Steveson Villas Boas, para o encaminhamento das decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça:
(...)
Está-se diante de procedimento, com que se visa a persecução criminal, assentado unicamente em documento apócrifo, em carta anônima, colocando-se em jogo a honra de cidadãos investidos do ofício judicante. Reitero o que tive oportunidade de consignar por sinal transcrito na peça primeira dessa impetração quando do julgamento do Mandado de Segurança n.º 24.405-4/DF.
O senhor ministro Marco Aurélio senhor presidente, este mandado de segurança ganha, inclusive, contornos de habeas data, porque o que se pretende é um certo dado arquivado no TCU. Mas isso não importa.
No artigo 74, § 2.º, da Constituição Federal, temos que:
“Art. 74 § 2.º qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.”
A meu ver, essas referências a sindicato, a cidadão, a partido político e a associação remetem a individualização. A cláusula “na forma da lei” não autoriza, a meu ver e vou dizer por que não autoriza a partir, inclusive, das premissas do voto do Relator -, o anonimato, que, para mim, é um verdadeiro ato que revela irresponsabilidade, a decisão sob o ângulo pejorativo do vocábulo. Por que a cláusula na forma da lei não leva à conclusão sobre a legitimidade do anonimato? Porque é fundamento da República e o ministro-Relator explorou esse aspecto a dignidade da pessoa humana. Como é que alguém denunciado pode se defender, inclusive considerado o crime contra a honra, se não sabe quem veiculou a matéria? Mais do que isso: é princípio cardeal da administração pública a publicidade. Eu diria que sem publicidade não há moralidade. A Constituição Federal só preserva o sigilo quando ele diz respeito à atividade profissional, ou seja, é uma prerrogativa da própria atividade profissional não revelar a fonte. O objetivo do TCU pode ser o melhor possível, mas, de bem intencionados, o Brasil está cheio.
Pelas razões expendidas, voto acompanhando o ministro-relator.
Neste primeiro exame, mostra-se discrepante da ordem jurídica constitucional, expressa ao vedar o anonimato, a instauração de procedimento de cunho criminal a partir de documento apócrifo, como é carta que não tenha sido subscrita. Há de se aguardar, com as cautelas pertinentes, o enfrentamento do tema por colegiado desta corte, porquanto o precedente citado na notícia-crime pelo Ministério Público, embora de lavra proficiente, fez-se no campo individual.
Acrescento que se, de um lado, há de se ouvir o cidadão, de se preservar a manifestação do pensamento, de outro, a própria Constituição Federal veda o anonimato inciso IV do artigo 5.º sob o ângulo da inviolabilidade da vida privada, é ainda a Carta da República que assegura o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da inobservância da vedação. É justamente esse contexto que bem diz com a vida em um estado democrático de direito, com a respeitabilidade própria ao convívio das pessoas em cultura satisfatória que direciona à impossibilidade de se agasalhar o denuncismo irresponsável, maculando-se, sem seriedade maior, a vida das pessoas. Sim, tudo deve merecer enfoque visando à preservação da dignidade da pessoa humana que, conforme já assinalado, é fundamento da República Federativa do Brasil. A se agasalhar a óptica da denúncia anônima, mediante carta apócrifa, ter-se-à aberta a porta à vindita, à atuação voltada tão-somente a prejudicar desafetos, alguém que tenha contrariado interesses. No caso, como salientado, trata-se de cidadãos que representam o Estado, atuam em verdadeira substituição, julgando os cidadãos em geral e os conflitos de interesse que os envolvem. Um juiz e dois desembargadores são mencionados na peça esdrúxula que motivou o início de procedimento para a persecução criminal. Vale notar o rol de destinatários da carta que o autor não teve a coragem de subscrever, a bem revelar a tentativa de denegrir imagem, de estabelecer, no cenário, escândalo, desgastando a figura dos citados julgadores. Enviou-se cópia a:
1) Revista Veja;
2) Revista Época;
3) Revista Istoé;
4) TV Globo;
5) TV Bandeirantes;
6) SBT;
7) TV Record;
8) Procurador-geral da República dr. Claudio Fonteles;
9) Ministro Nilson Naves então presidente do Superior Tribunal de Justiça;
10) Ministro Maurício Corrêa então presidente do Supremo Tribunal Federal;
11) Diretor-geral da Polícia Federal;
12) Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
13) Ministro da Justiça, Márcio Tomaz Bastos;
14) outras pessoas e órgãos, exortando-se até a adoção de providências.
A envergadura do tema contrasta, a mais não poder, com a vida democrática, com a segurança jurídica que deve se fazer presente no dia-a-dia dos cidadãos. A esta altura, acolher a referida prática é dar asa à repetição desse procedimento, passando-se a viver época de terror, em que a honra das pessoas ficará ao sabor de paixões condenáveis, não tendo elas meio de incriminar aquele que venha a implementar verdadeira calúnia. O interesse público não está nesse modo de se chegar à responsabilidade de servidores e agentes públicos mas, tanto quanto possível, na preservação da imagem daqueles que atuam no serviço público, especialmente como agentes públicos e políticos.
Coerente com tais premissas é que esta Casa aprovou a Resolução n.º 290, de 5 de maio de 2004, criando a Ouvidoria do Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de contribuir para elevar continuamente os padrões de transparência, presteza e segurança das atividades aqui desenvolvidas. Como que a confirmar que esta Corte não compactua com o procedimento covarde de quem se escusa da responsabilidade que deve nortear o exercício da cidadania, já no inciso II do artigo 4.º daquela Resolução está registrado que não serão admitidas pela Ouvidoria reclamações, críticas ou denúncias anônimas, esclarecendo-se, no § 1.º, que, nesses casos, “o pedido terá seu processamento rejeitado liminarmente e será imediatamente devolvido ou comunicada a decisão ao remetente”.
Mais do que isso, julgando o Mandado de Segurança n.º 24.405-4/DF, sob a relatoria do ministro Carlos Velloso, o Plenário glosou o artigo 55 da Lei n.º 8.443/92 quanto à manutenção do sigilo da autoria de denúncia ao Tribunal de Contas da União.
Claro está, então, que, sob pretextos os mais casuísticos, não se há de acobertar aquele que, valendo-se do anonimato, ofende quem quer que seja, agravando-se mais ainda o pusilânime ato, a abjeta acusação se dirigida a um administrador da coisa pública, cujo prejuízo será maior, ante as peculiaridades do cargo que ocupa, que o expõe a elevada evidência social. Seria usar de dois pesos e duas medidas permitir o gravame e impossibilitar o eventual reparo, com afronta, mormente ao inciso X que assegura a inviolabilidade do direito de imagem e ao inciso V concernente ao direito de resposta, proporcional ao agravo, com ambas as normas a alicerçar a indenização por dano material e moral.
Portanto, de forma alguma, convém viabilizar o ensejo de práticas das mais odiosas o denuncismo inescrupuloso e doidivanas que decorrerá necessariamente do fato de o denunciante saber-se protegido pelo sigilo nas acusações que faz sem querer responder pelas conseqüências quando do controle judicial do ato, enfim, quando da apuração e consagração da verdade dos fatos por si imputados a outrem, muitas vezes por puro ressentimento diante da proeminência do ofendido, inconformismo com o próprio fracasso, ou ainda por outros sentimentos menos nobres e igualmente inconfessáveis.
A presidência do Supremo Tribunal Federal, ao encaminhar cópia do documento apócrifo à diretoria jurídica do Banco do Brasil, fazendo-o mediante ofício subscrito pela assessora-chefe, não teve como objetivo formalizar notícia da prática de crime, mesmo porque, se assim o fosse, o destinatário seria outro. Concedo a ordem para tornar definitiva a medida acauteladora.

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