terça-feira, 21 de outubro de 2008

Responsabilidade civil das indústrias de tabaco

Responsabilidade civil da indústria do tabaco
Fernando Dantas M. Neustein20/10/2008
Há muita desinformação acerca do panorama jurisprudencial das ações de responsabilidade civil contra os fabricantes de cigarro no Brasil e no mundo. Embora os fabricantes prevaleçam consistentemente nesses litígios há décadas, existe uma percepção generalizada em sentido oposto - provavelmente pela facilidade com a qual a informação irrefletida se propaga.


Muito se diz, por exemplo, das condenações sofridas pelas tabaqueiras nos Estados Unidos, mas pouco efetivamente se sabe a respeito. Desde 1954, já foram propostas mais de oito mil dessas ações perante o Judiciário americano. Passados mais de 50 anos, apenas onze decisões contrárias aos fabricantes transitaram em julgado - um número insignificante se comparado ao universo de demandas propostas.

Esse número, ademais, deve ser analisado no contexto do estranho sistema judicial americano, que autoriza um júri para julgamento de questões cíveis, não importando o quão complexos sejam os temas tratados na disputa. Em várias dessas ações nos Estados Unidos foi o júri popular, composto por cidadãos leigos, que decidiu quais as doenças que o consumo de cigarro causa. Desse modelo de jurisdição o Brasil felizmente está longe.

Nossa tradição jurídica foi herdada dos sistemas codificados europeus. Apesar disso, pouco se sabe desses litígios na Europa. Isso porque, na Europa, existe apenas uma decisão final contrária aos fabricantes de cigarro em ações desse tipo, contra dezenas de total insucesso. Isso se aplica à França, país que desempenhou um papel determinante no progresso das ciências humanas no Brasil e cujo código napoleônico sabidamente inspirou o desenvolvimento do direito civil brasileiro; à Alemanha, cuja contribuição à ciência do direito brasileiro é conhecida, e também à Finlândia e à Noruega, cujas leis de proteção ao consumidor são assaz semelhantes ao Código de Defesa do Consumidor brasileiro.

No Brasil, essas ações começaram a ser ajuizadas em 1995. Desde então, já foram propostas mais de 570 demandas. A tese é a de que o fumante desconhece os riscos do cigarro, começa a fumar compelido pela propaganda do produto e torna-se dependente, perdendo a autonomia da vontade e a capacidade de responder por seus atos.

Em 13 anos de litígio, o Poder Judiciário brasileiro decantou uma firme jurisprudência contrária a essas pretensões. Já foram proferidas mais de 500 decisões de improcedência, entre sentenças e acórdãos. Hoje vigem apenas 12 decisões contrárias aos fabricantes, todas sub judice. Uma parcela significativa dessas decisões foi proferida por duas câmaras do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), destoando da posição majoritária da própria corte acerca do tema.

Prevalece em juízo o entendimento de que o cigarro é um produto lícito de risco inerente, regulado à exaustão, cuja nocividade é conhecida pelos brasileiros desde tempos imemoriais. Não, há, portanto, defeito no cigarro, senão assunção voluntária de um risco conhecido pelo fumante. Quanto à propaganda, os tribunais confirmam o que dizem os estudiosos: as pessoas começam a fumar pela influência de amigos e parentes, e não pela publicidade, voltada, sobretudo, a manter o consumidor fiel a uma marca ou estimulá-lo a trocar de marca.

Apesar disso, seguindo um conhecido movimento pendular, uma nova onda antitabagista parece ensaiar-se no Brasil, agora ancorada no discurso de que o cigarro é um produto defeituoso por ser perigoso à saúde. O foco é o produto e seu risco inerente, e não o consumidor e seu conhecimento desse risco. Para todos os efeitos, o consumidor é retratado como vítima. Diante dessa nova onda, convém reforçar premissas a serem consideradas quando do debate jurídico sobre um produto tão controvertido como o cigarro, capaz que é de despertar as mais diferentes paixões.

A primeira delas é que o Estado de direito tem compromisso irrevogável com a lógica e a razão. O Estado brasileiro autoriza, regulamenta, fomenta e tributa a produção e comercialização do cigarro. Mais do que isso: o faz absolutamente ciente dos riscos do produto. Debates parlamentares travados no século XIX revelam que a sobretaxação do cigarro se devia aos já então conhecidos malefícios do fumo. Se o Estado autoriza o comércio de um produto de risco inerente, não faz sentido que ele mesmo responsabilize o fabricante pela conhecida nocividade do produto.

A segunda delas é que o discurso jurídico não se pode deixar contaminar pela ideologia antitabagista. Ser contra o cigarro é um direito de qualquer um. Pretender, contudo, que essa visão seja levada em conta para a solução de ações de responsabilidade civil implica em reduzir o direito à disciplina de um jogo de preferências pessoais. Em juízo, não se trata de ser contra ou a favor ao cigarro, mas sim de verificar se a ação tem fundamento legal. A questão é objetiva, e não subjetiva.

A alegação de que os malefícios do cigarro justificam a condenação do fabricante é sintomática dessa confusão, pela simples razão de que a lei não considera a nocividade de um produto um requisito suficiente para o dever de indenizar. Portanto, o destinatário do discurso dessa nova onda antitabagista é o Poder Legislativo, a quem cabe decidir pela manutenção da licitude do cigarro; e não o Poder Judiciário, cuja função é a de julgar conforme a lei.

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