Jornal Valor Econômico - Legislação & Tributos - 21.12.2015 - E2
Por Alexandre C. da Silveira e Daniel Tobias Athias
21/12/2015 05:00
A Constituição atribuiu à União a propriedade dos recursos minerais, cuja exploração tem de ser feita no interesse nacional. Dentre as imposições do regime de exploração desses recursos, está o pagamento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), referente ao valor do custo de oportunidade do Estado, compensado pela exploração econômica de seu patrimônio, além de relacionada à finitude do bem. Ou seja, uma vez explorado, ele não estará mais disponível.
Apesar de não se tratar de parcela com natureza de "compensação ambiental", voltada para fins de mitigação e compensação por impactos ou danos, isto não implica relegar a questão ambiental da exploração mineral a segundo plano. Reconhecese apenas que existem medidas/instrumentos próprios que servem a esse propósito, com valores direcionados exclusivamente para essa finalidade, como o que consta do art. 36 da Lei do SNUC. Embora seja instrumento relevante na política de exploração minerária, a CFEM não está particularmente vinculada à questão ambiental.
Fato é que a análise da atividade minerária deve ser holística, cotejando o impacto e o retorno socioeconômicos à sociedade. Contudo, temse visto que a deturpação de alguns instrumentos de análise leva ao enfraquecimento das medidas de compensação implantadas. Exemplo disso é a utilização do licenciamento ambiental não para impor medidas de proteção ao meio ambiente, mas sim de exigir investimentos em obras sociais e infraestrutura de forma ad hoc pelos licenciadores e pelo Ministério Público; apesar de serem obras essenciais para as comunidades impactadas, é frequente privilegiar as condicionantes sociais em detrimento da questão ambiental.
O maior problema da CFEM decorre justamente da forma como esta receita é utilizada pelos entes federativos (qualidade do gasto) ante as características da fonte. A exploração mineral é marcada por duas características intrínsecas: a volatilidade de preços no mercado internacional e a finitude do recurso são esgotáveis e haverá momento em que esta fonte de arrecadação não mais estará presente.
Diante da volatilidade dos preços, o gestor público deve estar atento, na alta (como na maior parte da última década), que as receitas estão sujeitas a quedas abruptas. Isto precisa ser considerado quando da decisão de como utilizar esses valores, especialmente visando distinguilos de outras receitas mais constantes, como a tributária. Por exemplo, constróise um hospital em tempos de alta que fica sem médicos nos tempos de baixa caso a receita de CFEM tenha sido planejada como fonte de custeio. Melhor seria utilizar fundos para gerir essa receita, pois represariam o excesso, nos tempos de alta; e serviriam como reserva, nos tempos de baixa.
Já a finitude traz outras consequências. Uma delas é a necessidade de evitar a dependência desse tipo de receita. Ciente da esgotabilidade, devem ser estimuladas políticas de diversificação produtiva de forma que, com o uso dos valores da CFEM, seja criada uma base de produção de outras receitas, estas não dependentes apenas da mineração. É questionável o gasto público dessa receita em despesas correntes e que não implicam reprodução.
Numa analogia recorrente: não se deve vender a prataria da casa para pagar as despesas ordinárias. Podese até questionar o papel do direcionamento de 65% da arrecadação da CFEM aos municípios, vez que estes sequer terão condições técnicas (inclusive territorial) para promover tal diversificação.
Outra consequência diz respeito à equidade intergeracional e o dever ético que temos para com as futuras gerações. A finitude dos recursos minerais deve ser ponderada com a perpetuação da sociedade ao longo do tempo. Sendo certo o esgotamento destes recursos e a renda deles oriunda, não se deve agir em detrimento das gerações futuras, que, a depender do gasto, não usufruirão desses bens/gastos.
A temporalidade parece não estar presente na análise atual quanto ao destino dessa receita, implicando no mau uso destes recursos para gasto corrente ou obras que não acarretarão melhoria para a sociedade (atual e futura). Será que o ordenamento jurídico voltado à gestão e gasto da CFEM orienta no sentido ora proposto? Pensase que não. Apesar da vedação de gasto em pagamento de dívida ou despesas correntes com pessoal, o regime de caixa único implica dificuldade de controlar o destino dessa receita e distinguila das demais que não têm a mesma natureza. Reformas devem ser feitas nesse sentido.
O uso da receita de recursos não renováveis em despesas de custeio é desperdiçar fonte esgotável em gastos não reprodutivos, e deve ser evitado.
Alexandre Coutinho da Silveira e Daniel Tobias Athias são, respectivamente, doutorando em direito pela USP e sócio do Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff Advogados; mestrando em direito pela USP, advogado do Grinberg & Cordovil Advogados
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