quarta-feira, 24 de abril de 2013

Milagres da Grappa

Valor Econômico – EU & Estilo – 24.04.2013 – p. D6


Grappa, 'milagre' italiano em tempos de crise

Por Aimée Luchard
De Bassano del Grappa, Itália

Prateleira de 3 mil miniaturas de grappa no museu mantido pela destilaria Poli, em Bassano del Grappa

Reza um provérbio italiano que uma barrica de vinho produz mais milagres do que uma igreja cheia de santos. Em tempos de incertezas políticas e crise econômica, o ditado tem um fundo de verdade. Pelo menos, no que diz respeito à grappa. A aguardente italiana, produzida a partir de bagaço de uvas, virou produto de grife e ganhou o mundo. Anualmente, são produzidos 40 milhões de garrafas ou o equivalente a 20 milhões de litros da bebida. De janeiro a setembro de 2012, segundo dados do Instituto Italiano de Estatística (Istat), a exportação de grappa subiu globalmente 16% em relação ao mesmo período do ano anterior e o consumo do produto engarrafado cresceu 10% tanto na Itália quanto no exterior.

Na União Europeia, os alemães compraram mais 11% e os holandeses mais 3%. Fora da zona do euro, o Canadá foi responsável por um aumento de 14% nas importações do destilado. Embora no Brasil o forte não sejam as estatísticas, por aqui também a bebida vai ganhando apreciadores desde que desembarcou em 2006 pelas mãos de vinícolas nacionais interessadas em diversificar opções, como a Miolo e a Casa Valduga, que distribuem rótulos próprios. No eixo São Paulo-Rio, restaurantes estrelados têm a grappa nos cardápios assim como cafeterias sofisticadas já a acrescentam ao café, como é hábito no país de origem.

Turista passa por um olfatômetro no museu

A história revela que a grappa é produzida desde o século XI, nas regiões frias do Vêneto, no norte da Itália. Inicialmente, restos de sementes, cascas e talos de uvas de inúmeras variedades, ou seja, o resíduo da vinificação, conhecido como vinhaço (vinaccia), era aproveitado pelos produtores de vinho no preparo de uma bebida para se aquecerem no inverno. Com muitas impurezas, tinha ardor sufocante. Ao longo do tempo, com mais cuidado dos viticultores no envelhecimento e a utilização de uma só casta de uva, a qualidade melhorou. O aprimoramento na produção da grappa começa já a partir da colheita - as uvas mais perfumadas passaram a ser escolhidas, dando à bebida um aroma mais genuíno. Numa etapa subsequente, apenas as sementes e cascas dessas uvas passaram a ser prensadas em um período de 8 a 15 dias. Nos dias de hoje, a destilação é feita por um sistema de vapor direto, em alambiques de cobre, onde posteriormente o líquido descansa por três meses, no mínimo, para adquirir maciez e equilíbrio de aroma. O resultado é uma mistura forte, com teor alcoólico que varia de 40% a 50%, semelhante à nossa cachaça.

A semelhança para por aí. A grappa é um produto protegido e regulamentado por leis italianas e da União Europeia. Uma resolução de 1989 do Conselho Europeu determinou que só podem receber o nome de grappa os destilados produzidos com uvas cultivadas, vinificadas e destiladas em nove regiões específicas da Itália. O Instituto Nacional da Grappa tem a finalidade de proteger a bebida, que é italiana "por tradição, cultura e direito".

Tonel também exposto no museu

Em toda a Itália, existem 130 destilarias de grappa. Na região do Vêneto, no nordeste do país, funcionam 45, sendo que 5 das quais na Província de Vicenza. Tal como nos tempos remotos, a cidadezinha medieval de Bassano del Grappa, na mesma Província, tem o nome ligado indelevelmente à bebida. Ela começou a ser consumida pelos "alpinis", soldados treinados para combater na neve, aquartelados ao pé do Monte Grappa, durante as duas guerras mundiais. Depois, espalhou-se pelas redondezas. Lá funciona a Poli, uma das mais antigas destilarias do Vêneto. Jacopo Poli, atual presidente da empresa e bisneto de Giobatta Poli, que a fundou em 1898, dá a receita para obter uma boa grappa. "É simples: bastam vinhaços frescos e cem anos de prática." Visitar o Museu de la Grapa, mantido pela destilaria e abrigado numa construção do século XV no centro do vilarejo, é mergulhar num mundo de histórias, aromas e arte perdidos no tempo. A exceção do dia de Natal, Ano Novo ou domingo de Páscoa, os únicos dias em que fecha, está sempre cheio. De turistas estrangeiros e italianos das regiões vizinhas ávidos em conhecer mais sobre essa aguardente única.

Vista da cidade italiana

A diretora Bárbara Tessarolo tem na ponta da língua a explicação para os visitantes intrigados pelo fato de a bebida ser feita de restos: "O álcool etílico ferve a 78,4 graus e não a 100 graus como a água. Nesse processo de retificação, todas as substâncias desagradáveis são eliminadas". Com indisfarçável orgulho, ela mostra as vitrines com aproxidamante 3 mil miniaturas de garrafas comercializadas nas mais variadas regiões da Itália: Piemonte, Cinque Terre, Padova, Friuli... Cada uma mais bonita que a outra! Bárbara Tessarolo informa ainda que a destilaria segue a tradição de utilizar o vidro soprado para as garrafas. Vidreiros de Veneza são os atuais fornecedores da marca. Estão expostos também tonéis, caldeiras, pipetas e uma série de utensílios próprios para a produção da grappa. O mais raro tesouro do acervo é o livro "Liber de arte distillandi", datado de 8 de maio de 1500, o primeiro texto impresso sobre destilação de grappa de que se tem notícia. Na última sala, fileiras com 20 olfatômetros são uma atração à parte. "As grappas aromatizadas fazem sucesso em qualquer parte do mundo", Tessarollo justifica. Ninguém resiste a um fungada básica para sentir o cheiro do que se degustará mais tarde. Mel, mirtilo, café, chocolate ou bombardino são algumas das opções.

Na lojinha do museu, a escolha é ampla tanto em sabores quanto em preços. A bebida mais barata, de pura semente, fica na faixa de € 12 (R$ 32). A mais cara, a grappa di Sassicaia, com uvas cabernet franc e envelhecida por quatro anos em barris de carvalho, atinge os € 180 (R$ 470). Achou caro? Ledo engano. Na última Páscoa, faltou produto nas prateleiras.

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