segunda-feira, 29 de abril de 2013

Aromas e sabores do vinho

Valor Econômico – EU & Estilo – 29.04.2013 – p. D6


Quando é que a banana está no vinho? E a manteiga?

Por Rodrigo Uchoa
De São Paulo

Vira e mexe, alguém mostra espanto com as notas descritivas de um vinho ou de uma cerveja. Aromas de azeitona e de salmoura? Banana? Manteiga? Há tanta coisa assim numa simples taça de vinho que, no fim das contas veio da uva? Que tipo de cereal poderia fazer de uma cerveja algo tão complexo?

Por mais estranho que isso possa parecer, essas descrições deveriam servir para facilitar a vida dos consumidores. Como? Apelando para frutas, flores e substâncias conhecidas.

Que tal falarmos hoje de vinho?

Antigamente, as descrições feitas pelos críticos e connoisseurs eram por demais poéticas: "um claret que lembra o toque feminino de um voile de seda"; "um borgonha que se descortina com a brisa da manhã"; etc. Hoje em dia, a cultura do vinho está muito mais globalizada e os consumidores exigem referências mais objetivas.

Mas como fazer isso?

Bem, vamos "começar pelo começo". Todo vinho é um fermentado de uva que tem basicamente água (de 85% a 90%), alcoóis (de 7% a 24%, incluindo aí etanol, glicerol, metanol etc.) e açúcares (de 0% a 15%, incluindo glicose, frutose, xilose etc.). Além disso, há ácidos (o málico, o cítrico e o tartárico, que vêm da uva; e o succínico, o lático e o acético, entre outros, que vêm da fermentação), fenóis (taninos, antocianinas e flavonas), ésteres (que são o resultado de um ácido e um álcool), sais minerais etc.

Ao descrever, por exemplo, um vinho feito no Chile com a casta chardonnay, é bem possível que o degustador vá encontrar notas amanteigadas e aromas de abacaxi. Pois há aí a formação de ácido lático (notas amanteigadas) e de butanoato de etila (um éster que tem aroma de abacaxi).

Ao falar de um vinho vindo de Beaujolais com a uva gamay, certamente encontrará notas de banana. Há banana amassada no meio do vinho? Claro que não! A característica desses beaujolais é ter acetato de isoamila, o éster que dá o forte aroma de banana.

E que tal um vinho de Bordeaux com "cheiro de suor animal"? Há aí uma indicação da presença de uma levedura chamada Brettanomyces. Para algumas pessoas, isso poderia indicar defeito no vinho; para outras, isso lhe confere certo charme, traz mais complexidade.

A característica mais notável de bons vinhos do Rhône feitos com a uva syrah são as notas de azeitona e salmoura. Busca-se aí dar um perfil aromático que realmente faça sentido para consumidor. E os exemplos se seguem "ad infinitum".

Cá entre nós, é mesmo melhor falarmos de aromas de framboesa do que de aromas que são consequência da presença de formato de isobutila, não é? Ou falarmos de tons florais de rosa ou de gardênia, em vez de etanoato de etila ou de nonilato de etila. Há concentrações ínfimas desses ésteres, mas fazem toda a diferença no vinho.

Agora, como é que o degustador chegou a isso tudo? Ele teria experiência em laboratório de química para reconhecer esses elementos? Pode até ter, mas aí normalmente há uma pegadinha. Cada pessoa reconhece em níveis diferentes os sabores e aromas. Há muita gente que tem pouca sensibilidade para o amargo; outras sentem o amargor com muito mais facilidade - e isso acaba se sobressaindo para essa pessoa em particular. E há a questão de nos orientarmos inconscientemente para achar os sabores que mais gostamos, para apreciá-los, ou para procurar os que mais odiamos, para evitá-los.

Moral da história? Às vezes é melhor relaxar e tentar identificar essas notas descritivas no seu vinho. Se não as achar, a culpa pode ser de quem lhe fez a sugestão. Mas aí você terá a oportunidade de achar muito mais nuances por conta própria. Boa sorte.

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