quarta-feira, 22 de abril de 2009

Aplicação contemporânea do direito

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 17.04.09 - E2

O aplicador do direito contemporâneo
Opinião Jurídica
17/04/2009


Não basta que o regime seja formalmente democrático. Há que se compreender que a democracia meramente formal ou técnica pode-se equiparar aos mais rígidos regimes autocráticos. A simples técnica jurídica não assegura a correta aplicação das leis e a proteção da dignidade. Por essa razão, a persistência do positivismo em setores muito marcantes da vida pública brasileira demonstra uma certa ambiguidade, pois muitas atitudes do legislador, dos operadores do direito e dos governantes mascaram atitudes marcantemente positivistas ou legalistas e até mesmo atentatórias à democracia, à liberdade e à dignidade humana, sob o manto de valores contrários ao interesse social, escamoteados e plenos de subterfúgios corporativistas.

Para que o direito tenha uma aplicação em prol da sociedade e em resposta aos anseios dela é mister que os profissionais atuantes nesse campo estejam preparados. Sabido é que juristas e operadores do direito em geral não se fazem com rapidez. Gerações de estudiosos são necessárias. Colocada ao lado a crítica mais frequente vinda do lado positivista quanto à segurança jurídica, cabe ao operador do direito, na contemporaneidade, perante as cláusulas abertas da lei atual, mormente do Código Civil de 2002, ser um "ser humano do seu tempo". De nada adianta apontar para a função social do contrato se o advogado ou o juiz é pessoa acomodada, inculta, que não percebe os anseios da sua sociedade. Por isso eternizam-se os processos nos ancinhos das cortes, sem que decisões efetivamente operacionais sejam proferidas.

Cada vez mais se exige que o profissional do direito seja uma pessoa antenada com a realidade social, "mundano", no sentido exato do termo: conhecedor do mundo. Não há mais espaço ao juiz, advogado ou qualquer outro operador jurídico preso a doutrinas teóricas ou arraigados no comodismo dos textos frios da lei. Nem mesmo se admite mais essa posição ao doutrinador. As dissertações de mestrado e teses de doutorado da área social em geral caem no vazio e na inutilidade de não apresentarem uma pronta possibilidade de aplicação material.

Isso é tanto verdadeiro para o aplicador do direito patrimonial como para o do direito de família. Ações judiciais em torno de posse, propriedade, contratos e sua aplicação que poderiam ganhar decisões eficientes e socialmente aceitáveis perdem-se nos escaninhos dos tribunais, jogadas à própria sorte à base de um falso legalismo, questiúnculas procedimentais e de irritantes recursos inúteis, inócuos e procrastinatórios, que só ao mau pagador e ao juiz acomodado interessam. Ao lado desses aspectos, o especialista em família necessita ter um perfil psicológico e espiritual destacado. Será sempre e mais do que tudo um conciliador. Não há mais que se admitir encômios ao advogado de família litigante por natureza. O conhecido litigator dos escritórios internacionais não deve mais encontrar campo fértil no direito de família, campo reservado aos conciliadores e negociadores e não aos mercadores de almas e detratores de patrimônios. É sumamente lamentável verificar que ainda vicejam profissionais que fazem da petição inicial, nas medidas cautelares e liminares, as suas armas para aterrorizar, declinar vontades imperiais, destruir famílias e amesquinhar sentimentos que ainda podem ser sublimados. Cabe ao magistrado de família ter a perspicácia de obstar essas ações que nem sempre ocorre ou se torna possível.

Ao juiz, a sentença na área de família, diferentemente das áreas patrimoniais, deve ser considerada uma tragédia. A sentença em ações de alimentos, guarda de filhos, busca e apreensão de menores e regulamentação de visitas, separação contenciosa e tantas outras representam, na grande maioria dos casos, mais um capítulo de um drama e nunca seu epílogo. Torna-se cada vez mais necessário e premente conciliar. Por isso cresce a necessidade de profissionais auxiliares do operador jurídico, de todas as especialidades. Não podemos mais prescindir de engenheiros, psicólogos, médicos, biólogos, psicólogos e tantos outros.

Sob esse diapasão, toda uma nova onda ética e moral deve ser formada, a começar pela formação dos profissionais nas faculdades. Ademais, as bases de nossos cursos elementares e médios devem formar jovens patriotas e éticos e quiçá um dia não vejam eles, nem nossos filhos e netos, os pérfidos exemplos dos homens públicos que enxameiam as páginas diárias dos noticiários político-policiais e chafurdam na lama que não mais os oculta e que inunda o país. Para a crise moral brasileira, há necessidade que nossa democracia seja ética, não mais bastando belos e poéticos princípios inscritos na Constituição, vazios e deturpados em sua aplicação. Só há verdadeiramente direito em uma nação quando a consciência social o absorve, quando o ordenamento como um todo é justo e equitativo. E os profissionais do direito devem ser os artífices dessa consciência.

Sílvio de Salvo Venosa é autor de várias obras de direito civil, consultor e parecerista nessa área

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