quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Venezuela derruba lei de patentes

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 17.12.08 -E1
Venezuela revoga lei de patentes e veta registro de farmacêuticos
Luiza de Carvalho, de São Paulo

A legislação de propriedade industrial da Venezuela acaba de retroceder em exatos 53 anos. O Serviço Autônomo de Propriedade Intelectual (SAPI) - órgão do Ministério do Poder Popular para Indústrias Leves e Comércio venezuelano e similar ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) brasileiro -, anunciou a revogação da lei da propriedade industrial vigente no país - a Decisão nº 486 - e reintroduziu a antiga lei, datada de 1955. A mudança implica na retirada do país da Convenção de Paris e do Acordo TRIPS, tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e que estabelecem direitos no campo da propriedade industrial. A revogação da lei afeta as empresas que estão na Venezuela - filiais de multinacionais ou exportadoras -, e em especial as que atuam nos setores farmacêutico, de alimentos e de bebidas. Pelas "novas" regras, as patentes nessas áreas ficam expressamente proibidas. A proteção às marcas também se torna mais restritiva e seu processo de depósitos mais burocrático.
A alteração das regras já era esperada desde da saída da Venezuela, em abril de 2006, do chamado Pacto Andino, que promove uma proteção regional única de direitos de propriedade industrial nos países andinos - os atuais integrantes são Bolívia, Colômbia, Equador e Peru. A Venezuela havia aderido ao pacto - e portanto à Decisão nº 486 - em 1973. Nos últimos dois anos, a decisão continuou a ser aplicada, mas o presidente Hugo Chavez já sinalizava que a mudança estava por vir - segundo especialistas da área, Chavez chegou a dizer em discursos que a proteção à propriedade industrial deveria acabar pois "foi inventada por grandes corporações americanas". "Havia uma grande insegurança jurídica na Venezuela com relação à proteção da propriedade industrial, mas não se esperava que a mudança teria uma dimensão tão drástica", diz o advogado José Roberto Gusmão, sócio do escritório brasileiro Gusmão e Labrunie, especialista em propriedade intelectual.
A proibição do registro de patentes farmacêuticas, de alimentos e de bebidas é o prejuízo mais visível da aplicação da lei de 1955, que não lhes confere proteção. Segundo o advogado Adolfo López Moreno, do escritório Ayala & Lopez Abogados, com sede em Caracas, nos últimos anos as empresas já estavam temerosas em exportar produtos farmacêuticos para a Venezuela devido à falta de proteção às patentes que o governo vinha sinalizando. "Agora o anúncio oficial deve impedir totalmente a entrada de medicamentos no país", diz Moreno. A lei também reduz o prazo de vigência das demais patentes para dez anos - e não mais 20 - como prevê o TRIPS. Para o advogado Valdir Rocha, sócio da banca brasileira Veirano Advogados, outro ponto indefinido é como se dará uma espécie de "licença compulsória" das patentes, pois a lei estabelece a possibilidade de expropriação de patentes caso o governo entender que são de interesse público. "Sem dúvida, o pior prejuízo para as multinacionais será na área das patentes", diz Rocha.
No que diz respeito às marcas, a lei de 1955 traz de volta procedimentos burocráticos que já tinham caído em desuso e restringe a proteção. Não estão mais sob proteção legal marcas tridimensinais, que equivalem ao desenho industrial brasileiro - forma e design de produtos -, marcas notórias e indicações geográficas - como Champagne e Bordeaux. A classificação internacional de produtos e serviços foi substituída pela antiga classe nacional, que prevê um sistema mais fechado, o que pode exigir uma reclassificação dos registros, e não há previsão específica de proteção de marcas de serviços. "É mais um entrave burocrático", diz Valdir Rocha.
A forma de se obter um registro de marca também passa a exigir mais etapas - como a publicação em mais de um veículo da mídia nacional - e os pedidos de cancelamento de marcas por falta de uso também tornam-se mais difíceis - agora, o solicitante deve demonstrar, por meio de uma investigação profissional no mercado, que a marca não estava presente nos últimos três anos. Além disso, as decisões promovidas pelo SAPI nos últimos dois anos estão sujeitas à revisão, já que ocorreram sob a vigência da Decisão nº 486. "O retrocesso é uma lástima e pode provocar retaliações da Organização Mundial do Comércio (OMC), cuja adesão ao TRIPS é uma das condições para o ingresso", diz Juliana Viegas, presidente da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI).
Os agentes de propriedade industrial venezuelanos começam a se mobilizar na tentativa de questionar a imposição da nova lei. O Colégio Venezuelano de Agentes de Propriedade Industrial (Covapi) questionou a mudança administrativamente no SAPI, mas, segundo a advogada Maria Milagros Nebreda, presidente da Covapi, o órgão ainda não respondeu. Segundo Maria, os agentes esperam que em janeiro ocorra o julgamento de uma ação ajuizada pela Associação de Exportadores Venezuelanos, que tramita há cerca de dois anos no Tribunal Supremo de Justiça, indagando qual seria a lei de propriedade industrial que deveria ser adotada após a saída do país do Pacto Andino.
Ainda não se tem uma avaliação de qual será a extensão do impacto da mudança na legislação para as cerca de 2,5 mil empresas situadas no Brasil que exportam para a Venezuela. Tanto a Câmara Venezuelana Brasileira de Comércio e Indústria quanto a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) ainda não analisaram a questão. Segundo José Augusto Castro, presidente da AEB, em 2008 a Venezuela foi o nono país de destino das exportações brasileiras, cujos sete produtos principais são o frango, carne bovina, leite e creme de leite, celulares, autopeças automóveis e medicamentos. Já o INPI preferiu não se manifestar enquanto não obtiver um posicionamento do governo brasileiro a respeito. Os dados em relação às marcas brasileiras registradas na Venezuela são bastante escassos nos principais órgãos internacionais de propriedade industrial. O último dado que o INPI possui é que em 2000 foram concedidas 209 marcas brasileiras na Venezuela - segundo a autarquia, há grande dificuldade na obtenção de informações no país.

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