segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Questionável a nova modalidade de desastre natural para liberação de FGTS


Jornal Valor Econômico – Legislação & Tributos – 18.12.2015 – E2

Por Pedro Luiz Serra Netto Panhoza
18/12/2015 ­ 05:00

O desastre que aconteceu recentemente em Mariana, no Estado de Minas Gerais (MG), chocou o Brasil. Quase imediatamente após o catastrófico evento mineiro, o país ganhou uma inovação legislativa ­ a inclusão de uma nova modalidade de desastre natural.

O Decreto nº 8.572, de 13 de novembro de 2015, trouxe a previsão de que será considerado desastre natural o rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimentação de massa, com danos a unidades residenciais. A previsão está assim disposta: Parágrafo único: Para fins do disposto no inciso XVI do caput do art. 20 da Lei nº8.036, de 11 de maio de 1990, considera­se também como natural o desastre decorrente do rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimento de massa, com danos a unidades residenciais.

O referido decreto altera outro diploma legal, o Decreto nº 5.113, de 22 de junho 2004, que regulamentou o artigo 20, da Lei 8.036. Essa lei, por sua vez, dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a qual atualmente representa a principal fonte de consulta para quase todas as questões relativas ao FGTS.

Estando vigente, a nova previsão legislativa poderá atender aos anseios daqueles trabalhadores que perderam seus bens por consequência da ocorrência de evento como o lá previsto e que necessitam movimentar sua conta vinculada no FGTS.

Em uma primeira análise, a alteração possui efeitos no campo do direito do trabalho e previdenciário, uma vez que o novo decreto incluiu uma nova opção de situação em que será oportunizada aos trabalhadores a movimentação dos valores do FGTS.

O artigo 2º, do Decreto nº 5.113 (aquele alterado pelo Decreto 8.572), já previa hipóteses de quais eventos deveriam ser considerados como desastre natural.

Tais alterações, ao que nos parece, possuem interferência também no campo do direito ambiental, uma vez que o decreto traz considerações acerca do que deve ser considerado como desastre natural.

Não pode escapar dos operadores do direito a "teoria do diálogo das fontes", que vem ganhando fôlego na prática jurídica brasileira nos últimos tempos, consubstanciada na sua ideologia de que o ordenamento jurídico deve ser interpretado de forma unitária. Vale dizer, a teoria prega que as leis devem ser aplicadas no caso concreto de forma unitária e complementar e não isoladamente consideradas uma das outras.

Nesse sentido, o dispositivo recém­inserido no ordenamento jurídico pátrio poderá servir de fonte para outras searas do direito, que não apenas a trabalhista e a previdenciária, e, eventualmente, gerar interpretações e aplicações de forma diversa daquela que o legislador pretendeu inicialmente.

A edição do decreto neste momento, dias após o incidente mineiro em Mariana, onde se observou exatamente o rompimento de barragem e movimentação de massa, causando danos à unidades residenciais, fomenta dúvida com relação à sua aplicabilidade e, até mesmo, da intenção legislativa de se incluir essa modalidade tão específica de desastre natural neste momento.

Portanto, aqueles que operam no campo do direito ambiental ficam na expectativa de como será interpretada e utilizada essa novidade legislativa em casos similares.

Preliminarmente, é possível identificar, de forma bastante sensível, é verdade, uma válvula de escape da responsabilização ambiental daqueles responsáveis por barragens que venham se romper ou se colapsar, causando movimentação de massa e danos a unidades residenciais ou até mesmo de outros tipos, uma vez que o recém­editado Decreto elevou referido sinistro ao posto de desastre de ordem natural.

A questão tratada no decreto merece cautela na análise. Uma legislação editada de forma aparentemente abrupta, como pareceu ocorrer com o referido decreto, sem o devido estudo legislativo dos cenários jurídicos possíveis em que pode ser aplicada, pode acabar por desregular o ordenamento vigente e acabar por desproteger aqueles que, em um primeiro momento, o legislador tentou tutelar.


Pedro Luiz Serra Netto Panhoza é especialista em direito ambiental da Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados.

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