quarta-feira, 10 de julho de 2013

Sociedade em Nome Coletivo na visão de José Gabriel Assis de Almeida


As sociedades em nome coletivo e o novo Código Civil


José Gabriel Assis de Almeida

Doutor em Direito pela Universidade de Paris II

Professor Adjunto da UERJ e da UNIRIO

Advogado no Rio de Janeiro


O Código Civil de 2002 têm inúmeros detratores e críticos e é certo que tem diversos defeitos, principalmente na parte relativa ao Direito de Empresa. No entanto, uma leitura atenta do texto legal, também apelidado de “Constituição do Cidadão Comum” revela que o Código Civil tem também diversas agradáveis surpresas.

Uma delas diz respeito à sociedade em nome coletivo. Este tipo societário ficou um esquecido com o advento das sociedades por quotas, de responsabilidade limitada (agora denominadas, de sociedades limitadas). Com efeito, a sociedade por quotas, de responsabilidade limitada, apresentava uma enorme vantagem em comparação com a sociedade em nome coletivo: A limitação da responsabilidade dos sócios, perante terceiros, em razão das dívidas da sociedade. Na sociedade em nome coletivo, os sócios respondiam pessoalmente, de forma ilimitada e subsidiária, pelas dívidas contraídas pela sociedade perante terceiros. Já nas sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, os sócios somente respondiam, perante terceiros, pelas dívidas da sociedade, até ao montante total do capital social, ainda que essa responsabilidade fosse solidária. Assim, uma vez integralizada a totalidade do capital social, dos sócios nada mais poderia ser exigido.

No entanto, as sociedades em nome coletivo continuaram a ser constituídas. Tanto assim é que as estatísticas do DNRC Departamento Nacional de Registro de Comércio indicam que no período entre 1985 e 2001 foram constituídas, no Brasil, 3.500 sociedades de tipo em nome coletivo, em comandita e de capital e indústria. A maior utilidade das sociedades em nome coletivo, nesse período, era o aproveitamento de benefícios fiscais. Com efeito, os lucros apurados por sociedades em nome coletivo brasileiras e distribuídos aos sócios domiciliados em certos Países, eram considerados – pela legislação desses Países – como rendimentos não sujeitos a tributação. Desta forma, por exemplo, durante muitos anos a Gillete do Brasil adotou a forma de sociedade em nome coletivo.

Ocorre que o Código Civil conferiu uma nova vantagem – e das mais importantes – à sociedade em nome coletivo. Com efeito, determina o art. 1.043 que: “O credor particular de sócio não pode, antes de dissolver-se a sociedade, pretender a liquidação da quota do devedor.” Isto significa que as quotas do sócio de uma sociedade em nome coletivo não podem ser penhoradas, pelos credores desse sócio, em virtude de dívidas pessoais contraídas por esse sócio após a constituição da sociedade em nome coletivo. Os credores particulares do sócio serão obrigados a aguardar a dissolução e liquidação da sociedade em nome coletivo para só então penhorarem a parte dos haveres sociais que for atribuída ao sócio da referida sociedade em nome coletivo.

É fácil entender a razão de ser desta regra. O credor do sócio da sociedade em nome coletivo tinha a possibilidade (e o dever) de, antes de constituído o crédito, verificar a solvabilidade do seu devedor, ou seja, verificar se o seu devedor tinha bens livres e disponíveis para pagar o crédito. Assim, caberia ao credor, entre outras medidas, diligenciar averiguar se o devedor era ou não sócio de sociedade em nome coletivo, eis que as quotas dessa sociedade são impenhoráveis. Note-se que tal diligência de averiguação é das mais simples, pois basta pedir uma certidão à Junta Comercial ou ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas competente.

Neste contexto, o art. 1.043 do Código Civil cria um interessante e importante instrumento para a preservação do patrimônio pessoal dos empreendedores. Com efeito, antes de se lançar num negócio, o empreendedor poderá constituir uma sociedade em nome coletivo. Como integralização do capital social dessa sociedade em nome coletivo, o empreendedor transferirá à sociedade em nome coletivo o seu patrimônio pessoal, reservando a parte que irá investir no empreendimento. Após regularmente constituída a sociedade em nome coletivo, e transferido o patrimônio pessoal, o empreendedor constituirá então outra sociedade, provavelmente uma sociedade limitada, para a realização do empreendimento. Nesta sociedade limitada, o empreendedor investirá a parte do seu patrimônio pessoal destinada aos negócios.

Se os negócios da sociedade limitada correrem desfavoravelmente, e esta vir a falir, os credores dessa sociedade, após esgotado o patrimônio da sociedade limitada, certamente tentarão, via desconsideração da personalidade jurídica ou outro instrumento de efeito equivalente, penhorar os bens pessoais dos sócios da sociedade limitada. No entanto, esses bens do empreendedor consistirão apenas numa quota da sociedade em nome coletivo. Quota essa que, por força do art. 1.043 do Código Civil é impenhorável. Assim, nada mais restará aos credores do sócio em questão do que aguardar uma eventual dissolução e liquidação dessa sociedade em nome coletivo. Portanto, os bens pessoais do empreendedor estarão protegidos, sob a titularidade da sociedade em nome coletivo, da qual o empreendedor é sócio e, por sua vez, titular de uma quota.

Como é natural, esta impenhorabilidade da quota da sociedade em nome coletivo aplica-se apenas às dívidas constituídas após a formação de tal sociedade. Com efeito, se a dívida for anterior à constituição da sociedade em nome coletivo, a constituição de tal sociedade poderá – a depender das circunstâncias de fato do caso concreto - ser entendida como uma fraude a credores ou uma fraude à execução.

Com este dispositivo, o Código Civil resolveu um conflito de interesses. Por um lado, o interesse dos demais sócios e da própria sociedade em nome coletivo de serem preservados da intervenção dos terceiros, credores particular de um sócio por uma dívida constituída posteriormente à formação da sociedade. Como é fácil compreender, esta intervenção perturbaria as atividades da sociedade. Por outro lado, o interesse dos credores particulares do sócio em receber os seus créditos. A solução do Código Civil foi em favor do interesse dos demais sócios e da própria sociedade. Esta regra impõe, assim, um maior rigor aos credores, que deverão verificar, antes de conceder o crédito, qual (quais) a(s) participações societárias do devedor.

Ao arbitrar, na forma do art. 1.043, entre os interesses a proteger, o Código Civil, de uma só tacada, fomentou dois impulsos importantes para a atividade empresária. Em primeiro lugar, deu aos empreendedores um instrumento jurídico que lhes permitirá ter mais tranquilidade para investir e desenvolver a economia brasileira, gerando riqueza. Em segundo lugar, deu novo dinamismo às sociedades em nome coletivo, tipo societário que estava, infelizmente, em desuso.

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