segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Responsabilidade do agente fiduciário

Jornal do Commercio - Opinião 07 e 08.09.09 - A-17

A responsabilidade do agente fiduciário vista pelo Judiciário


Roberto Ribas Wilson
Pós-graduado em direito empresarial pela Fundação Getúlio Vargas e Mestre (LLM) em Commercial and Financial Law pela King"s College London, integra a equipe da Azevedo Sette Advogados

A crise econômica global trouxe sérias conseqüências para as empresas brasileiras que, em virtude da retração do crédito bancário, passaram a utilizar uma série de instrumentos para financiar as suas atividades, entre as quais a emissão de debêntures.

Neste contexto, uma sentença proferida recentemente no Rio de Janeiro, pela juíza Flávia de Almeida Viveiros de Castro, chama a atenção pelas conseqüências que poderá trazer para um mercado tão relevante.

Esta decisão foi proferida em ação de cobrança ajuizada pela debenturista Fundação de Previdência da Companhia de Saneamento do Distrito Federal - Fundiágua ("Fundiágua"), em desfavor do agente fiduciário SLW Corretora de Valores e Câmbio Ltda. ("SLW") e da prestadora de serviços Oliveira Trust Servicer Ltda. ("Oliveira Trust").

A Fundiágua alegou, em resumo, que a SLW e a Oliveira Trust atuaram na emissão de debêntures da CEL Participações S.A - Celpar ("Celpar"). Todavia, a garantia oferecida pela Celpar, consubstanciada em hipotecas sobre imóveis, não teria sido devidamente formalizada, razão pela qual os debenturistas ficaram duplamente prejudicados: a uma, pelo não pagamento das debêntures emitidas, e a duas, pela ineficácia das garantias.

Enquanto não se pretenda, aqui, analisar a veracidade das alegações das partes, o fato é que a juíza concluiu que as rés teriam sido negligentes, e as condenou ao pagamento do valor nominal das debêntures, acrescido de juros e correção monetária.

Essa sentença evidencia o papel do agente fiduciário dos debenturistas ("AFD"), bem como as responsabilidades a que estão sujeitos, e, caso não seja reformada, poderá acarretar mudanças sensíveis na forma de atuação desses profissionais.

O AFD, como é cediço, é o representante da comunhão dos debenturistas. No Brasil, a sua atuação é regulada pela Lei de Sociedades Anônimas ("LSA") e pela Instrução Normativa 28 da CVM ("IN 28 CVM"). O artigo 68 da LSA estabelece que o AFD deve atuar com diligência e cuidado. A IN 28 CVM, por sua vez, detalha os deveres do AFD, determinando que o mesmo deve verificar as informações contidas na escritura de emissão, incluindo a análise das garantias e de sua exeqüibilidade.

A legislação procura, assim, assegurar que os debenturistas terão um órgão capacitado para a defesa de seus interesses, e dotado das prerrogativas necessárias para cumprir a sua missão.

O fundamento das normas legais, a sua underlying rationale, assenta-se no princípio da eficiência. Com efeito, é muito mais eficiente (tanto sob a ótica jurídica quanto econômica) que apenas um representante verifique os requisitos de uma emissão de debêntures, do que cada um dos investidores realize a sua due diligence particular. De fato, uma investigação individualizada seria mais onerosa, lenta e, além do mais, assimétrica, posto que um investidor sofisticado poderia ter acesso a mais informações do que a média no mercado. Dessa forma, nada mais adequado do que a delegação da função de fiscal para um único órgão.

Contudo, é necessário garantir que o AFD agirá com cuidado e diligência, bem como responsabilizá-lo toda vez em que não observar os seus deveres. Por isso, e até mesmo para estimular a proteção eficiente aos debenturistas, a LSA imputou ao AFD a responsabilidade pelos prejuízos que causar aos investidores por culpa ou dolo.

Neste ponto, é interessante notar que o direito societário pode ser analisado sob um ponto de vista funcional, ou seja, de que existe para alcançar determinadas funções, entre as quais reduzir o risco de terceiros que lidam com as sociedades e com os demais agentes de mercado (third party prejudice). Seguindo este raciocínio, parece evidente que medidas legais, administrativas ou judiciais que visarem aumentar a segurança dos debenturistas estarão cumprindo com um dos objetivos maiores do direito societário.

Ora, considerando: (i) a natureza da função do AFD; (ii) os requisitos legais para a sua responsabilidade civil; e (iii) a análise funcional do direito societário, com a conseqüente necessidade de proteger terceiros/investidores, conclui-se que a decisão judicial em comento, em linhas gerais, pode ser considerada salutar.

De fato, a sentença deixa evidenciado que a avaliação das garantias, bem como as responsabilidades inerentes ao AFD, devem ser cumpridas de maneira substancial, transcendendo a mera formalidade.

Parece-nos, ademais, que eventual aumento dos honorários desses profissionais - resultado possível diante de uma atuação mais diligente - não deve ser óbice para a disseminação dessa nova jurisprudência. Com efeito, a credibilidade de todo um mercado, que movimenta bilhões por ano, supera, em muito, uma provável majoração do fee dos AFD.

Todavia, a decisão pode ser considerada controvertida, no que se refere à condenação do agente ao pagamento integral do valor das debêntures. É que, o dano causado aos debenturistas, pela avaliação imprecisa das garantias, não equivalerá necessariamente ao valor das debêntures. Imagine-se, por exemplo, que as garantias ineficazes equivalessem a 50% do valor da emissão. Será que, ainda assim, o AFD deveria ser condenado ao pagamento do montante integral? A resposta a esta indagação, todavia, dependerá do exame atento das circunstâncias fáticas e das provas de um dado caso concreto.

De todo modo, a sentença, caso seja mantida pelos tribunais, poderá ser considerada um marco, posto que acarretará maior cuidado dos agentes fiduciários, no trato dos interesses dos debenturistas. Um procedimento de investigação mais rigoroso, certamente, resultará na atribuição de maior segurança para os investidores - a um custo relativamente baixo -contribuindo para a credibilidade e o aprimoramento do mercado de debêntures no Brasil.

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