sexta-feira, 3 de julho de 2009

Poison pills

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 02.07.09 - E2

Opinião Jurídica:
Os novos desafios e as oportunidades das 'poison pills' no Brasil
Márcio Tadeu Guimarães Nunes

As nossas "poison pills" são cláusulas estatutárias que têm por finalidade impedir ou encarecer ao extremo a tomada de controle de uma companhia. Ocorre que essas cláusulas não funcionam em harmonia com um "mercado ideal", no qual o preço das ações repercutiria - em uma relação direta - os efeitos da gestão dos administradores. Cuidam-se, assim, de "pílulas" contra a escalada acionária ou a reconcentração do capital disperso decorrente de um IPO, mas que podem comprometer a saúde do "paciente".
Essas cláusulas, presentes em estatutos de diversas companhias que abriram o seu capital através de IPOs, procuram manter a estrutura de capital disperso, buscando intervir em um ambiente econômico (até então) marcado por alarmantes níveis de concentração de capital. Se assim é, o modelo há de seguir a economia - que hoje exige do Estado uma participação cada vez mais decisiva, não só como formulador, mas, igualmente, como ator de uma nova política industrial.
O Estado intervindo na economia é uma realidade, motivo pelo qual a conservação das estruturas por meio das quais o poder público interage com parceiros privados impõe a revisão de modelos implementados à base, por exemplo, de "golden shares" - as quais se revelaram um instrumento muito pouco efetivo para o exercício do interesse público, a ponto de se ver em muitas delas meros instrumentos de retórica política e não de efetiva/eficaz intervenção estatal na ordem econômica. Por ouro lado, o descolamento do valor mínimo da oferta é um dos riscos diretamente ligado aos tipos de "poison pills" que se observam no mercado brasileiro, pois se pode constatar que normalmente, além do tradicional critério de precificação obtido através da média ponderada do valor da cotação das ações (WAP) nos últimos 30 ou 60 dias, soma-se a ele um prêmio (sobrepreço) que varia de 20% a 50%, calculado sobre o dito valor.
Além disso, muitas companhias que possuem poison pills blindam-nas também contra futuras reformas estatutárias, impondo, em tese, um modelo perene de controle gerencial, em razão das inúmeras dificuldades jurídicas e econômicas para viabilizar a salutar alternância de poder.
Há aí um defeito de origem, pois se confunde o interesse da companhia com o de um determinado grupo de acionistas que julgaram que companhia boa é companhia sem controlador. Creio que o problema repercute também sobre o aspecto econômico da questão, uma vez que limita os ganhos de eficiência gerados em um ambiente de competição e dispersão acionária. Ora, se o modelo não favorece essa dinâmica, haverá, certamente, abalo na eficiência da unidade produtiva ao manter suas políticas e seus administradores, não se buscando, enfim, a retomada da posição perdida no mercado. Nenhuma cláusula deve impedir uma vulnerabilidade diante da má-gestão. Logo, qualquer regra que venha de encontro a tal constatação, impondo como preço de oferta para tomada de controle um valor irreal, é um equívoco econômico e um salvo conduto para uma eventual perpetuação de maus administradores.
Ademais, se o custo para a aquisição do controle é irreal, criam-se diversos problemas adicionais quanto à liquidez das ações. Atenta a essa realidade, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) iniciou a discussão de um parecer de orientação que cuidará do alcance das poison pills - vide decisão de colegiado de 14 de abril de 2009. A maior preocupação daquela autarquia é a de limitar os custos de transação que as citadas cláusulas apresentam e buscar um equilíbrio econômico/jurídico entre as cláusulas e a dinâmica do mercado, a fim de rejeitar sua caracterização como cláusulas imutáveis.
Não se pode negar, contudo, que as poison pills possuem alguns benefícios, principalmente o da a proteção contra a natureza aleatória de ofertas públicas de aquisição de controle, aumentando, assim, o poder de negociação dos acionistas - tudo a diminuir os custos da operação. Assegura-se também um tratamento mais igualitário entre os acionistas da companhia, uma vez que a oferta pública é única nestes casos, evitando, com isso, compras isoladas por preços diversos e a perda da mais-valia que a negociação em bloco enseja.
Não acreditamos que as poison pills sejam, por definição, nocivas ao mercado. Entendemos, porém, que a mediação regulatória é mais do que bem-vinda nesse novo contexto. Nesse sentido, uma oportunidade se abre a partir dessa crise conceitual: será que as poison pills não poderiam ensejar um modelo mais eficiente de participação do Estado na economia, notadamente nas empresas em que permanece como acionista após a era das privatizações? Isso porque, ao dar ao Estado um instrumento a mais, justificado, aliás, pela literalidade do artigo 238 da Lei nº 6.404, de 1976, podemos evitar o seu esvaziamento em segmentos em que historicamente tem sido protagonista e, ainda, impedir que mudanças repentinas repercutam diretamente sobre o valor das suas participações.
Uma coisa é certa: o momento é propício para se repensar o instituto e, acima de tudo, se um país com tamanha concentração de renda está, de fato, preparado para, de uma hora para outra, implementar, sem o auxílio dos famigerados mecanismos de incentivos fiscais (dissimulados ou não), um real modelo de dispersão acionária, com o desejado ativismo societário e a democratização no acesso ao capital bursátil. Se isso é possível, acredito que a solução passa pelo Estado, pela autorregulação e, enfim, pela revisão dos modelos por meio dos quais tal agente intervém na economia nessa era de "pós-laissez faire".
Márcio Tadeu Guimarães Nunes é advogado do escritório Veirano Advogados

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