terça-feira, 24 de março de 2009

Entrevista: custo social da crise

Jorna do Commercio -Economia - 23.03.09 - A7
Entrevista// José Alberto Couto Maciel

Marcone Formiga
Da Revista Brasília em Dia

Em consequência do abalo que provoca na economia, a crise global, que já está chegando ao Brasil, tem um desdobramento social imediato. Com a atividade econômica em desaceleração, indústrias de grande porte demitindo - e também pequenas -, o comércio vendendo menos, além do crescente índice de compradores inadimplentes, inclusive com os portadores de cartões de crédito, o que antes se imaginava que ficaria restrito a Wall Street está provocando inquietação e turbulência pelo mundo inteiro, sem que se saiba quando a estabilidade será retomada. O desemprego está aumentando no Brasil e é preciso estabelecer boas relações entre empregados e empregadores, buscando

a legislação para que direitos sejam assegurados e que prevaleça o diálogo entre ambas as partes. Um dos mais conceituados advogados trabalhistas em atividade no Brasil, José Alberto Couto Maciel, sempre acompanhou o desenvolvimento do mercado, que antes da crise demonstrava priorizar o lucro de forma efetiva, em um mundo globalizado, e tem acompanhado com lupa toda a evolução da crise que está evoluindo, antes subestimada pelo governo brasileiro com a força de uma marolinha. Tomou a forma de um tsunami. Nessa entrevista, ele analisa a situação da economia brasileira e até que ponto o país tem a sua economia blindada para enfrentar o tsunami.

O custo social da crise



A crise global está formando uma nova realidade social, com as empresas demitindo funcionários. Qual é a análise que o senhor faz de tudo isso?

JOSÉ ALBERTO COUTO MACIEL - O mundo globalizado tem os dois lados da moeda. Vivemos durante toda essa era Lula, numa época de progresso econômico em todos os países, e a consequência foi um brilhante desenvolvimento econômico em nosso País, como se fosse decorrente de um trabalho maravilhoso do governo, Banco Central, etc... Agora o mundo despenca economicamente e, com a globalização, os países emergentes também despencam, aparecendo, então, as falhas da equipe dirigente, que não existiam quando tudo corria bem. Hoje não podemos mais dizer: "Nosso governo é muito bom porque mantém uma política econômica favorável." Não, o nosso governo é muito bom porque o mundo está indo muito bem, porque, quando acontece ao contrário, tudo vira de cabeça para baixo.



Como assim?

- Veja bem, você colocava no time do Brasil Pelé, Didi, Nilton Santos, Garrincha, Vavá e achava o técnico Feola fabuloso, enquanto ele dormia no banquinho, ou seja, com o mundo em franca atividade econômica, o Lula podia dormir no banquinho. Agora ele terá de acordar...



Não dá para evitar esse custo social?

- As empresas demitem funcionários e isso faz parte do jogo econômico. Se tenho inúmeros contratos, e perco metade deles, tenho de reduzir o trabalho pela metade e, em consequência, demitir a mão-de-obra desnecessária. É o jogo cruel do capitalismo, e não crueldade das empresas que demitem.



Mas pode ocorrer oportunismo de empregadores aproveitando-se dessa conjuntura para demissão em massa?

- Não vejo razão para isso. Se há demissão, decorre ela da conjuntura, pois, se a empresa contratava um número elevado de trabalhadores, fazia-o pela necessidade e expansão de seu negócio. Ora, se o negócio é reduzido, como manter o volume de assalariados? Qual a vantagem de demitir em massa sem precisar? Vou reduzir minha produção e meu lucro pelo simples prazer da demissão? É claro que podem existir abusos, pois há empregadores que se aproveitam da situação para demitir, sem justa causa, muitos empregados, reduzindo custos, inexistindo, porém, fortes razões econômicas para tanto. Mas, como em tudo, há bons e maus empregadores, não podendo presumir-se que todos sejam maus.



Há como evitar abusos?

- Acho que sim, mas já escrevi inclusive um livro sobre a matéria e ninguém deu muita importância. Não sei se porque o escritor é fraco, ou porque a questão é polêmica e gera conflitos dos mais graves. Veja que a nossa Constituição, no artigo 7º, inciso I, afirma que são direitos dos trabalhadores a relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos. Pois bem, a Constituição é de 1988, mas até os dias atuais, mais de vinte anos passados, nenhuma lei complementar protegeu os trabalhadores contra a despedida arbitrária.



O que é despedida arbitrária?

- É a que não se funda em motivo técnico, econômico ou financeiro. Ora, se estivesse em vigor lei que possibilitasse a demissão, mas que, ao mesmo tempo, exigisse a comprovação do motivo, certamente se evitariam as despedidas arbitrárias.



Justifica, por exemplo, a Embraer demitir, quando recebeu recursos do governo federal?

- Acho que a apreciação por tal ângulo é equivocada. A Embraer não recebeu empréstimo do governo federal para pagar empregados sem trabalho. Não, os recursos certamente foram para possibilitar a empresa a cumprir seus novos contratos que vinham sendo assinados antes da crise, sendo que os trabalhadores eram contratados, e recebiam salários, inclusive decorrentes de tais recursos, pela ampliação dos negócios da empresa.



Mas a empresa está prevendo mais demissões...

- Acontece que inúmeros destes contratos foram cancelados e não tem como a Embraer manter o volume de empregados necessários ao cumprimento daqueles contratos não mais existentes. Ao meu ver, os empréstimos do governo nada têm a ver com a crise do desemprego, não se podendo atrelar uma coisa a outra.



A Embraer anunciou que não vai pagar os salários dos mais de 4.200 funcionários demitidos no mês passado, mesmo com a vigência de uma liminar concedida pela Justiça que determinou a suspensão das rescisões contratuais. Como o senhor vê isso?

- Se a Embraer está discutindo na Justiça a validade das demissões e a consequente validade da liminar concedida, certamente que só deverá pagar os salários se transitar em julgado decisão a ela contrária, ou for feito acordo judicial. Caso contrário, poderá ela obter êxito, no sentido de terem sido legais as demissões e, em consequência, nenhum salário por ela é devido a partir das referidas rescisões.



Qual é a análise que o senhor faz do Bolsa-Família? Não seria melhor dar o anzol para pescar e não entregar o peixe?

- O programa Bolsa-Família é um programa assistencialista. Alguns críticos entendem que tal programa acomodaria o pobre que não buscaria trabalho ou que seria um erro do governo desperdiçar dinheiro público com assistência, quando o que importa é gerar emprego e renda, única maneira de tirar a população da pobreza.



O senhor não concorda com esse entendimento?

- Não vejo assim. Creio que a distribuição inicial dos recursos de uma sociedade, especialmente baseada na desigualdade, como a brasileira, tende a reduzir a pobreza, aumentando o potencial de crescimento de uma economia. Trata-se de um programa redistributivo e uma forma rápida de incluir milhões de cidadãos brasileiros que estavam completamente desamparados da rede de proteção social existente no País. Além do mais, tenho lido estudos que demonstram não ter tal programa vinculações com a preguiça ou inércia do trabalhador em razão de tal assistência.



Qual será o impacto de corte nos juros sobre o crescimento do PIB? Só deve demonstrar resultado a longo prazo?

- Creio que o corte de juros estimula a recuperação do crédito e, certamente, com o tempo, poderá ser sentido no crescimento do PIB.



Alguns economistas já prevêm mais de um ano. Dá para suportar?

- Não confio muito nas previsões de economistas. Já disseram que o primeiro economista do mundo foi Cristóvão Colombo, porque navegava sem saber para onde, e sempre por conta do governo... Não sei se o crescimento voltará após um ano, mas, certamente, haverá um período longo pela frente. Mas aguentaremos sim, e sairemos da crise melhor do que em outras épocas, uma vez que reservas, dessa vez, foram feitas pelo País.



Existe uma corda invisível estrangulando o setor produtivo, que gera emprego. Como fica também a situação dos empresários que estão perdendo vendas?

- Esse é um ângulo que deve ser melhor apreciado. Nessa crise só se fala na demissão de trabalhadores, mas, se você não der possibilidades de vida aos empresários, não existirão empregos e, consequentemente, o desemprego aumentará. O que vemos no socorro dos Estados Unidos aos grandes bancos e seguradoras é uma forma de garantir a continuidade de todo um sistema e empregador e empregado têm de ser vistos como no mesmo barco, porque, ajudando um, ajuda-se o outro e, naufragando um, todos naufragam.



O risco é de recessão ou de inflação?

- Em recessão já está o mundo, e nós também. Através da queda da taxa de crescimento do PIB e consequentemente do aumento do desemprego, sofrem os países do primeiro mundo, e começamos a sofrer, com um pouco de atraso, do mesmo mal. O risco maior é que esta recessão venha acompanhada da pressão inflacionária, o que vem acontecendo nos Estados Unidos, na Europa e Ásia. Até agora temos mantido baixa a inflação com um jogo na ampliação dos juros, os quais estão sendo podados a fim de beneficiar o setor econômico, ampliando o crescimento produtivo. É possível, dessa forma, porém, manter a estabilidade no que concerne ao retorno da inflação?



Há quem achasse antes o juro alto uma desvantagem, mas agora é vantagem. Faz sentido isso?

- Os juros baixam e beneficiam o crescimento da produção, possibilitando o aumento do PIB, mas como ficará a inflação, se está ela sendo segurada pela alta dos juros?



Investir em reformas estruturais para reduzir a burocracia, o custo da mão-de-obra e o peso dos impostos sobre a atividade econômica, além de melhorar a infraestrutura, não seria o caminho mais seguro e eficiente?

- Não sei se o caminho mais seguro e eficiente, mas é um bom caminho.



Ainda é possível evitar o pior?

- Acho que sim, mas não porque creio em medidas nacionais, mas sim porque a economia global deverá ficar ressentida por mais algum tempo, mas melhorar consideravelmente com as medidas ora adotadas. Então melhoraremos porque o mundo é globalizado, não havendo mais uma visão regionalizada do Brasil, sem a apreciação do contexto mundial.



Em artigo publicado no jornal Valor Econômico, o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto recorreu a Galileu e Aristóteles para criticar os economistas neoclássicos, que se gabavam do "aparente sucesso da sua teoria na explicação do mundo dos últimos 25 anos". Para ele, a crise global apenas desconstruiu essa ilusão. O senhor concorda com isso?

- Discordar do Delfim Netto em economia é o mesmo do que afirmar que o Pelé não joga nada, ou que o Roberto Carlos é medíocre. Ele sabe tudo nessa área e concordo plenamente que a crise global apenas desconstruiu uma ilusão, ou seja, não estamos vivendo uma crise, mas retornando à realidade.



Atualmente, cada vez mais aumenta a terceirização no Brasil e cresce o número de prestadoras de serviço. Seria essa uma forma de precarizar a mão-de-obra, reduzindo direitos e vantagens dos trabalhadores?

- Veja, esta é uma boa pergunta e merece uma resposta mais longa, porque trata-se de uma questão da mais alta relevância na atualidade. No processo de globalização, surgido na última década do século 20, transformou-se realmente o mundo do trabalho, e a relação antes existente de empregador, empregado, subordinação, dependência e vinculação do trabalhador à sua empresa alterou-se de forma a existirem novas organizações de trabalho, visando à ampliação de investimentos e ao consequente aumento do setor produtivo.

A rede mundial de computadores transformou a figura do trabalhador, empregando sua força física e mental de forma presente, visando à produção de determinado bem ou serviço, em um contato imediato entre trabalhadores e tomadores de serviços, internamente no país ou em diversos continentes, com troca de palavras e imagens, sendo que passaram a existir, inclusive, oportunidades para pessoas do Terceiro Mundo, lá excluídas do mercado de trabalho, agora contratadas por empresas do primeiro mundo, sem necessidade de emigração.

Dá para explicar?

- Hoje, exemplificando, uma novela na TV tem um autor, que não é empregado, mas autônomo, com vários diretores, pessoas jurídicas, inúmeros figurantes, pagos apenas por algumas horas, sem relação de emprego, encontrando-se, entre centenas, 10 ou 20 que são contratados mesmo como empregados. Nos Estados Unidos, as grandes empresas contratam serviços de computação ou de contabilidade na Índia, sendo seus empregados empresas naquele país. Como resultado, têm trabalho de 24 horas, considerando o horário diversificado entre os países. Nos bancos e nas grandes indústrias, as atividades-meio, que são aquelas acessórias, como limpeza, segurança, motoristas, arquivos e outras, estão todas sendo terceirizadas.



E o que acontece?

- É um novo mundo, com novo tipo de trabalho, devendo, certamente, ser observada a possibilidade de fraude sempre existente nessas alterações, com empregadores que procuram, com a terceirização, reduzir vantagens trabalhistas, criando, inclusive, firmas fantasmas e fraudando os direitos dos empregados. Mas, neste aspecto, temos a Justiça do Trabalho como garantia contra essas fraudes.



O governo conseguiu legalizar as centrais sindicais. Isto é bom para o Brasil?

- As centrais já existiam na prática, mas não legalmente. Entretanto, nossa estrutura sindical é capenga e decorre de uma Constituição mal elaborada quanto a este aspecto. O constituinte quis dar ao País a pluralidade sindical, mas, no final, a Constituição saiu com normas de pluralidade mas com a proibição de mais de um sindicato por base territorial, mantendo-se a unicidade. Daí uma enorme confusão hoje existente, com o Ministério do Trabalho admitindo alterações com ampliação de sindicatos, federações e confederações, com desdobramento das mesmas, sem estar constitucionalmente competente, criando uma pluralidade inexistente na Constituição, confusão ora aumentada com a criação das centrais sindicais.



Qual o interesse do trabalhador, que executa seu trabalho em determinada empresa, pela convenção coletiva feita por entidades sindicais de grau superior, que desconhecem totalmente os problemas existentes entre ele e sua empresa?

- O que deveria existir era uma pluralidade sindical, com pequenos sindicatos formados por dirigentes interessados e conhecedores do trabalho executado na empresa em que trabalham, elaborando-se acordos coletivos entre os interessados. Estas entidades sindicais de grau superior, e, especialmente, as centrais sindicais, são apenas um caminho para que líderes sindicais ingressem na política.



Faz sentido, diante de toda essa situação, o presidente Lula ainda manter o otimismo?

- Existe o otimista que conhece toda a situação e que, por isso, considera que tudo ficará bem; e existe o otimista que não conhece nada de nada e, por isso, considera que tudo ficará bem. Não sei, na verdade, em qual dos dois otimistas nosso presidente se enquadra.

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Eis o veículo (Motorella) que tenho utilizado para andar na ciclovia da Lagoa e ir ao trabalho sem suar