terça-feira, 24 de março de 2009

Campeonato Brasileito de Sommeliers

Valor Econômico - EU & Prazeres - 24.03.09 - D 14

Como vencer a salada de alcachofra e o nervosismo
Por Jorge Lucki, de São Paulo
24/03/2009

O vencedor Guilherme Corrêa, da importadora Decanter, vai representar o Brasil no primeiro campeonato Pan-Americano, em maio, em Buenos Aires
O Brasil já tem seu representante para o primeiro Campeonato Pan-Americano de Sommeliers que se realizará no Hotel Four Seasons, em Buenos Aires, no fim de maio próximo: é Guilherme Corrêa, que trabalha na Decanter Importadora. Ele venceu no ultimo sábado a final da etapa brasileira, obtendo também, com a vitória, o direito de defender nossas cores no próximo Mundial, que terá lugar em Santiago do Chile no ano que vem. Será, assim, sua segunda participação no mais importante concurso internacional do setor, já que tendo vencido o Brasileiro em 2006, ele pôde juntar-se à elite dos profissionais do setor no planeta no ano seguinte.

Com 37 anos de idade sobram credenciais a Guilherme Corrêa. Antes mesmo de se formar em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais em 1994, apresentando como monografia de bacharelado "Análise Prospectiva da Indústria Vitivinícola do Rio Grande do Sul", ele já havia obtido os Certificados de Iniciação e, em seguida, o de Conhecimento Avançado de Vinhos no Instituto de Ciências Biologias da própria UFMG. Pouco tempo depois fez as malas e foi cursar a "Associazione Italiana Sommeliers" entre 1997 e 2000, conseguindo o diploma de Sommelier Professionista da "A.I.S.". É fluente em italiano e alemão, e tem bons conhecimentos de inglês e francês, um conjunto de atributos importantes no Concurso Mundial, que exige que o candidato se expresse em francês ou inglês, e que seja diferente do seu - representantes de países de língua inglesa devem se apresentar em francês e estes o contrário.

fotos Jefferson Dias / Valor

O vencedor Guilherme Corrêa, da importadora Decanter, vai representar o Brasil no primeiro campeonato Pan-Americano, em maio, em Buenos Aires
Mesmo com essa bagagem, alcançar o topo não foi fácil. Apresentaram-se para a prova 18 profissionais - 13 de São Paulo, entre eles Tiago Locatelli, do restaurante Varanda Grill, e Diego Mateus Arrebola, do Olivetto, de Campinas, respectivamente campeão e vice do Campeonato Paulista, disputado uma semana antes; e quatro do Rio de Janeiro, dos quais Dionísio Chaves, bicampeão brasileiro em 2000 e 2002, e Hirã Salsa Jr., finalista em vários concursos anteriores.

Seguindo o formato utilizado nos Mundiais, o Campeonato Brasileiro se constituiu de uma etapa eliminatória, disputada na sexta-feira, de onde seriam selecionados os três melhores classificados para participar da final que se realizaria no dia seguinte. Essa fase inicial era por sua vez composta de quatro partes, cumpridas no período da manhã e mais duas, práticas à tarde.

O primeiro teste constava de uma prova escrita com 35 questões múltipla escolha mais cinco dissertativas, abrangendo temas variados referentes não somente a vinhos em seu mais amplo contexto, mas também destilados, cerveja, água, chá, charutos, e outras bebidas. Sobre cada assunto, o conhecimento deve se aprofundar e envolver regulamentação, classificação, tipos e elaboração, história, clima, compatibilização com comida e outros detalhes, se já não bastassem estes.

fotos Jefferson Dias / Valor

O vencedor Guilherme Corrêa, da importadora Decanter, vai representar o Brasil no primeiro campeonato Pan-Americano, em maio, em Buenos Aires
Para ilustrar, fica aqui a última questão: "Que vinhos você proporia para um cliente que solicitasse uma salada de coração de alcachofras ao vinagrete, seguido por um file a Camões e finalizando com um pedaço de um bolo de chocolate Floresta Negra? E se ele só bebesse cerveja, que opções você ofereceria? E se o mesmo se declarasse abstêmio, que tipos de bebida seriam suas opções?". Para tanto o tempo concedido era de 60 minutos e o item representava 40% da pontuação final da fase eliminatória.

Na sequência os candidatos tinham 20 minutos para degustar às cegas 2 vinhos, descrevendo-os por escrito (20% de peso); mais 10 minutos para colocar no papel como ambos, 1 branco californiano e um Salton tinto cabernet sauvignon, se compatibilizavam com o prato especialmente preparado para a ocasião, uma porchetta (10%); e finalmente reconhecer em 5 minutos três bebidas (no caso eram saquê, vodka e um Irish Whiskey (5%). No todo, foram concedidos 95 minutos para os quatro quesitos, que, em conjunto contavam 75% para o cômputo da pontuação de fase eliminatória.

As duas séries complementares previstas para o período da tarde eram individuais e essencialmente práticas: num primeiro momento, uma prova oral de degustação, em que o candidato recebia um vinho numa taça negra (para despistar seu conteúdo) e ele tinha que descrevê-lo (era um Gewurztraminer alsaciano), em 5 minutos (peso 10); e logo a seguir uma mini-prova de serviço, em que o profissional deveria atender o pedido de um casal, executando todo o ritual necessário, decantação inclusive, em 10 minutos (peso 15).


Na finalíssima exige-se até elegância
De São Paulo

Na tarde de sábado, aberto ao público, foram divulgados os três finalistas, aqueles que alcançaram maior soma de pontos nas provas anteriores: Diego Mateus Arrebola, de Campinas; Tiago Locatelli, do restaurante paulista Varanda Grill; e o mineiro hoje radicado em Blumenau, Guilherme Corrêa. Recomeçavam agora em igualdade de condições, esquecendo-se a etapa precedente.

Na fase decisiva, diante de público e sob a pressão do momento, os candidatos classificados, seguindo uma ordem tirada por sorteio, deveriam passar inicialmente por uma banca de enólogos que lhes propunha três vinhos para serem degustados às cegas: um Vinho Verde 2006, de Portugal, leve, com bom frescor e toques cítricos e leve sensação adocicada no final; um tinto do Douro, Quinta de la Rosa safra 99, com bons aromas de fruta compotada e especiarias doces, mas já cansado na boca, que não deve ir muito longe, deixando taninos por se fazer; completando o trio havia um vinho (meio) doce inusitado, um Picolit 94, da região italiana do Friuli, que mostrava cor evoluída, aromas de caramelo, casca de laranja, e denotando oxidação, nuance que se poderia confirmar na boca, junto com uma acidez correta mas acentuada.

Sobre cada um deles, além de uma descrição analítica correta e profissional, como reza o manual, o sommelier deveria responder certas perguntas envolvendo, por exemplo, origem, casta(s) que entraram em sua composição, longevidade da amostra e sugerir pratos que dariam boa harmonização. A proposta, bem colocada e objetiva, é avaliar a capacidade descritiva do candidato e sua afinidade com técnica de degustação.

Diante dos mesmos jurados, caberia ainda ao competidor identificar cinco bebidas, sem necessidade de descrevê-las. Eram, pela ordem, vodka, cachaça não envelhecida, grappa, calvados e um Noccelo, licor de avelãs. Apesar de ninguém ter acertado a origem e as castas dos vinhos - convenhamos que era complicado - pela segurança e capacidade descritiva, Guilherme Corrêa se saiu melhor, salvo pela análise do Picolit, que para ele não era um vinho doce - é bem verdade que a acidez do vinho predominava, porém não a ponto de esconder o açúcar. Por outro lado foi o único que percebeu um "off dry" (leve adocicado) no vinho branco. Tiago Locatelli foi bem nos destilados, mas, nervoso, esqueceu de propor pratos para compatibilizar com os vinhos. Inclusive, ele deixou isso bem claro ao comentar, brincando, que a degustação bem que poderia começar com os destilados.

Terminada a degustação, para a qual era concedido o tempo de 15 minutos, o candidato seguia para a prova de serviço, onde, em igual tempo, ele deveria atender uma mesa com seis convivas. Nisso se inclui, oferecer e servir um espumante de boas vindas, analisar o menu previamente escolhido pelos clientes - uma entrada com queijo de cabra, dois primeiros pratos (um com lagosta acompanhada de ceviche de lulas, o outro com costela de tambaqui em molho de maracujá), uma capivara assada como prato principal, terminando com um queijo Manchego e um trio de sorvetes de sobremesa - e propor vinhos para harmonizar com eles, explicando os critérios utilizado. Os rótulos sugeridos devem ser, obrigatoriamente, de países diferentes.

O passo seguinte previa executar todo o serviço de decantação, servir as seis pessoas à mesa, retirar os apetrechos utilizados e voltar para sugerir charutos (discorrendo sobre as várias opções) e destilados para acompanhá-lo. É uma prova que não admite titubeação, sob pena de estourar o tempo permitido. Em duplas, os jurados analisam cada um dos aspectos que compõem o conjunto da prova, inclusive desenvoltura, elegância e comportamento.

Apesar de alguns (poucos) deslizes - esqueceu de degustar o vinho antes de decantar e servir ao cliente - Guilherme Corrêa sobressaiu. Demonstrando simpatia e segurança, fez uma apresentação de alto padrão. Uma última etapa completava a final, a correção de uma carta de vinhos, composta de 10 rótulos. Aqui os três estiveram bem nivelados.

Tiago, que normalmente tem bom desempenho - não foi por acaso que venceu o Campeonato Paulista - foi atrapalhado pelos nervos. Ainda assim ficou com a segunda colocação. A boa surpresa foi Diego Mateus Arrebola, tanto na degustação quanto no serviço, em especial levando-se em consideração que está no metier há apenas três anos e meio e é seu primeiro concurso. Sem as fichas de avaliação na mão e desconhecendo os critérios de pontuação, Arrebola foi, para mim o segundo colocado.

Ele, de qualquer forma representa bem uma nova leva de profissionais, como não se viu nos Brasileiros anteriores. O número de candidatos e o nível apresentado por eles neste campeonato é alentador.

Pelas regras definidas para o Pan-Americano, cada país participante tem direito de levar o primeiro e o segundo colocado em seus concursos nacionais, ao contrário do que ocorre nos mundiais em que só há um representante. Sete países, fora o Brasil, até agora confirmaram presença: Canadá, Estados Unidos, Venezuela, República Dominicana, Chile, Argentina, Uruguai e Peru. Temos grande chance de levar o caneco. Opa, o cálice.

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Eis o veículo (Motorella) que tenho utilizado para andar na ciclovia da Lagoa e ir ao trabalho sem suar