sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A crise econômica e o Poder Judiciário

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 04.12.08 - E2

A crise e o desafio do sistema judiciário
Paulo Guilherme de Mendonça Lopes

Depois de anos de crescimento econômico acelerado, o mundo enfrenta agora uma crise que, na sua extensão, só encontra precedente na grande depressão de 1929. Os primeiros efeitos chegaram abruptamente. O crédito bancário secou, a moeda encolheu, as bolsas de valores derreteram, assim como os preços das commodities.

O crescimento foi impulsionado no ambiente da globalização da economia mundial. As trocas comerciais e financeiras entre as nações intensificaram-se com o avanço da tecnologia, principalmente da internet. O mercado de serviços jurídicos, nesse período, teve que se adaptar, a fim de suprir as necessidades de sua clientela. Houve um grande incremento da advocacia consultiva empresarial, assim como foi grande o influxo de modelos contratuais importados do sistema anglo-saxão dos Estados Unidos e do Reino Unido. O sistema financeiro nunca foi tão complexo, lidando com os instrumentos da comunicação instantânea e um mercado de ações cujos tentáculos deram a volta no globo, em endereços inéditos como a China.
Agora, as bolsas de valores em baixa e a desconfiança em alta fizeram despertar a advocacia contenciosa. O Poder Judiciário é chamado a solucionar questões que se tornam mais agudas quando a descapitalização é generalizada. Entram em campo os especialistas em litígios - o profissional do direito talhado para a solução de conflitos e para ajudar os juízes a entenderem, em bom português, os conceitos e termos em língua estrangeira utilizados nos contratos. São os intérpretes habilitados para adaptar ao sistema jurídico brasileiro estruturas contratuais e negociais que por vezes são absolutamente estranhas e desconhecidas em nossa cultura - quando não incompatíveis.
A crise que se avantaja a cada dia já começa a trazer aos tribunais brasileiros a discussão de matérias novas ou pouco usuais. São as matérias afetas ao direito societário, ao mercado de capitais, à responsabilidade - ou não - das empresas de classificação de risco ou de auditoria, aos intermediários financeiros, às operações de derivativos (tóxicos ou atóxicos) e de exportação de mercadorias etc. O direito internacional privado, que serviu para unir parceiros, nessa hora é invocado para rever relacionamentos e acertos ditados pelo novo cenário.
O novo influxo de processos e suas características - muito diferentes das crises anteriores, quando o Brasil era menos integrado ao contexto econômico mundial - representa um grande desafio para o setor contencioso da advocacia e para o Poder Judiciário. As crises anteriores tiveram origem em atos do governo federal, na intervenção do Estado na economia. A atual, ao contrário, tem origem somente nas relações privadas. Naquelas crises discutiram-se institutos jurídicos de todos conhecidos de longa data, quais sejam, a validade e os limites da intervenção do Estado na economia, na relação entre partes privadas e entre elas e o governo - como as tablitas, os confiscos e o tabelamento de preços -, a questão do direito adquirido ou da expectativa de direitos, a crise dos alugueres decorrentes de congelamento de preços etc. Todos os assuntos tratados baseavam-se em doutrina e em institutos jurídicos que já eram conhecidos e, como as crises se repetiam, a doença e o remédio eram sempre os mesmos. Todas essas crises tiveram origem em um mesmo problema: a inflação crônica que atingia a nossa economia.
A nova crise, como já se demonstrou, é, na sua gênese, muito diferente das anteriores. Tem ela sua causa e origem na quase falência do sistema financeiro mundial causada não por governos, mas por clientes privados dos bancos. Serão, agora, levados ao Poder Judiciário contratos que só são inteligíveis para homens de negócios, relações contratuais absolutamente desconhecidas, que não foram objeto de estudos doutrinários por doutrinadores nacionais - ou, se foram, contam-se nos dedos de uma mão o número de estudos existentes -, não existindo qualquer jurisprudência sobre eles. A tradução, do português para o português, a ser levada a cabo pelos advogados que atuam na área contenciosa revelar-se-á um trabalho hercúleo.
A Justiça brasileira contemporânea muda a cada ano. Há novos marcos regulatórios - como a nova Lei de Falências, as importantes reformas no Código de Processo Civil, um novo Código Civil e a Lei de Arbitragem que ajuda a desafogar o Poder Judiciário -, mas ainda há muito a fazer nesse campo. Por parte do poder público, no entanto, não se viu qualquer iniciativa substancial para resolver a crise, até agora insolúvel, do Judiciário. Os processos continuam se arrastando por anos. Esse conjunto de fatores soma-se ao novo quadro para formar o atual desafio aos operadores do direito - tanto juízes quanto advogados. Superá-lo é uma imposição imperativa. Não solucioná-lo poderá implicar em um desastre. À crise em curso se juntará um efeito colateral pior e mais duradouro, que é a crise de confiança nas instituições jurídicas.
Paulo Guilherme de Mendonça Lopes é advogado e sócio do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados

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