quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Operações de hedge cambial diante da crise econômica

Valor Econômico – EU & Investimentos – 28.10.08 – D3

Operações de hedge cambial: proteção ou especulação?
Roberta Nioac Prado, Doutora em Direito Empresarial pela USP e professora da Escola de Direito da FGV

A utilização do hedge como proteção cambial é prática corriqueira por parte de companhias expostas a variações do câmbio, em geral importadoras e exportadoras. Podemos dizer que assumir posições em derivativos é uma forma diligente de a empresa se defender, no futuro, quando do pagamento de contratos indexados em dólar, de oscilações cambiais bruscas que podem vir a comprometer a sua liquidez e seu fluxo de caixa.

O fato é que, via de regra, a assunção dessas posições deve estar em consonância com a real necessidade de proteção e limitação de risco da companhia. Ou seja, resultados positivos ou negativos oriundos dessas operações devem ser compensados por variações de receita, investimentos, custo ou de dívidas em dólares, assumidos pela empresa em posições financeiras "na direção oposta".

Nos casos atualmente divulgados pela mídia, o que pode ser complicado para a administração justificar é uma posição financeira especuladora e extremamente alavancada em derivativos.

Como levantou recentemente um analista de mercado, referindo-se a uma empresa atualmente sob o escrutínio da mídia e dos investidores: Qual afinal é a sua atividade, seu o objeto social? A sociedade é operadora de frigorífico ou de tesouraria?

Faz parte das atribuições da administração gerir o caixa da sociedade. E a política de investimento, inclusive do caixa, também é de competência da administração. Em um sistema de boa governança esta política deveria, em princípio, ser diligentemente discutida no conselho de administração, ou em comitês específicos do conselho e, depois de aprovada, implementada pela diretoria, no caso, pelo diretor financeiro, e com ampla transparência ao mercado.

Se a política de investimento de caixa é mais conservadora ou mais arrojada e mais alavancada, isso faz parte do "layout" da empresa, da maneira como ela se mostra ao mercado. Digamos assim, faz parte do seu "jeitão". Mas, sempre, ao menos duas questões devem ser observadas: 1ª) diligência dos administradores na assunção de risco, sempre considerando o objeto social da empresa e; 2ª) a transparência da operação.

A diligência é um dever legal do administrador, seja ele do conselho de administração ou da diretoria, previsto no artigo 153 da Lei das Sociedades por Ações. É um "padrão de comportamento", o "duty of care" americano. Implica em que as tomadas de decisão sejam feitas de maneira fundamentada e transparente.

Não pode o administrador agir de forma abusiva ou negligente, por exemplo, assumindo riscos financeiros além da capacidade da empresa, riscos que possam comprometer seriamente o seu fluxo de caixa e liquidez.

A dificuldade maior é como mensurar esse risco. Até porque a obrigação do administrador é uma obrigação de "meio" e não de "fim", de resultado. Ou seja, se ele age diligentemente e o resultado é desastroso por fatos alheios a sua capacidade de prever o futuro, paciência...

Em relação à abertura da informação cabe ressaltar que a política empreendida deve sempre ser clara, o mais transparente possível, tanto para o investidor, quanto para o mercado em geral. Aí, no melhor dos mundos, cada um escolhe livre e conscientemente onde quer investir.

Assim, sendo tais premissas verdadeiras, devemos, antes de afirmar se há ou não responsabilidade pessoal por parte dos administradores envolvidos nessas operações, com fulcro no artigo 158 e 159 da Lei das S.A., averiguar três pontos em cada situação específica:

1º) Faltou diligência, prudência, por parte dos administradores ao assumir tais posições em derivativos? 2º) Faltou adequada divulgação da operação ao mercado? Se a empresa não divulgou a operação, porque não o fez? Ou a divulgou de forma obscura e o mercado não entendeu? E, finalmente; 3º) faltou controle interno? Faltou governança? Ou seja, quem discutiu a operação? Como foi aprovado o investimento? Com base em quais critérios?

Pode ocorrer também, em outro sentido, que se apure que as administrações foram diligentes, deram transparência mas, ainda que tacitamente, o próprio mercado lhes deu aval. Até porque essas operações com derivativos, alavancadas ou não, vinham historicamente proporcionando ganhos expressivos para as companhias, criando uma onda de "apostar no dólar fraco". E o fato é que, quando tudo está indo bem, e a companhia está obtendo ganhos financeiros, ninguém costuma reclamar. Mas, ao surgir qualquer problema, e especialmente da dimensão histórica que o mercado financeiro enfrenta atualmente, tudo muda de figura.

Não há como, até onde eu conheça, e tampouco me parece viável, criar normas cogentes e taxativas de "quanto uma empresa pode assumir de risco". Isso faz parte da política da administração de cada companhia, da política que os gestores querem imprimir na empresa que gerem.

Em termos regulatórios, recentemente, em 17 de outubro, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou a Deliberação 550, dispondo sobre a apresentação de informações acerca de instrumentos derivativos em notas explicativas às informações trimestrais (ITR).

Na verdade, essa Deliberação apenas esmiúça, traz mais detalhadamente, o que já era previsto na Instrução CVM 235/95. Assim, diz a Deliberação, que as companhias devem informar qualitativa e quantitativamente todos os instrumentos financeiros derivativos que possui. Sendo que tal informação deve ser feita em linguagem clara, concisa, objetiva, e de forma completa e consistente.

Adiante, a Deliberação sugere uma "forma" e um exemplo de como as companhias abertas devem apresentar tais informações (anexos I e II): 1º) identificando os riscos dos instrumentos financeiros derivativos; 2º) estimando o impacto desses riscos no fluxo de caixa da companhia; 3º) definindo três cenários: provável (o esperado), possível (menos positivo), e de estresse. Além de informar os respectivos impactos desses três cenários na liquidez da companhia. Com isso, a CVM reafirma a necessidade de deixar o mais claro possível qual a política de investimento da empresa, o risco assumido, o objetivo e a estratégia da operação.

Não podemos afirmar se essa providência vai solucionar 100% problemas futuros. A CVM, ao que parece, está discutindo a possibilidade de tornar tais disposições obrigatórias, e não simples recomendações.

Na verdade, não acho que a obrigatoriedade em grande parte dos casos seja a forma ideal de evitar desastres. Como se sabe, o substancial da governança corporativa é de adesão voluntária. Até porque é consenso que regras cogentes, taxativas, em forma jurídica crua, muitas vezes não retratam a essência econômica de operações de mercado. Por isso se diz que em termos de governança, não basta divulgar, tem que querer divulgar.

A governança deve ser fundamentalmente um compromisso voluntário assumido pela companhia que enxerga na adoção dessas regras vantagens na avaliação de suas ações, e menor custo de captação de recursos. Governança é um processo de confiança, sem fim: é bom que comece e que nunca termine. Sendo assim, ajustes serão sempre necessários. Mesmo porque, confiança não se cria por decreto, ela é uma construção contínua que decorre de reiteradas atitudes.

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