segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Tirar dos pobres para distribuir aos ricos

Imposto perverso
RICARDO ALLAN
Correio Braziliense
8/9/2008
Cobrança funciona como Robin Hood às avessas: os que ganham menos comprometem mais a renda com tributos do que as pessoas das classes abastadas. Proposta de reforma tributária não corrige distorção Quase metade dos impostos arrecadados, nas esferas federal, estadual e municipal, tem origem na cobrança sobre o consumo. Essa forma de recolhimento, baseada em tributos embutidos no preço de produtos e serviços, torna o regime brasileiro um dos mais injustos do mundo. Como o imposto é igual para todos, quem ganha mais compromete uma parcela da renda menor do que quem recebe menos. Em outras palavras, o contribuinte pobre paga proporcionalmente mais imposto do que o endinheirado. Isso reforça a desigualdade social.
Segundo estimativas citadas pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ), famílias que ganham até dois salários mínimos arcam com impostos equivalentes a 48% de sua renda. Em contraposição, as que têm rendimento maior que 30 salários destinam só 26% dos rendimentos para pagar os impostos invisíveis. “Quem ganha pouco consome tudo e acaba sendo mais prejudicado. Já os mais ricos conseguem poupar e sofrem relativamente menos com os impostos sobre o consumo”, afirma Dornelles, ex-ministro da Fazenda.
Cafezinho amargo Pouca gente tem consciência de que, da forma como se estruturou ao longo dos anos, o sistema funciona como um Robin Hood às avessas, transferindo renda dos pobres para as classes média e alta. Não é o caso do arquiteto Célio Biavati. Ele sabe que está submetido a uma carga menor do que a da sua faxineira diarista, Maria de Fátima Mendes.
Maria, entretanto, ignora a situação. Tímida, ela admite que não tem familiaridade com o conceito de impostos. Como seus rendimentos mensais ficam abaixo do limite de isenção (R$ 1.372,81), nunca se importou em saber sobre o Imposto de Renda (IR).
Maria mora em Arapoanga, bairro de Planaltina, numa casinha construída em regime de mutirão. Faz faxina em seis apartamentos no Plano Piloto e pega dois ônibus para chegar aos locais de trabalho. Sua renda complementa a do marido, que é carregador. Tudo o que a família recebe é revertido para as compras de supermercado, pagamento das contas de luz, água e do gás e para as despesas dos três filhos — o quarto está a caminho. Mesmo sem saber, quando compra um quilo de açúcar, recolhe aos cofres públicos 30,37% do preço em impostos. No café, o recolhimento é de 20%.
Com condições de vida incomparavelmente melhores, Biavati adoça o seu café pagando o mesmo percentual de impostos. Como ganha mais, compromete um total menor da sua renda com os impostos sobre o consumo. O arquiteto mora na Asa Sul, consegue proporcionar conforto à mulher e aos dois enteados que moram com ele e ainda sobra algum dinheiro para o lazer e a poupança. Os três computadores da casa foram comprados sob uma carga tributária de 31,61% cada um. Cada pacote de fraldas descartáveis que a sua neta recém-nascida usa leva embutidos 54,75% em tributos.
Cesta básica As estimativas da carga tributária de cada produto foram feitas pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). A página da entidade na internet (www.ibpt.com.br) tem uma lista de quase 500 produtos, além de uma calculadora em que os contribuintes podem saber quanto pagam em impostos embutidos. “Em média, a taxação é de 30% a 40%. Alguns poucos produtos, principalmente alimentos, têm carga menor não por causa do governo federal, mas porque muitos estados isentam a cesta básica do recolhimento do ICMS”, assegura o diretor-técnico do instituto, João Eloi Olenike.
Segundo seus cálculos, cerca de 70% da carga tributária nacional vem da cobrança sobre salários, faturamento das empresas e produção. “O ideal seria que a tributação recaísse sobre o lucro e o patrimônio, que é riqueza já formada”, afirma. A carga tributária está girando por volta dos 38% do Produto Interno Bruto (PIB). Olenike é favorável à idéia de discriminar, nas notas fiscais, a quantidade de imposto embutido em cada produto.
Existe um consenso de que o sistema tributário precisa de uma reforma que diminua seu efeito regressivo. Segundo Dornelles, a proposta de reforma tributária trata apenas da repartição das receitas tributárias entre os entes da federação, não reduzindo a injustiça social inerente ao regime atual. Receita faz reduções específicas
Embora ainda seja muito alta, a concentração da carga tributária brasileira nos impostos indiretos vem diminuindo nos últimos anos (veja tabela). Segundo o coordenador de Previsão e Análise da Receita Federal, Raimundo Elói de Carvalho, a queda deve continuar neste ano, principalmente por causa do fim da cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Nos últimos 10 anos, os picos ocorreram em 2000 (51,69%) e 2001 (51,78%), primeiros anos de cobrança plena do tributo.
Em 2002, houve uma queda da participação relativa porque o Imposto de Renda registrou uma arrecadação extraordinária de R$ 20 bilhões, aumentando a parcela dos tributos diretos. Só a mudança do regime de tributação dos fundos de pensão rendeu R$ 10 bilhões adicionais. Passado esse efeito, os indiretos voltaram a subir nos dois anos seguintes. Em 2005, começou a trajetória descendente que continua até hoje, gerada pelo aumento do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
O recolhimento desses dois tributos diretos se elevou em função do crescimento da lucratividade das empresas brasileiras na esteira da retomada da expansão econômica. No ano passado, a parcela indireta foi de 48,40% da arrecadação. “Essa participação gira estruturalmente em torno de 50%. Mas o governo tem adotado diversos programas de desoneração que têm como um dos objetivos justamente diminuir os efeitos negativos da regressividade sobre a população de baixa renda”, afirma Carvalho.
Como exemplos, ele cita as rodadas de redução de impostos sobre os alimentos, especialmente os de consumo básico, e sobre os insumos da construção civil. As medidas de desoneração cortaram R$ 36 bilhões nos últimos quatro anos, mas a arrecadação total continua crescendo. Por isso, especialistas afirmam que é preciso fazer mais. Nos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a parcela indireta representa 32% da arrecadação em média. Neles, a tributação sobre a renda soma 34%, valor que é de apenas 18,5% no Brasil. (RA)

Nenhum comentário:


Registre as histórias, fatos relevantes, curiosidade sobre Paulo Amaral: rasj@rio.com.br. Aproveite para conhecê-lo melhor em http://www2.uol.com.br/bestcars/colunas3/b277b.htm

Eis o veículo (Motorella) que tenho utilizado para andar na ciclovia da Lagoa e ir ao trabalho sem suar