terça-feira, 13 de maio de 2008

51 artigos da Constituição pendentes de regulamentação

Valor Econômico - Especial - 12.05.08 - A14
Falta regulamentar 51 artigos da Constituição
Thiago Vitale Jayme, de Brasília
Há um ano, o prefeito de Campo Limpo de Goiás, Joaquim Duarte, e um grupo de quatro vereadores estiveram no Supremo Tribunal Federal (STF). Encontraram-se com o ministro Cezar Peluso para tratar de um assunto que não sai da cabeça dos políticos da cidade de 5,4 mil habitantes, localizada a 66 km de Goiânia. Emancipado há sete anos, o município corre o sério risco de desaparecer a partir de outubro por falta de regulamentação do artigo 18, § 4º , da Constituição Federal. Prestes a completar 20 anos de existência, em outubro deste ano, a Carta Magna ainda tem 51 dispositivos não regulamentados.
Campo Limpo de Goiás não está sozinho. Na mesma situação, encontram-se outras 56 cidades instituídas a partir de 1996, quando a Emenda Constitucional 15 alterou as regras de criação de municípios e determinou que novas cidades só poderiam surgir depois de aprovação de lei complementar pelo Congresso. A legislação não existe. Ainda assim, alguns Estados permitiram a emancipação dessas cidades e criou-se uma incerteza jurídica enorme.
O Ministério Público impugnou todas as 57 cidades no STF. Em 2006, a corte decidiu que a criação dos municípios era inconstitucional e deu dois anos para o Congresso regulamentar a questão. O prazo acaba em outubro e, caso deputados e senadores não se mexam, todas as cidades terão de voltar a ser distritos. Campo Limpo de Goiás voltaria a fazer parte de Anápolis.
"Não tem mais como. A gente já está no mapa. Fizemos dois concursos públicos. Eles precisam resolver isso, mas voltar a ser distrito não dá", diz o prefeito de Campo Limpo, Joaquim Duarte (PSDB). "Vivemos na incerteza. Eu nem sei se faço campanha para as eleições de outubro. Não sabemos mais se seremos uma cidade ou não", diz o presidente da Câmara Municipal, Aucedil da Silva.
Campo Limpo de Goiás é um dos exemplos da gravidade política, social e jurídica da falta de regulamentação de diversos dispositivos da Constituição. Levantamento feito pelo Valor mostra que 51 artigos, parágrafos ou incisos da Carta Magna ainda dependem de aprovação de lei ordinária ou complementar para ter efetividade. "Os impactos dessa apatia são enormes. O direito não pode ser lírico, pro forma, deve ter conteúdo. Ficamos com uma Constituição que não tem plena eficácia", diz Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal.
"Sem regulamentação, fica uma lacuna, porque a regulamentação possibilita a aplicação plena do direito previsto na Constituição", diz Moreira Alves, ex-ministro do STF. O ex-magistrado lembra que a Carta foi promulgada, em 1988, com quase 200 dispositivos por regulamentar. "Quando os constituintes se deparavam com um artigo mais polêmico, deixavam para que fosse regulamentado posteriormente", conta.
Os municípios não são os únicos a viver instabilidade jurídica. Não existe, por exemplo, a legislação sobre o adicional de remuneração aos trabalhadores que desempenham atividades penosas e nem a lei de proteção contra demissões arbitrárias ou sem justa causa. Os servidores aposentados por invalidez permanente ainda não foram beneficiados com a lei que criará a forma de cálculo de seus benefícios.
A administração pública poderia ser agraciada com a regulamentação de diversos artigos que melhorariam o seu funcionamento. A Constituição prevê, por exemplo, que lei regulará o compartilhamento de informações fiscais entre União, Estados, DF e municípios. A avaliação do desempenho dos servidores (que é uma das possibilidade de demissão no funcionalismo) também está pendente.
O reaparelhamento dos órgãos públicos, a realização de programas de aperfeiçoamento e até a possibilidade de prêmio por produtividade poderiam ser agilizados: bastaria criar a lei, já prevista na Constituição Federal, que determina como serão usados os recursos provenientes de economia de despesas correntes de cada órgão público.
"Estamos devendo à sociedade essas regulamentações. Algumas questões são urgentes e diminuem a eficácia da lei maior do país", diz o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), que criará na quarta-feira uma comissão de notáveis para sistematizar a regulamentação dos dispositivos em aberto.
Estudo da assessoria técnica está em fase final de elaboração e servirá de ponto de partida para o grupo. "É difícil medir o impacto da falta de regulamentação. Mas o que vemos é que, com a lacuna legislativa, ou o cidadão comete um equívoco por desconhecer a regra ou usa esse vazio regulatório de má-fé para tirar vantagens", diz o presidente da Câmara.
Ciente da dificuldade de regulamentação de todos os artigos pendentes, a Constituinte de 1988 criou uma ferramenta jurídica para sanar as lacunas. Trata-se do mandado de injunção, recurso utilizado no caso de vazios legislativos. Foi dessa forma que o STF, no fim de 2007, tratou da dúvida sobre o direito de greve do servidor público, até hoje não regulamentado. Na ocasião do julgamento, o Supremo determinou a aplicação da lei de greve dos trabalhadores do setor privado às paralisações no funcionalismo.
Decisão semelhante tomou a corte em mandado de injunção sobre aposentadoria especial para trabalhadores do serviço público que atuam em atividades prejudiciais à saúde. O STF mandou aplicar a legislação do setor privado.
A omissão legislativa pode levar o país a situações de graves problemas institucionais. Não existe ainda, por exemplo, a lei que regula a eleição indireta para presidente e vice-presidente caso ambos os cargos fiquem vagos nos dois últimos anos do mandato. Se o país, em algum momento, se ver diante de um estado de defesa ou de sítio, não há qualquer legislação que limite os decretos presidenciais. Na prática, não haveria limites para as restrições a direitos individuais dos decretos do presidente da República.
Na lista de dispositivos pendentes, há duas curiosidades. A primeira é que a lei que definiria as atribuições e prerrogativas do vice-presidente da República nunca foi editada, o personagem continua tendo papel figurativo. Também depende de deliberação legislativa a lei da licença-paternidade. No Congresso Nacional, tramitam dois projetos sobre o tema. Um deles prevê dez dias de folga aos pais. Outro dá folga maior: 30 dias. Enquanto isso, valem os cinco dias que a Constituição previu até a edição da lei.

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