quarta-feira, 23 de abril de 2008

Gilmar Mendes no STF

Valor Econômico - Política - 23.04.08 - A8
Posse de Gilmar Mendes reforça papel propositivo do Supremo
Juliano Basile

Gilmar Mendes assume hoje o comando do Supremo Tribunal Federal (STF) no período mais inovador da história recente da Corte. Em seus últimos julgamentos, o Supremo tem feito alertas constantes ao Executivo e ao Legislativo para que tomem medidas práticas para resolver os principais problemas do país. Mais do que isso: a cada sessão, o tribunal se mostra mais preocupado com grandes temas do que com processos individuais. Eles julgam casos aparentemente simples pensando nas repercussões que a decisão poderá ter para milhares de causas semelhantes. Com isso, os ministros do Supremo estão cada vez mais saindo do varejo para atuar no atacado.
O resultado dessa nova postura é que não existe mais sessão monótona no STF. A partir de casos ordinários, os ministros estão tomando decisões com repercussões gerais para a sociedade. Na semana passada, por exemplo, houve dois exemplos claros desta postura propositiva do tribunal. Na segunda-feira, durante uma sessão extraordinária destinada apenas a aliviar a pauta, os ministros discutiam um caso simples: o pagamento de cirurgia a um cidadão que foi baleado no Recife. O STF possui milhares de decisões em que não manda o Estado pagar este tipo de operação por uma razão objetiva: se o fizer, os Estados podem simplesmente ir a falência. O caso seria julgado "no piloto automático", tanto que, na sessão, participavam apenas seis dos onze ministros. Não havia nem o mínimo de oito, necessário para se discutir questão constitucional. Porém, numa discussão surpreendente, os ministros decidiram condenar o governo de Pernambuco a pagar a cirurgia e a fazê-lo pela contratação de um médico especialista da Universidade de Yale tido como o único no mundo capaz de fazer com que o paciente possa voltar a respirar sem aparelhos. Ao decidir dessa forma, os ministros chamaram a atenção dos demais governadores para que não abandonem a questão da segurança pública nos Estados, pois podem sim ser chamados a custear as operações.
Em outra discussão na quarta-feira, os ministros quase inverteram toda a jurisprudência do tribunal com relação a medidas provisórias. O STF tradicionalmente não se pronuncia sobre os dois requisitos para o governo baixar MPs - a urgência e relevância do assunto -, pois sempre entendeu que este é um assunto político e, portanto, deve ser tratado pelo Executivo, com a votação posterior do Congresso. No entanto, ao julgar uma ação do PSDB contra a concessão de R$ 5,4 bilhões em créditos extraordinários por meio de MPs, cinco ministros disseram que não havia urgência nem relevância após examinar o que seria financiado. O julgamento foi interrompido, mas falta apenas um voto para o tribunal dar um alerta ao Executivo para não faça MPs sem relevância e urgência.
Há duas semanas, a inovação partiu do próprio Mendes. Ao votar uma das questões mais polêmicas em curso no STF - quem tem poder de regular a prestação dos serviços de saneamento - Mendes, defendeu uma terceira via, nunca antes suscitada nesta questão. A dúvida era saber se a competência para regular o saneamento era dos Estados ou dos municípios. Em alguns casos, houve propostas para que a regulação ficasse a cargo de regiões metropolitanas, já que existem cidades que se uniram de tal forma que o serviço é prestado pela mesma concessionária. Mendes, porém, propôs um prazo de 24 meses para que o Estado do Rio se reunisse com municípios e regiões metropolitanas e juntos decidissem a questão. Se a proposta de Mendes for aceita ela irá concretizar uma prática absolutamente nova na Corte: ao invés de o Supremo dizer sim ou não à determinada ação, ele passará a estipular prazos e dizer como a questão deve ser resolvida. Normalmente, o tribunal responde apenas aceitando ou negando o pedido de uma das partes. Mas, em casos recentes, o STF tem ido além e determinado como a questão deve ser resolvida, propondo prazos e formas alternativas de solução.
O novo presidente é um dos líderes desta nova tendência de um Supremo cada vez mais propositivo e menos inerte. É também o principal nome no país quando se fala em "controle constitucional". Ou seja, na possibilidade de o STF assumir o papel de dar as diretrizes aos demais tribunais do país nos grandes temas nacionais. Mendes é o pai das principais ações utilizadas para se pular instâncias e levar questões relevantes diretamente ao Supremo. A partir de um grupo de estudos criado por ele na Casa Civil, quando era subchefe de Assuntos Jurídicos do então presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi criada a Argüição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Este tipo de ação permite que se recorra diretamente ao STF para obter uma decisão final para problemas reconhecidamente controversos. Foi através de uma ADPF que o Supremo determinou a suspensão de parte da Lei de Imprensa, em fevereiro deste ano. Foi também por uma ADPF que o tribunal suspendeu a tramitação de todas as ações que tratam da constitucionalidade do Plano Real.
Essas ações têm no gene discussões levadas a cabo por Gilmar Mendes. O hoje presidente do Supremo chamou juristas como Ives Gandra Martins, Arnoldo Wald e Celso Bastos (já falecido) para participarem da redação dos primeiros anteprojetos de lei que permitiram a institucionalização da ADPF. Também foi Mendes quem atuou na definição das leis que regem a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin). A primeira pode ser utilizada pelo presidente da República para pedir diretamente ao STF que reconheça determinada lei ou prática governamental como constitucional. No ano passado, o governo usou uma ADC para pedir o reconhecimento da cobrança de ICMS na base de cálculo da Cofins - uma discussão que vale R$ 60 bilhões aos cofres do Tesouro Nacional. Já as Adins podem ser utilizadas por partidos políticos e associações e já foram propostas mais de 4 mil dessas ações no tribunal desde a Constituição de 1988. Foi através de uma Adin que o Democratas pediu o fim dos aumentos na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e no Imposto sobre Operações Financeiras - medidas utilizadas pelo governo para compensar o fim dos R$ 38 bilhões anuais de arrecadação com a CPMF.
O novo presidente do STF não está sozinho nessa tendência de reforçar o papel da Corte como definidora de temas no atacado. Em levantamento feito pela revista eletrônica Consultor Jurídico, os onze ministros foram questionados se ao decidir eram: legalistas (formais e de acordo com a lei), jurisprudencialistas (valorizam as decisões construídas no plenário) ou doutrinadores (buscam novas abordagens e trabalham mais na tese jurídica do que no caso concreto). Ao todos, oito dos onze ministros afirmaram ter perfil "doutrinador". Ficaram de fora apenas Ellen Gracie, Joaquim Barbosa e Menezes Direito.

Nenhum comentário:


Registre as histórias, fatos relevantes, curiosidade sobre Paulo Amaral: rasj@rio.com.br. Aproveite para conhecê-lo melhor em http://www2.uol.com.br/bestcars/colunas3/b277b.htm

Eis o veículo (Motorella) que tenho utilizado para andar na ciclovia da Lagoa e ir ao trabalho sem suar