quinta-feira, 24 de abril de 2014

Marco civil da internet

Jornal Valor Econômico - Legislação & Tributos - 24.04.2014 - E1
 Por Beatriz Olivon | De São Paulo
A sanção do Marco Civil da Internet pela presidente Dilma Rousseff ontem gerou entre os advogados a expectativa de que o volume de ações judiciais deverá aumentar - e que a Justiça terá que ser mais ágil. Há pontos da nova norma que contrariam a linha de decisões que vinha sendo adotada pelos tribunais, segundo Patricia Peck Pinheiro, advogada especializada em direito digital.
Segundo Renato Opice Blum, especialista em direito digital e presidente do conselho de TI da Fecomércio, há uma tendência no Marco Civil de se tirar a responsabilidade de quem hospeda conteúdo. O parágrafo 1º do artigo 10 da norma determina que o provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar os registros mediante ordem judicial.
O dispositivo, de acordo com especialistas, segue caminho oposto à jurisprudência, construída nos últimos anos pelo Judiciário. Os tribunais vinham responsabilizando os provedores - redes sociais, sites de busca, entre outros - pelo conteúdo publicado na internet, em caso de omissão para a remoção dele a pedido da parte.
A norma estipula que o provedor terá obrigação de remover o conteúdo somente após ordem judicial. "O Judiciário tinha a tendência de proteger mais a imagem e honra das pessoas que a liberdade de expressão. Esse ponto mudou", afirma Patricia.
A nova lei estabelece que o provedor de internet só poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para tornar indisponível o conteúdo. As exceções são para material com cenas de nudez, exposição de menores ou infração a direito autoral. Nesses casos, se o provedor não retirá-lo do ar após notificação da parte ou de seu representante legal, será responsabilizado subsidiariamente.
A expectativa dos advogados é que o volume de ações judiciais aumente. "Muitas informações e procedimentos que hoje são fornecidas diretamente aos advogados e polícia, sem a necessidade de processos, só poderão ser feitas após decisão judicial", afirma Adriano Mendes, advogado do escritório Assis e Mendes Advogados.
Para o advogado Alexandre Atheniense, o Marco Civil da Internet estabelece critérios importantes e elimina certa insegurança que havia nos enfrentamentos jurídicos nesse campo. Atheniense destaca a orientação sobre como devem ser preservados os registros eletrônicos do usuário. A norma estabelece o prazo de seis meses para a manutenção dos registros de conexão por parte do provedor.
Rodrigo de Souza Leite, especialista em direito da internet do escritório Mendes Barreto e Souza Leite, acredita que, após a acomodação à nova norma, o número de demandas tende a ficar estabilizado. Para ele, a norma beneficiará os provedores e usuários da internet, pois conferirá maior segurança jurídica ao sistema, ainda que a lei exija que o ofendido recorra ao Judiciário.
"Para quem quer mais liberdade de opinião, o Marco Civil é fantástico, mas quem sofre com discriminação, difamação, crimes contra a honra, entre outros, agora terá mais trabalho para se defender", afirma Patricia.

Consultor Jurídico
 Por Otavio Luiz Rodrigues Junior
 
Hoje foi sancionada a lei que “estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para uso da internet no Brasil”, que já se tornou conhecida como Marco Civil da Internet. Trata-se de uma lei de enorme repercussão social, que se dilata por diferentes áreas do Direito, ao exemplo do Direito Constitucional, do Direito Civil, do Direito da Comunicação e do Direito Penal. Em muitos aspectos, o Marco Civil da Internet tangencia a experiência legislativa estrangeira e comparada, o que torna esse tema muito interessante para esta coluna, que, em outras edições, analisou vários problemas relacionados ao uso da internet, à privacidade de dados e ao controle das publicações na rede.
 
O Marco Civil da Internet compõe-se de 32 artigos, muitos dos quais de grande complexidade, o que não permitirá seu exame em apenas uma coluna.
 
Esta semana, far-se-á a análise crítica de seu primeiro capítulo.
 
No artigo 1o, têm-se dois pontos de relevância: (a) a definição do objeto da lei — regular o uso da internet no Brasil; (b) o reconhecimento de que a lei terá caráter nacional, ao estabelecer as “diretrizes para atuação da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios em relação à matéria” (artigo 1o, parte final). Quanto a esses dois pontos, é importante fazer duas observações:
 
(1) A lei usou de maneira ambígua as expressões princípios, garantias, direitos e deveres, que figuram em sua ementa e no início do artigo 1o, o que se revela de modo mais explícito quando se observa que a lei menciona os fundamentos (artigo 2o), os princípios reitores (artigo 3o) e os objetivos (artigo 4o) da disciplina do uso da internet no Brasil. Não houve uma preocupação maior com as distinções terminológicas entre fundamentos, princípios e objetivos. Os direitos e garantias vêm agrupados no capítulo segundo da lei, ao passo que os deveres não se agruparam em uma seção específica.
 
(2) Quanto à fixação de “diretrizes para atuação” dos entes federados, tal como se lê do artigo 1o, primeira parte, a lei perdeu a oportunidade de qualificar juridicamente a internet e estabelecer um diálogo com a Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472, 16 de julho de 1997), que trata do “serviço de valor adicionado” e define-o “como atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações” (artigo 61, caput), sendo certo que o “serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição” (artigo 61, parágrafo 1°).
 
Essa preocupação é menos formal do que se imagina, pois envolve uma séria possibilidade de discussões sobre a constitucionalidade, por reserva de competência, de normas baixadas pelos entes federados sobre as chamadas “diretrizes para atuação”. Nem se diga sobre a vacuidade do que seriam essas “diretrizes para atuação”. Observada a titularidade ampla das pessoas jurídicas referidas no artigo 1o da lei do Marco Civil, é de se considerar relevante essa preocupação quando todos eles começarem a legislar sobre a internet. Quais os limites materiais dessa competência normativa?
 
Os fundamentos para o uso da internet no Brasil estão assinalados no artigo 2o e compreendem: o reconhecimento da escala mundial da rede; os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais; a pluralidade e a diversidade; a abertura e a colaboração; a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor e a finalidade social da rede. Alguns desses fundamentos podem ser reconduzidos à Constituição Federal de 1988, como os direitos humanos (artigo 5o e seu parágrafo terceiro, CF/1988), a defesa do consumidor (artigo 5o, inciso XXXII, CF/1988), a livre iniciativa (artigo 1o, inciso IV, CF/1988) e, de modo indireto, a livre concorrência (artigo 173, parágrafo 4°, CF/1988). Outros, no entanto, como a “finalidade social” poderão ser confundidos com a “função social”, também presente na Constituição, em face do direito de propriedade (artigo 5o, inciso XXIII, CF/1988). Se há ou não coincidência entre esses dois conteúdos, a lei não permite que se ofereça uma resposta imediata, embora seja mais adequado supor que esse é um novo conceito, cuja originalidade desafiará a doutrina a revelar seu alcance.
 
O “desenvolvimento da personalidade”, ao menos sob a óptica legislativa, é também um conceito novo e cuja genealogia pode ser identificada nas teorias psicológicas da personalidade, especialmente no campo da estabilidade da personalidade. Seria também possível identificar esse novo fundamento com o conceito alemão do “livre desenvolvimento da personalidade” (artigo 2o, inciso I, Lei Fundamental de 1949), segundo o qual “todos têm o direito ao livre desenvolvimento de sua personalidade, desde que não violem direitos de outrem e não se choquem contra a ordem constitucional ou a lei moral”. Em princípio, o fundamento contido no Marco Civil conecta-se com a concepção psicológica e não com aquela extraída da experiência constitucional alemã.
 
Na próxima coluna, dar-se-á sequência ao exame dessa nova e importante legislação, com seu posterior cotejo com os direitos comparado e estrangeiro.
 
Otavio Luiz Rodrigues Junior é advogado da União, professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP), com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.
 
Revista Consultor Jurídico, 23 de abril de 2014
 

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