terça-feira, 25 de março de 2014

Lavagem de dinheiro por "organizações religiosas"

Jornal Valor Econômico - 25.03.2014. Doleiros usam igrejas para 'lavar' dinheiro. Por André Guilherme Vieira | De São Paulo. Doleiros usam a imunidade tributária conferida por lei a templos religiosos para lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e sonegação fiscal. A prática é investigada em inquéritos e procedimentos preparatórios do Ministério Público nos Estados e pelas procuradorias da República. "O uso de templos de fachada ou igrejas-fantasma se dissemina no país", alerta o desembargador Fausto Martin de Sanctis. São 55.166 organizações religiosas em atividade, número superior ao de sindicatos (33.837) e cooperativas (40.196). Doleiros usam imunidade tributária de igrejas para lavagem Por André Guilherme Vieira | De São Paulo Daniel Wainstein/Valor / Daniel Wainstein/ValorDe Sanctis: "É impossível auditar doações de fiéis, ideais para camuflar renda" Doleiros usam imunidade tributária conferida por lei a templos religiosos para lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e sonegação fiscal. A prática é investigada em inquéritos e procedimentos preparatórios do Ministério Público nos Estados e pelas procuradorias da República, fato que preocupa a Justiça Eleitoral em ano de escolha de presidente, governadores, deputados e senadores. As igrejas contam com uma condição fiscal privilegiada no Brasil. A Constituição estabelece no artigo 150 que é vedado à União, Estados, Distrito Federal e municípios, instituir impostos sobre templos de qualquer culto. A proibição compreende patrimônio, renda e serviços relacionados às finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas. O Supremo Tribunal Federal (STF) já definiu que "templo" não está restrito ao espaço físico do culto religioso, compreendendo o conjunto de bens da organização religiosa, que devem estar registrados como pessoa jurídica. "O uso de 'templos de fachada' ou 'igrejas-fantasma' está se disseminando no país", alerta o desembargador federal Fausto Martin de Sanctis, especializado no combate a crimes financeiros e à lavagem de dinheiro. O magistrado, autor de livros sobre o tema no Brasil e nos Estados Unidos, destaca que a condição tributária singular franqueada às igrejas tornou-se um expediente eficaz para abrigar recursos de procedência criminosa, sonegar impostos e dissimular o enriquecimento ilícito: "É impossível auditar as doações dos fiéis. E isso é ideal para quem precisa camuflar o aumento de sua renda, escapar da tributação e lavar dinheiro do crime organizado. É grave", conclui Sanctis. Doações de organizações religiosas a partidos políticos são proibidas pela legislação. Elas podem significar cassação do diploma ou indeferimento da candidatura. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) firmou convênio com a Receita e a Polícia Federal (PF), para agilizar punições quando detectadas operações de caixa dois e outros ilícitos: "Sempre nos preocupamos com essa forma de doação, porque, além de criminosa, desequilibra a corrida eleitoral", diz o juiz assessor da presidência do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), Marco Antonio Martin Vargas. "Agora há maior facilidade de aferição de recursos, por conta do cruzamento com dados das declarações de imposto de renda", assinala Vargas. Ele salienta que a colaboração da sociedade é fundamental para reprimir o fluxo de valores não contabilizados e a lavagem de dinheiro. " A doação ilegal existe, claro. E aquele que recebe por caixa 2 corre por fora da declaração de arrecadação e gasto". Na opinião do procurador da República em São Paulo, Silvio Luís Martins de Oliveira, que investigou e denunciou criminalmente responsáveis pela Igreja Universal do Reino de Deus por lavagem de dinheiro, evasão de divisas, formação de quadrilha e estelionato, é preciso refinar a fiscalização sobre atividades financeiras de entidades religiosas: "Eu acho que se a igreja cumpre um papel social, tudo bem quanto ao tratamento fiscal diferenciado. Mas quando começa a virar empresa de telecomunicações, fazer doações a políticos, aí é preciso refrear". Segundo o procurador, o mecanismo utilizado em templos destinados à lavagem de dinheiro continua sendo o sistema paralelo conhecido como dólar-cabo, embora, algumas vezes, também envolva a compensação bancária: "Costuma ser um doleiro de confiança que busca ajuda de casas de câmbio, pois a quantidade de cédulas é enorme. É o que chamam de 'dinheiro sofrido', porque o fiel costuma pagar o dízimo com notas amassadas", esclarece. Uma das lideranças mais polêmicas da bancada evangélica na Câmara dos Deputados, o deputado Marco Feliciano (PSC-SP), discorda que falte fiscalização às doações realizadas às igrejas: " Essa citada falta de fiscalização é questão de ponto de vista. Se o legislador após longo debate na Assembleia Nacional Constituinte isentou as instituições religiosas de impostos, nada mais fez do que atender aos anseios da maior parte da sociedade", pondera. O número de igrejas e templos abertos no país segue em crescimento, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação. São 55.166 organizações religiosas em atividade em 2014, contra 54.402 no ano passado e 46.010 em 2012. Crescimento de 18,24% na variação entre 2012 e 2013, e de 1,4% na comparação deste ano com 2013. O número de entidades religiosas já é maior que o de sindicatos (33.837) e que o de cooperativas (40.196). O estudo "Religião e Território" (2013), dos pesquisadores Cesar Romero Jacob, Dora Rodrigues Hees e Philippe Waniez, indica expansão exponencial dos chamados "evangélicos não determinados". Eles passaram de 580 mil no ano 2000 para impressionantes 9,2 milhões em 2010. Os evangélicos de missão cresceram de 6,9 milhões para 7,6 milhões no mesmo período, enquanto os evangélicos pentecostais passaram de 17,6 milhões para 25,3 milhões em dez anos. Seguiu engessado por quase um ano na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara dos Deputados, Projeto de Lei Complementar (PLP) que suspenderia a imunidade tributária de templos de qualquer culto, partidos políticos, sindicatos e de instituições educacionais e de assistência social sem fins lucrativos. Mas a proposta foi retirada pelo próprio autor, deputado Marcos Rogério Brito (PDT-RO): "Foi o partido que me pediu para reapresentar o projeto, que originalmente teve outro deputado como autor, Gustavo Fruet (PDT) [atual prefeito de Curitiba]. Mas demandaria modificar a Constituição, então teria de ser pela via da emenda constitucional. Por isso retirei", explica. O parlamentar nega ter havido pressão para o descarte da proposta e afirma considerar a possibilidade de reconfigurar a ideia nos moldes de uma PEC. Mas diz que o estudo ainda não foi concluído pela área técnica da Câmara. No entanto, Brito diz que, pessoalmente, é favorável à imunidade tributária "para igrejas, partidos políticos, jornais e revistas". A manutenção da condição ímpar de isenção fiscal a que as entidades religiosas foram alçadas pela Constituição, é defendida intransigentemente pela bancada evangélica da Câmara dos Deputados, que conta com 73 parlamentares eleitos em 2010 e vem ganhando representatividade a cada nova legislatura. O deputado Marcos Feliciano declara-se "visceralmente" a favor da imunidade fiscal aos templos, em nome da 'liberdade religiosa'. Sobre o uso das casas religiosas para práticas de moral e legalidade questionáveis, Feliciano faz uma alusão indireta a entidades católicas: "Se partirmos do pressuposto que uma entidade não deve ter tratamento especial pela possibilidade de malfeitores se aproveitarem, por analogia o mesmo princípio se aplicaria às Santas Casas e Universidades mantidas por Fundações sem fins lucrativos". Da titularização de contas às offshores Por André Guilherme Vieira | De São Paulo A remessa de dinheiro para o exterior passou por modificações nos últimos 40 anos. Mas essencialmente mantém o sistema de troca de posições. Durante a década de 1980 e início dos anos 90, a Suíça era o principal destino para interessados em guardar valores livres de obrigações tributárias. Os doleiros usavam contas próprias para movimentar tudo o que administravam. O cliente depositava na conta pessoa física do doleiro no Brasil, que disponibilizava a soma fora do país em uma conta offshore. As contas bancárias de brasileiros não-residentes no exterior eram abertas com base na Carta Circular nº 5 do Banco Central (CC-5), e permitiam livremente as remessas. Segundo a Polícia Federal (PF), esse foi o mecanismo empregado no caso Banestado. A prova do crime era obtida com a quebra do sigilo bancário. O sistema funcionou até os anos 2000, quando os doleiros passaram a usar contas dos próprios clientes, que eram "casadas" entre os interessados em remeter ao exterior e os que buscavam trazer dinheiro de fora. A prova era conseguida com a interceptação telefônica e de fac-símile. Exemplos mais conhecidos foram os das operações Kaspar II e Downtown. Após a polícia fechar o cerco aos doleiros em São Paulo, por volta de 2004, houve uma migração dos operadores paralelos de câmbio para o Uruguai, que teve o seu auge em 2010. Como os clientes continuavam no Brasil, foram criadas linhas telefônicas 0800, de chamada gratuita. A comunicação era feita por Voice Over Internet Protocol (VOIP). Entregas e recolhimentos eram executados por motoboys. A prova policial dependia da apreensão de computadores e monitoramento das conversas por Skype, MSN e Whatsapp. Um caso conhecido foi o da operação Arina. Depois de 2011 deu-se início à criação de pessoas jurídicas no Brasil em nome de laranjas - inclusive mortos. Com o CNPJ, a conta em banco é aberta e usada para movimentar o dinheiro. Rapidamente os bancos comunicam a movimentação suspeita ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). Abrem-se novas empresas, sem o encerramento das anteriores. Os sócios não sabem quem são os donos. O endereço comercial informado existe, mas pertence a alguém sem conhecimento do esquema. As pessoas destinatárias de valores chegam a ser chamadas a depor. Alegam ter recebido de parentes, mas não sabem como: " Agora o dinheiro é encaminhado ao Principado de Liechtenstein. Aí fica muito difícil dar continuidade ao rastreamento, porque lá raramente autorizam a quebra do sigilo", explica o especialista em direito societário e em contratos internacionais, Alessandro Orizzo. Os paraísos fiscais destacados pela Interpol são: Jersey, Guersey e Isla de Man, no Reino Unido; Liechtenstein, Mônaco, San Marino, Malta e Luxemburgo na Europa; e ainda o Principado Catalão de Andorra e Gibraltar, território britânico localizado no extremo sul da Península Ibérica.

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