quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Ex-Ministra da STF Ellen Grace critica denuncismo irresponsável no combate à corrupção

Valor Econômico - Política - 16.08.2012 - A7
Corrupção em compras públicas é a que mais cresce

Por Rodrigo Pedroso
De São PauloEllen Gracie: "O cidadão também cede a práticas pouco republicanas, como furar a fila e estacionar sobre a calçada".

Ferramentas de controle de gastos, maior transparência por parte dos órgãos públicos e avanços no sistema político são áreas em que o Brasil mostrou algum tipo de desenvolvimento nos últimos anos, ajudando no combate à corrupção. Por outro lado, outra face do combate à corrupção depende de uma mudança do próprio cidadão que, no dia a dia, incorporou como normais atitudes de transgressão, como furar uma fila ou estacionar nas calçadas. Esses e outros debates marcaram, ontem, o seminário internacional "O Impacto da Corrupção sobre o Desenvolvimento", organizado pelo Valor e pelo instituto ETCO.

Com experiência no estudo de planos para diminuir índices de corrupção nos países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o diretor de governança pública e desenvolvimento da entidade, Rolf Alter, acredita que a maneira como a Justiça pune atualmente os casos de corrupção e as responsabilidades dos envolvidos em um ato ilícito deve ser mudada. "Aprendemos que ter um único instrumento de coação para lidar com a corrupção depois que ela ocorre não é suficiente. Ao invés de lutarmos para haver punição depois do ato, devemos atuar para prevenir que ela aconteça. Essa noção tem que ser incutida nos governantes", disse.

E uma forma de coibir isso, para o Banco Mundial, é o maior acesso a dados e transparência por parte do poder público. Otaviano Canuto, vice-presidente do banco, advoga que práticas de melhor governança devem ser demandadas pela sociedade civil como uma forma de aumentar o controle sobre os atores públicos.

O combate à corrupção, no entanto, "andou de lado" na última década. Canuto destacou um estudo do Banco Mundial entre 2005 e 2008 que mostrou avanços de alguns países e retrocessos de outros no combate à corrupção. Diminuiu o que foi chamado por ele de "corrupção menor", como gorjetas, presentes e artifícios dados pela iniciativa privada para acelerar a tomada de decisão por parte de um ente público.

Por outro lado, a corrupção ligada a compras públicas - que lida com uma quantia maior de dinheiro público e é mais centralizada - aumentou na mesma amostragem de países. "Os casos de sucesso aconteceram nos países que fizeram uma reforma específica e pragmática, utilizaram de monitoramento e métrica para avaliar o desempenho público, e criaram capacidade de gestão pública local", disse Canuto.

Esse tipo de controle a partir da divulgação maior de dados vem avançando no Brasil desde o início da década passada, na opinião do ministro chefe da Controladoria Geral da União (CGU), Jorge Hage Sobrinho. O portal da transparência, da Controladoria, recebeu 285 mil visitas ao longo de 2005. Em 2012, até junho, o site havia registrado 2,8 milhões de acessos, impulsionado também pela Lei de Acesso à Informação, em vigor desde maio.

"Quem usava o portal antes era um público específico, como o pesquisador, o jornalista e o funcionário público. Agora, seguramente, o cidadão brasileiro está utilizando", disse o ministro.

Os dados e o maior número de denúncias por parte da imprensa, da Polícia Federal e do ministério Público Federal nos últimos anos mostram que o país está detectando, reconhecendo e divulgando mais casos de corrupção, segundo Hage. No entanto, são necessárias "alterações radicais na legislação processual brasileira para que a corrupção e a improbidade sejam efetivamente punidas. Se for aprovada a Proposta de Emenda Orçamentária (PEC) 15, que retira os efeitos suspensivos dos recursos contra casos suspeitos, daremos salto gigantesco", afirmou.

Ex-ministra do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie Northfleet observou que apesar dos avanços, há uma cultura em relação à corrupção que precisa se mudada. "Somos indignados, mas permanecemos de braços cruzados. Muitas vezes fazemos ataques sérios a instituições sem comprovar aquilo que se fala. Me preocupa esse denuncismo irresponsável."

A dissociação entre o julgamento do homem público pelo cidadão e sua prática cotidiana é um dos fatores que precisa ser mudado. "O mesmo homem que se enfurece com determinados comportamentos de pessoas da área pública também se dá ao luxo de uma série de práticas que não são exatamente republicanas, como furar a fila, estacionar sobre a calçada. Ele, mesmo inconscientemente, fere à regra de direito individual."

O patrimonialismo que persiste na sociedade brasileira, na visão de Ellen Gracie, é uma das práticas sociais que fomentam a transgressão do interesse público pelo privado. O caminho a ser seguido para um combate real à corrupção, disse, é o de reforma de instituições e mudança de cultura, e não o de denunciar e julgar qualquer caso sem provas.

"Esse sentimento de aristocratismo na sociedade brasileira, de que a lei não se aplica para alguns, que precisamos trabalhar para termos uma sociedade mais democrática. Os prejuízos da corrupção só serão diminuídos quando aumentarmos a consciência democrática da sociedade. Quando tivermos a noção de que todos se submetem à lei, que ela é igual a todos, poderemos mudar isso", disse Ellen Gracie.

Mesmo com a adoção de ferramentas de controle e observação do que é público, o país não caminhou no combate à corrupção, de acordo com o professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, Demétrio Magnoli. "É uma visão otimista dizer que estamos avançando. Seria dizer que o povo, que não acha isso, é burro." O professor classificou a corrupção no país como "estrutural e endêmica".

O presidencialismo de coalizão, em que o governante fornece cargos públicos para obter maioria no Congresso, é um exemplo desse sistema citado por Magnoli. "Os partidos são criados para ganhar cargos e não como entidades representativas de uma parcela da população e isso é aceito por todas as legendas, não importa se estão dentro ou fora do governo", afirmou.

Outro elemento que leva a esse caráter endêmico, na opinião de Magnoli, é a distribuição de cargos de confiança. Nas três esferas, segundo ele, os postos públicos que são preenchidos por nomeações da coalizão política que está no poder chega a 600 mil. "Só no governo federal são 24 mil. Esse sistema criado pela elite política impediu a constituição uma burocracia de Estado moderna. Isso é uma diferença estrutural entre a nossa democracia e a de economias mais desenvolvidas."

A professora e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Rita de Cássia Biason, disse que a adoção da urna eletrônica no Brasil, a partir de 1996, deu uma grande contribuição para a diminuição de fraude nas eleições.

"De 1986 até 1996 vamos encontrar inúmeros casos de denúncia de fraude eleitoral, como compra de votos e validação de votos em branco. Em 1986 houve tantas denúncias de fraudes de eleições para prefeitos que o Ulysses Guimarães solicitou o adiamento do pleito. A compra de votos aparece tão intensamente em 1990 que as eleições de Maceió tiveram 40 mil votos anulados. Depois da urna eletrônica não tem mais isso", afirmou.

Nenhum comentário:


Registre as histórias, fatos relevantes, curiosidade sobre Paulo Amaral: rasj@rio.com.br. Aproveite para conhecê-lo melhor em http://www2.uol.com.br/bestcars/colunas3/b277b.htm

Eis o veículo (Motorella) que tenho utilizado para andar na ciclovia da Lagoa e ir ao trabalho sem suar