No dia 09.02 último postei uma matéria sobre o sumiço de marcas famosas. Agora o jornal Valor Econômico trata specificamente do esmaecimento da marca Kodak. Confiram.
Valor – Empresas
24/02/2012 – B1
Imagem
da Kodak esmaece no país
Por
Bruna Cortez | De
São Paulo
O comerciante
José Carlos Bueno nunca passou perto de Rochester, a cidade do Estado de Nova
York que há mais de cem anos abriga a sede da Kodak. Apesar disso, o terremoto
digital que há anos começou a sacudir a maior companhia mundial de fotografia
também afetou seu negócio - uma loja de produtos e serviços fotográficos
localizada em uma rua de comércio tradicional no bairro de Pirituba, na zona
oeste de São Paulo.
Aberta há 16
anos, quando a câmera analógica e os filmes fotográficos reinavam, a loja de
"seu" Bueno - como ele é conhecido no bairro - ainda se concentra na fotografia,
mas muitas prateleiras estão tomadas por óculos e celulares. A revelação de
filmes tornou-se uma sombra do passado. O volume de serviço, que chegou a 500
rolos por dia, hoje não passa de 10. Apesar disso, o logotipo da Kodak continua
estampado na fachada do estabelecimento, como um símbolo dos tempos áureos. "A
marca ainda tem peso e as pessoas a associam à fotografia de qualidade", diz o
comerciante.
Há quatro anos
Bueno deixou de ter um relacionamento comercial direto com a Kodak. Por
contrato, a loja deveria vender apenas produtos da marca. Em contrapartida, a
companhia americana estava obrigada a enviar, com frequência, representantes
comerciais e de tecnologia. As duas coisas deixaram de
acontecer.
O caso é um
indicador do grau de abatimento da Kodak no mercado brasileiro, reflexo da crise
global enfrentada pela companhia. No Brasil desde 1920, a Kodak transformou o país em
uma base de operações relevante, com a produção local de papel fotográfico e
câmeras. Hoje, sobrou pouca coisa da força de
outrora.
Procurada pelo
Valor, a assessoria da Kodak no Brasil pediu que a solicitação fosse encaminhada
à agência de relações públicas da companhia nos Estados Unidos, que não
respondeu aos pedidos de entrevista.
Em São José dos
Campos (SP), a Kodak usa apenas dois dos 24 prédios que ocupam uma área de mais
de 800 mil metros quadrados e anteriormente eram exclusividade da companhia.
Nesses edifícios estão concentrados o estoque e a equipe administrativa. As
demais instalações foram transformadas em um centro empresarial, alugado pela
Kodak a outros condôminos. O número de empregados no município, diz um
funcionário que prefere não se identificar, não ultrapassa 40 pessoas. Quando
ocupava todo o complexo, a companhia chegou a ter 500 funcionários no
local.
A fábrica de São
José dos Campos, na qual a Kodak produzia papel fotográfico e produtos químicos,
foi fechada em 2005. Uma parte da equipe foi transferida para Manaus, onde a
companhia já tinha uma unidade para corte e embalagem de papel fotográfico, além
de linhas destinadas a microfilmes e papel térmico.
Essas atividades
prosseguem em Manaus, mas a força de trabalho passou por uma redução
significativa. Quando inaugurou a fábrica, em 1988, trabalhavam na unidade 350
pessoas, segundo dados da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa).
Hoje, restam 54, conforme apurou o Valor. A unidade,
construída em uma área de seis mil metros quadrados, teve um investimento
inicial de US$ 132,5 milhões, de acordo com informações da
Suframa.
Em
2006, a
Kodak começou a montar câmeras digitais em Manaus para reduzir o preço do
produto. Na época, o Brasil era o único país do mundo, à exceção da China, a
contar com uma operação da Kodak desse tipo. A experiência mostrou-se
bem-sucedida, informou a Kodak na época. A projeção de vendas feita para cinco
meses foi cumprida na metade do tempo, o que levou a empresa a obter permissão
da matriz para iniciar a montagem de outro modelo. Mais tarde, a Kodak também
iniciou uma operação na Argentina.
Desde o início,
a produção de câmeras da Kodak no Brasil foi feita sob regime de produção
terceirizada. A companhia contratada foi a americana Jabil, especializada em
manufatura sob encomenda.
Agora, é difícil
saber como está a produção. No início do mês, a Kodak decidiu abandonar
globalmente a montagem de câmeras e filmadoras. Com a decisão, a expectativa é
que o contrato com a Jabil, que também produz equipamentos para Fuji e Nikon no
Brasil, seja encerrado.
Segundo o
Valor apurou, a produção
da Kodak já havia diminuído no início do ano, antes mesmo do anúncio
internacional. À época, uma pessoa próxima à companhia afirmou que a queda no
ritmo de produção era um ajuste natural relativo ao primeiro trimestre e que a
expectativa era de retomada. Procurada, a Jabil não quis conceder entrevista
sobre o assunto.
Com o fim da
produção de câmeras e o enfraquecimento das demais operações industriais no
Brasil, um dos poucos pontos fortes que restavam para a companhia no país era a
rede de lojas Kodak Express, que servia de elo com o
consumidor.
Em meados da
década passada, atordoados pela onda digital, as empresas tradicionais de
fotografia viram nas redes especializadas a oportunidade para disseminar os
"minilabs". Acreditava-se que parte dos negócios migraria para esses quiosques
de autoatendimento. O cliente entraria na loja com o cartão de memória de sua
câmera e, sozinho, poderia escolher e imprimir suas fotos favoritas. O cenário
não se confirmou. Com o advento das redes sociais e o fenômeno dos celulares com
câmera, compartilhar imagens transformou-se em uma febre digital. Pouca gente
anima-se a levar as imagens para o papel.
No caso da
Kodak, ressentidos com o "sumiço" dos representantes comerciais, muitos lojistas
começaram a procurar outros fornecedores de tecnologia. "Passamos a comprar com
distribuidores e a usar produtos de outras empresas, como a Hewlett-Packard ",
afirma Akio Tony Miyasaka, dono de uma loja em Ribeirão Preto (SP). Segundo o
comerciante, as relações com a Kodak começaram a azedar quando a companhia
passou a fazer exigências de volume. "Já não compensava mais comprar com eles",
diz Miyasaka.
Em
2008, a
Kodak tinha mais de mil lojas Kodak Express no país. O número atual é
desconhecido e não se sabe quantas delas mantêm a marca na fachada, mesmo sem
relações comerciais com a empresa. Como "seu" Bueno, esse é o caso de Miyasaka.
Para adaptar-se à era digital, sua loja, estabelecida em 1949, mudou para um
espaço menor, mas continua a carregar tanto o sobrenome da família como a
logomarca da Kodak. Em um mundo marcado por transições profundas como o da
fotografia, ainda há lugar para relacionamentos antigos, mesmo aqueles que estão
por um fio. (Colaborou Virgínia Silveira, de São José dos
Campos)
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