segunda-feira, 25 de abril de 2011

Natureza jurídica do administrador judicial

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 04.04.2011 - E2

A natureza jurídica do administrador judicial
Ronald A. Sharp Junior e Fernanda de C. Antonello
04/04/2011


A figura do administrador judicial, criada pela Lei nº 11.101, (Lei de Recuperação Judicial e Falências - LRF), de 2005, veio a substituir os antigos síndico na falência e comissário da concordata, previstos no revogado Decreto-lei nº 7.661, de 1945. No direito italiano, recebe a denominação de curatore. No Brasil, tal como na França e na Bélgica, foi denominado inicialmente de síndico, termo que expressa justamente a pessoa incumbida de administrar bens alheios, designando tanto o síndico de condomínio quanto o síndico da falência.
A extrema importância do administrador judicial, tanto na falência quanto na recuperação, vem ressaltada pela doutrina. Rubens Requião, citando a doutrina francesa de Percerou e Desserteaux, leciona que o administrador judicial representa uma figura fundamental à administração da falência. "É o órgão essencial da falência, e ninguém, dentro do processo, tem um lugar comparável ao seu. Não há nada de exagero, acentuam esses autores, em dizer que é sobretudo de seu valor moral e profissional que depende, de fato, o sucesso da instituição", diz.
Há controvérsia na doutrina sobre a natureza jurídica do administrador judicial, especialmente no que concerne à afirmação de que ele se equipara a funcionário público para efeitos penais.
Carvalho de Mendonça sustenta ser um órgão da massa dos credores na sua unidade. Para Miranda Valverde, trata-se de um órgão ou agente auxiliar da Justiça, criado a bem do interesse público para a consecução da finalidade do processo de falência.
O conjunto de atribuições desempenhadas pelo administrador judicial é entendido pela doutrina ora como função, ora como cargo e ainda como múnus público. Na LRF, o legislador menciona função no parágrafo 1º do artigo 30 e cargo nos artigos 22, III "r", 30 e 33. Na legislação falimentar italiana, ele é considerado funcionário público no exercício de suas funções (artigo 30 do D. 267/1942).
Requião indica ser um cargo, do qual toma posse o administrador judicial após a nomeação. Não obstante, o eminente doutrinador destaca que o síndico "não é, entretanto, funcionário público, embora seja a este equiparado para os efeitos penais". Já Amador Paes de Almeida destaca que consiste numa função eminentemente pública.
O administrador pode ser equiparado a funcionário público para fins penais
Ricardo Negrão assevera que o administrador judicial exerce um múnus público, fazendo referência a trecho da obra de Nelson Abrão, em que afirma ser "um particular exercente de múnus público, com a consequente carga de responsabilidade na esfera penal". Múnus, em latim, significa encargo, dever, ônus, sendo um múnus público¸ decorrente de lei, exatamente como os encargos exercidos pelo perito judicial, depositário, testamenteiro, tutor e curador, assim referidos pelo Código de Processo Civil (CPC).
Com relação aos auxiliares da Justiça citados acima, observe-se que não há um consenso doutrinário sobre a inclusão daqueles que simplesmente exercem múnus/encargos públicos como equiparados a funcionários públicos. Damásio de Jesus enquadra o perito judicial como tal, mas não os tutores, curadores e o administrador judicial. Do mesmo modo, Delmanto entende que os peritos o são, mas não o administrador judicial.
Nesse sentido, juristas como Ulhoa Coelho, Requião e Santa Cruz Ramos sustentam que o administrador judicial se equipara a funcionário público para os efeitos penais, o que significa dizer que ele poderá figurar como sujeito ativo dos crimes previstos no Capítulo I do Título XI do Código Penal (CP).
O artigo 327 do código amplia o conceito de funcionário público, estabelecendo que são equiparados a funcionário público para os efeitos penais "quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública". Vê-se, a princípio, que para inserir o administrador judicial no alcance do referido dispositivo, seria necessário adotar as posições que defendem ser um cargo ou função pública, e não apenas múnus.
Para os que entendem ser o administrador judicial exercente apenas de um múnus público, como o procurador de Justiça fluminense e professor Ricardo Martins, seria essa a razão pela qual foi inserido no rol do parágrafo 1º do artigo 168 do CP, como causa de aumento de pena do crime de apropriação indébita, praticado por particular, não podendo praticar o crime de peculato do artigo 312 do código. Nessa linha, Heleno Fragoso destaca que a equiparação do artigo 327 não seria aplicável àqueles que se restringem ao exercício de um múnus público. Já na visão de Rogério Grecco, para os fins do referido artigo 168, "as figuras do síndico e do liquidatário foram abolidas, razão pela qual não mais poderão ser consideradas".
Especificamente quanto ao crime de apropriação indébita, diante do princípio da especialidade, aplicar-se-ia o artigo 173 da LRF (desvio, ocultação ou apropriação de bens), em detrimento do artigo 168 do CP, em consonância com a jurisprudência do STJ (RHC 19658/RS de 24/04/07).
Convém lembrar que o administrador não é mais escolhido obrigatoriamente entre os credores nem representa os interesses destes na falência ou na recuperação. Desse modo, é válido sustentar que, à exceção do crime de peculato, o administrador judicial seria, efetivamente, equiparado a funcionário público para fins penais, considerado o manifesto interesse público inerente ao processo falimentar e de recuperação. Assim, ele poderia figurar como sujeito ativo dos demais crimes aplicáveis ao funcionário público do CP, tais como concussão, prevaricação, advocacia administrativa e abandono de função.

Ronald A. Sharp Junior e Fernanda de Carvalho Antonello são, respectivamente, professor da pós-graduação da FGV-Rio, auditor fiscal do trabalho e ex- advogado do BNDES; e advogada

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