quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Arbitragem no estatuto social

Jornal Valor Econômico - Legislação & Tributos - 31.01.2011 - E2
Cláusula arbitral em estatuto social

Gustavo Tavares Borba

A Lei nº 10.303, de 2001, acrescentou um novo parágrafo ao artigo 109 da Lei nº 6.404 (Lei das Sociedades por Ações), de 1976, ficando, desde então, expressamente reconhecida na legislação pátria a possibilidade de inserção no estatuto social de cláusula compromissória prevendo que as divergências entre os sócios seriam solucionadas por meio de arbitragem.

Essa nova norma tem causado imensa celeuma no que se refere aos acionistas que não aprovaram a alteração estatutária, e que, portanto, não se consideram vinculados à cláusula compromissória arbitral inserida no estatuto.

A questão não é simples, uma vez que envolve o princípio constitucional da inafastabilidade do acesso ao Poder Judiciário (artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal), que é um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

Para que se possa bem analisar a questão, afigura-se imprescindível que se faça um breve retrospecto sobre a posição da jurisprudência sobre a constitucionalidade da cláusula compromissória arbitral.

A constitucionalidade da Lei nº 9.307 (Lei da Arbitragem), de 1996, foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no agravo regimental na sentença estrangeira nº 5.206 (relator ministro Sepúlveda Pertence, DJ 30/4/2004), no qual, por cinco votos a quatro, prevaleceu a posição defendida pelo ministro Nelson Jobim, que entendia constitucional a cláusula compromissória arbitral, posto que a própria lei, prestigiando o princípio da autonomia da vontade, permitiu que os contratantes livremente renunciassem à jurisdição estatal.

A instituição da cláusula depende de manifestação expressa das partes
O acórdão, contudo, foi expresso ao consignar que a cláusula compromissória seria constitucional em razão de que "a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato não ofende o artigo 5º, XXXV, da Constituição".

Dessa forma, ficou decidido que a instituição de cláusula compromissória arbitral dependeria de manifestação expressa dos interessados, sendo esse o pressuposto que fundamentou toda a argumentação no sentido da sua constitucionalidade.

Assim sendo, não seria cabível a imposição de cláusula arbitral estatutária em face de acionista que não concordou com a decisão assemblear que a inseriu no estatuto, uma vez que isso violaria o núcleo central do princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário.

Por essas razões, entendemos que a cláusula compromissória apenas vincularia aqueles que expressamente concordaram com a sua inserção no contrato social - aos dissidentes devem ser equiparados os acionistas ausentes e que se abstiveram de votar, uma vez que esse foi o critério adotado pela Lei das Sociedades por Ações para apurar a discordância (artigo 137, parágrafo 2º).

Mais difícil é a solução em relação aos acionistas que adquiriram as ações após a inserção da cláusula compromissória arbitral no estatuto. Nessa situação, poder-se-ia argumentar que, ao adquirir as ações, o novo acionista ingressou na sociedade já com aquela regra, de forma que haveria concordância tácita em relação à cláusula arbitral.

Contudo, o princípio da inafastabilidade é tão caro ao direito que a própria Lei de Arbitragem é expressa ao dispor que, nos contratos de adesão, a cláusula arbitral só teria validade se e quando o aderente assinasse um documento em separado ou em negrito manifestando expressa concordância (artigo 4º, parágrafo 2º).

Não se está com isso dizendo que a relação entre acionista e sociedade seria idêntica à que existe no contrato de adesão, mas apenas que também se encontra presente na formação do vínculo societário o caráter adesivo (AI nº 373.141.4/4-00 - 9ª CDP do TJ-SP), tanto que não é permitido ao acionista discutir as normas estatutárias quando da aquisição de ações.

Destarte, as mesmas razões que impuseram a manifestação inequívoca de aceitação da cláusula compromissória no contrato de adesão também estão presentes na relação estatutária, de forma que a cláusula estatutária arbitral não poderia ser obrigatória em relação aos acionistas que com ela não concordaram expressa e inequivocamente.

Assim, quanto aos novos acionistas, estes só estariam vinculados à cláusula estatutária compromissória arbitral quando assinassem um documento em separado manifestando expressa e específica concordância com a norma, uma vez que não poderia haver vinculação em virtude da simples compra de uma ação, considerando que o afastamento do acesso ao Judiciário exige concordância inequívoca.

Cumpre também observar que, naqueles casos em que existe litisconsórcio passivo necessário entre acionistas, a competência do Poder Judiciário sempre deverá prevalecer sobre a da arbitragem.

Por fim, saliente-se que a cláusula compromissória estatutária arbitral, quando inserida no estatuto social, não confere direito de recesso, pois as hipótese de direito de retirada da sociedade são "numerus clausus" (artigo 137 da Lei das Sociedades por Ações).

Do exposto, levando em conta o posicionamento do STF sobre a matéria, podemos concluir que a cláusula compromissória arbitral estatutária não vincula os acionistas que não concordaram com a sua inserção no estatuto, nem os novos acionistas que não assinarem termo expresso de anuência.

Gustavo Tavares Borba é mestre em direito comercial pela PUC-SP e procurador do Estado do Rio de Janeiro, atualmente exercendo suas funções na Junta Comercial do Rio de Janeiro (Jucerja)

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