quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Mercado de capitais no Brasil precisa crescer

Valor Econômico - Finanças - 29.10.2010 - C8

Recurso de longo prazo: Tamanho tem de chegar a 3,5% a 5% do PIB para financiar investimentos no país
Mercado de capitais precisa mais que dobrarGraziella Valenti e Fernando Torres | De São Paulo
29/10/2010

Gustavo Lourenção/Valor

Carlos Antonio Rocca, diretor do Cemec: esforço para consolidar dados constantemente e exercício para mostrar importância da expansão do captação das empresas no mercado local

É amplamente conhecido que o mercado de capitais brasileiro teve forte expansão nos últimos anos. Mas a participação dessa fonte no total de investimentos do país terá de ser bem maior se o Brasil quiser continuar crescendo em ritmo acelerado nos próximos anos. O Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec) fez, pela primeira vez, um exercício para tentar quantificar essa necessidade adicional e mostrar a importância do desenvolvimento contínuo nessa área. Segundo a pesquisa, o mercado de capitais terá de, no mínimo, dobrar sua participação na composição do investimento nos próximos quatro anos.

De 2004 a 2009, os recursos captados no mercado representavam, em média, 1,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Para que a economia mostre crescimento entre 4,5% e 5,5% de 2010 a 2013, esse percentual terá de subir para um intervalo entre 3,5% e 5,5%, mantida a participação histórica das demais fontes de financiamento ao investimento.

Em valores absolutos, isso significa que terá de contribuir com cerca de R$ 100 bilhões ao ano, num intervalo crescente (por conta da evolução do PIB), de R$ 84,2 bilhões a R$ 133,8 bilhões - considerando apenas o cenário mais conservador de expansão da economia (4,5% ao ano).



As demais fontes de financiamento seguirão sendo os recursos próprios de geração de caixa das empresas, que tem historicamente o maior peso no país, financiamento do BNDES, investimento estrangeiro direto, captações externas e repasses de FGTS e recursos da poupança para habitação.

"Não se trata de uma projeção, mas de um exercício para despertar atenção para a importância do tema", ressaltou Carlos Antonio Rocca, diretor do Cemec, composto pelas instituições de mercado Anbima, Cetip e BM&FBovespa, e pelos centros acadêmicos Ibmec e Fipecafi. O objetivo desse centro, criado em 2008, é consolidar dados nacionais e fazer levantamentos constantes para apontar as necessidades do mercado.

De acordo Carlos Antonio Rocca, diretor do Cemec, o mercado de emissão de dívidas é o que precisa de maior desenvolvimento. "Não há justificativas para discriminar o investimento estrangeiro em carteira (compra de ações e dívida) em relação ao investimento direto estrangeiro."

Para ele, é essencial avançar em três frentes: padronização dos títulos, tributação e liquidez. "Não temos que nos preocupar em achar o investidor que compre uma debênture e a carregue por 15 anos. O mercado secundário é que precisa atender à necessidade desse gestor de recursos."

A existência de liquidez resolveria o problema de o investidor exigir prêmios muito altos para emprestar recursos por prazos longos. "Com a Selic pagando 10,25% no curto prazo, quanto vão pedir de prêmio para emprestar por 15 anos?", argumenta Jorge Levy, sócio do escritório de advocacia Levy & Salomão, ressaltando que alguns bancos pequenos captam hoje por meio de CDBs protegidos pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC) pagando 14,5% em operações de três anos.

Para Rocca, trazer os recursos externos para o Brasil, além da poupança interna gerada, é a melhor forma de as empresas se financiarem, porque elas se mantêm afastadas do risco cambial.

Desde a maxidesvalorização do real, as companhias aprenderam a minimizar a exposição cambial. Em 2000, do estoque da dívida das companhias não financeiras - equivalente a 35,1% do PIB -, 20,3% eram de responsabilidades em moeda local e 14,8% em moeda estrangeira. Ao fim de 2009, quando o exigível financeiro representava 35,3% do PIB, a exposição ao câmbio estava substancialmente menor: 3,2%.

"Isso ajudou muito o Brasil a passar bem por essa crise", ressaltou Rocca, referindo-se à crise global agravada pela quebra do Lehman Brothers. "O movimento cambial é cíclico. Já vimos isso diversas vezes no passado." Por conta disso, ele não vê sentido em haver isenção de impostos para compra de títulos públicos e não haver para a aplicação nos papéis privados. "É uma competição desleal. É preciso equalizar essa situação."

Criado há dois anos, o Cemec estava em Brasília, em setembro, apresentando para um grupo de aproximadamente cem técnicos, representantes de diversas entidades, como Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Ministério da Fazenda, entre outros, o resultado da consolidação dos dados nesse período.

Em relação à questão regulatória ligada aos instrumentos de dívida, a advogada Eliana Chimenti, sócia do escritório Machado Meyer Sendacz Ópice, destaca a novidade trazida pela CVM, com a publicação da instrução 476, em janeiro de 2009, que regulamentou as ofertas públicas com esforços restritos. "No primeiro semestre do ano passado, tivemos R$ 8,1 bilhões em emissões de instrumentos de dívida. No segundo, o volume subiu a R$ 23,2 bilhões", afirmou Eliana, mencionando a regulamentação dessas ofertas. Nessas operações, dispensadas de registro na CVM - e que portanto saem mais rápido -, os títulos podem ser vendidos a, no máximo, 20 investidores.

Ao ser questionada sobre a competição entre o BNDES e o mercado de capitais como fornecedor de recursos, a advogada do Machado Meyer afirmou que as companhias veem no banco de fomento um parceiro importante. "Mas cada um deles cumpre o seu papel", afirma Eliana.

Já Jorge Levy, advogado do escritório Levy & Salomão, entende que o banco às vezes distorce as condições de mercado, oferecendo condições muito vantajosas. Para ele, o mercado de capitais está preparado para financiar uma boa parcela dos investimentos das empresas brasileiras, embora reconheça que ainda há dificuldade para emissão de dívidas de longo prazo.

Sobre o desenvolvimento do mercado nos últimos anos, Eliana Chimenti atribui a uma conjunção de fatores. "Os empresários começaram a ver o mercado como fonte atrativa de captação de recursos. E por outro lado tivemos grande avanço na governança corporativa das empresas, estimulada pela CVM e pela BM&FBovespa, o que também abriu a porta do mercado para os investidores estrangeiros."

A BM&FBovespa tem projetos para ampliar a liquidez dos títulos de renda fixa. Esse movimento começou em 2001, quando criou o Bovespa Fix e, dois anos depois, o Soma Fix, ambientes para negociação dos títulos de dívida.

Em seu primeiro ano, o Bovespa Fix movimentou R$ 41,7 milhões na negociação secundária de debêntures, com um total de 51 operações. Neste ano, até agora, já ocorreram 2,1 mil negócios com debêntures, somando R$ 136 milhões. Existem hoje 187 debêntures negociadas no Bovespa e no Soma Fix. Desde 2007, a BM&FBovespa possui uma diretoria focada no desenvolvimento desse mercado. O cargo está sob a responsabilidade de Sérgio Goldenstein.


Desafio é buscar eficiência de instrumentos, diz Giufrida
Angela Bittencourt | De São Paulo
29/10/2010

Aumentar a eficiência do mercado de capitais como financiador de investimentos da economia real é o objetivo do setor financeiro que vem conversando com o governo Lula e pretende prosseguir o diálogo com o futuro governo, que começa a ser definido no domingo, com o 2 ºturno das eleições.

"O objetivo da agenda em discussão é aumentar a participação do mercado de capitais no desenvolvimento do país. Consideramos que nosso papel é ajudar a elevar a taxa de investimento da economia", afirma Marcelo Giufrida, presidente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). "A percepção dos nossos associados e do próprio governo é que o mercado de capitais é muito eficiente para mobilizar poupança. Hoje, já são R$ 2 trilhões, somado o dinheiro dos fundos de investimentos, dos fundos de pensão, das seguradoras, dos clientes private e dos investimentos estrangeiros."

Giufrida explica que o setor tem sugestões para aumentar a eficiência dos mercados. "Um grupo que já vinha discutindo alongamento de prazos trabalhou em novas propostas, algumas oriundas inclusive da evolução de fusões da BM&F e Bovespa, Anbid e Andima e do processo de desmutualização da Cetip. Acreditamos que há espaço para melhorar a formação de preços dos ativos, plataformas eletrônicas, padronização de operações e avanços na tributação. A experiência de outros países confirma que um grau maior de informação sobre os ativos leva a um aumento no volume de negócios."

O setor defende a discussão de mecanismos que viabilizem, por exemplo, a formação de "estoques" de títulos de renda fixa e por tabela um mercado de aluguel de títulos de forma a garantir liquidez para todas as modalidades de papéis de renda fixa. Pela estrutura atual das operações, a liquidez dos ativos depende da disponibilidade de compradores e vendedores sintonizados ao mesmo tempo e na mesma modalidade de ativo. "Imaginamos que medidas desse tipo levam ao alongamento de prazos das operações. Mas é evidente que alongamento de prazo de título privado também vem com o alongamento de prazo da dívida pública. E isso ocorre com a queda dos juros", comenta o presidente da Anbima, que reforça a intenção do setor de ampliar a posição do mercado de capitais como instrumento para financiar o desenvolvimento econômico do país.

Mas existem entraves. Entre as grandes questões que emperram uma evolução mais rápida do mercado de capitais está a taxa de juro brasileira. "Todo mundo sabe que o juro no Brasil é alto e cria distorções. Isso não é crítica. É constatação. O juro alto leva ao encurtamento de prazos, dá prioridade à renda fixa e faz com que as pessoas valorizem demais a liquidez. Enfrentar tudo isso é um tremendo desafio. E é preciso também olhar a dinâmica. A taxa de juros nunca esteve tão baixa nos últimos vinte anos e chegou-se até aí por um acúmulo de acertos como controle da inflação, saneamento das finanças públicas, sistema bancário revigorado e mais sólido e a própria vinda dos investidores estrangeiros que impôs novas práticas operacionais. Estamos vislumbrando continuidade. Mas ainda estamos num território hostil para o mercado de capitais que é a convivência com juros altos", avalia.

O câmbio também é uma questão problemática no momento. "Estamos no meio de uma tentativa de administrar a ampla liquidez que transborda dos Estados Unidos e de outras partes do mundo; a convivência de regimes cambiais muito diferentes; e um aumento de tensão com efeitos colaterais danosos para o mercado de capitais no Brasil, como a introdução do IOF sobre aplicações de estrangeiros e mudanças frequentes de regras. Entendo a necessidade de o governo agir. Ninguém acha que o governo deve ficar de braços cruzados. Mas o mercado de capitais tem sido atingido pela escolha das ferramentas pelo governo e os efeitos são negativos", comenta o presidente da Anbima, que considera a compra de reservas pelo Banco Central uma ação menos danosa para o mercado. Ele reconhece que acumular reservas custa caro, mas desde que se considere que o dólar nunca mais vai subir. "Na prática não é assim."

Marcelo Giufrida afirma que não está havendo fuga de dólares do Brasil, mas considera necessário frisar que o país não está em guerra com os investidores estrangeiros. "Temos um ambiente internacional muito favorável ao ingresso de capitais e o Brasil tem déficit em conta corrente a ser financiado. O Brasil tem tido a possibilidade de fazer uma política seletiva do que deseja dos investidores. Mas, quando se faz a seleção, não sei até que ponto é possível sincronizar as necessidades do país com as mudanças de humor que vemos lá fora. Até mesmo a seletividade pode ser vista como uma espécie de rejeição."

O presidente da Anbima alerta que as mudanças de regras podem causar outros efeitos além do desejado pelas autoridades. Ele explica que as mudanças são técnicas e exigem um nível elevado de entendimento dos investidores estrangeiros.

"As mudanças geram também uma parada e afastam alguns investidores até por questões operacionais. E, geralmente, os agentes que estão mais preparados para administrar essas mudanças de regras são os que têm horizonte de investimento mais curto", pondera Giufrida.

"Os investidores de longo prazo, que temos interesse em reter e atrair, têm dificuldade maior de compreensão ou de adaptação. É preciso lembrar da complexidade que é tratar com investidores globais de longo prazo, como fundos soberanos e grandes fundos de pensão, que têm investimentos em vários países. Cada vez que se cria novas regras, o custo de entendimento e o trabalho é grande. É fato que o Brasil está muito atraente, mas é fato que não é o único país atraente", completa.

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