quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Bolsa de valores social da economia do altruismo

Valor Econômico - EU & Livros - 24.08.2010 - D10

Bolsa de valores para o terceiro setor, um caminho novo

Por Edson Pinto de Almeida, para o Valor, de São Paulo
24/08/2010

"Economia Civil - Eficiência, Equidade, Felicidade Pública"

Claudio Belli/Valor

Zamagni: "É possível maximizar a utilidade de alguma coisa sem depender de outro, mas é impossível ser feliz sozinho"

Luigino Bruni e Stefano Zamagni. Tradução de Durval Cordas. Cidade Nova. 287 páginas, R$ 59,00

Uma bolsa de valores dedicada exclusivamente ao terceiro setor. A expectativa de que essa proposta seja concretizada em 2011, caso tenha aprovação do Banco Central italiano, é de um de seus idealizadores, Stefano Zamagni, professor de economia da Universidade de Bolonha. Ele é autor de vários livros e pregador incansável da "economia do altruísmo", ou "economia civil", como diz o título de sua obra mais recente, em parceria com o professor Luigino Bruni, da Universidade de Milão. Para o lançamento no Brasil, Zamagni fez uma palestra sobre o tema na Bienal do Livro, onde falou com exclusividade para o Valor.

A bolsa social, segundo Zamagni, não terá finalidade especulativa, mas servirá como fonte de recursos para organizações sociais, cooperativas e associações. Essas entidades do terceiro setor, que precisam de capital para seu desenvolvimento, pagariam no máximo 5% de dividendos ao ano. "O lucro deverá ser reinvestido exclusivamente em atividades com fins sociais."

Abrir espaço para novas formas de equacionamento financeiro é mais um passo dessa corrente de pensamento que pretende "humanizar" o mercado. Suas origens remontam ao Quatrocentto italiano, com as organizações econômicas do início do Renascimento. A intenção é ganhar visibilidade e encontrar eco num momento de crise do atual modelo econômico.

Como explica Ricardo Abramovay, professor de economia da FEA-USP, no prefácio do livro, "a economia civil se insurge contra o mito de que a esfera dos interesses econômicos pouco tem a ver com a do civismo, da qualidade dos vínculos sociais entre os cidadãos". Zamagni aponta a escola neoclássica como principal responsável por essa separação, pois consolida a visão utilitarista do economista inglês Jeremy Bentham (1748-1832). A doutrina do utilitarismo vê a conduta humana movida apenas pelo egoísmo e pela busca da felicidade. Zamagni faz distinção entre felicidade, como virtude social, porque é algo subjetivo e depende do relacionamento com outras pessoas, da visão utilitarista - no sentido de vantagem ou prazer de possuir alguma coisa. "É possível maximizar a utilidade de alguma coisa sem depender de outro, mas é impossível ser feliz sozinho."

Para Zamagni, houve um movimento reducionista, que empobreceu a economia contemporânea. "Nos últimos 30 anos, a autossuficiência da economia foi marcada pela globalização e pela terceira revolução industrial. A filosofia do individualismo destruiu a economia civil. Os economistas passaram a pensar que a ciência econômica e a ética são coisas excludentes."

Zamagni mostra em seu livro que é preciso haver uma nova convergência da economia no âmbito das ciências sociais. A economia civil, explica, é uma alternativa, "não uma terceira via", ao neoliberalismo e ao socialismo. E pretende romper com a visão polarizada que existe hoje em relação ao mercado. Segundo ele, de um lado estão os que afirmam que o mercado gera riquezas, atua pelo bem comum e representa a sociedade civil. Qualquer interferência é danosa. De outro, estão os que enxergam no mercado um local de exploração de domínio do mais fraco pelo mais forte. A economia civil de Zamagni e Bruni acabaria - é a proposta deles - com o dualismo entre o equilíbrio mágico da eficiência do mercado e a ação reparadora do Estado para redistribuir a riqueza. "As recentes crises financeiras mostraram os limites da autossuficiência do mercado."

Sua visão é crítica em relação aos dois pólos de pensamento. "A economia de mercado do neoliberalismo não é liberal, porque afirma somente um tipo de empresa." Daí, a necessidade de criação da bolsa social como mecanismo de inclusão das empresas do terceiro setor. Sobre a outra ponta, Zamagni afirma que Marx nunca foi entendido pelos marxistas, nem pregou a revolução. "Quem a fez foi Lenin. Marx via o socialismo como uma evolução posterior da fase de acumulação do capital." O economista italiano desenha um triângulo para explicar que Estado, mercado e sociedade civil devem agir de forma integrada. "São instâncias que interagem. O Estado precisa ser forte em alguns momentos e, em outros, deve retirar-se, para que a sociedade civil se desenvolva." Zamagni defende a aplicação do princípio da subsidiariedade, como na União Europeia, segundo o qual, a instância mais alta (Estado) não deve fazer o que a instância local (comunidade) pode fazer.

A economia civil inclui as empresas do terceiro setor na vida econômica e não as vê como uma atividade paralela. O que o livro de Zamagni e Bruni propõe é quebrar a lógica dos dois tempos: antes, as empresas produzem; depois o Estado cuida do social. "É preciso agir também no momento da produção da riqueza. Nas condições atuais, atuar apenas na redistribuição é demasiado tarde. Por conseguinte, o que se exige da empresa é tornar-se 'social' na normalidade de sua atividade econômica." Em outras palavras, trazer valores éticos para o desenvolvimento sustentável é mais do que uma estratégia de marketing. "É preciso resgatar o sentido de fraternidade da Revolução Francesa, que foi abandonado, e entender que o capitalismo não vai conseguir oferecer emprego para todo mundo e tampouco trazer reconhecimento pessoal e reduzir as desigualdades", diz Zamagni.

A economia civil advoga mais tempo livre para se alcançar a felicidade. A organização atual da sociedade, segundo Zamagni, insiste em reduzir o tempo livre, "por ver no consumo a atividade econômica por excelência". Esquece, assim, a satisfação encontrada em atividades compartilhadas com outras pessoas. Valendo-se do pensamento de Aristóteles, Zamagni entende que a riqueza em si não produz mais felicidade, a não ser que seja um meio para se alcançar uma finalidade útil. A sociedade de consumo, de acordo com estudos apresentados no livro, faz da busca pela felicidade uma corrida na esteira rolante. Quanto mais ricos ficamos, mais exigimos e ocupamos tempo para ter mais, abrindo mão da saúde e da família. Em resumo: corremos cada vez mais rápido para não sairmos do mesmo lugar.

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