sexta-feira, 5 de março de 2010

Prossegue a audiência pública no STF sobre o sistema de cotas

Jornal do Commercio - Direito & Justiça - 05.03.2010 - B-8

05/03/2010

Expositores apontam desvirtuamento de cotas


DA REDAÇÃO

No segundo dia da audiência pública sobre políticas afirmativas para a reserva de vagas no ensino superior, na quinta-feira, no Supremo Tribunal Federal (STF), expositores apontaram o desvirtuamento das chamadas cotas e negaram que a dificuldade do acesso dos negros às universidades esteja ligada a fatores genéticos.

A representante do Movimento contra o Desvirtuamento do Espírito da Reserva de Cotas Sociais, Wanda Marisa Gomes Siqueira, defendeu ações afirmativas, mas condenou a forma como as cotas vêm sendo adotadas em algumas instituições. Ela faz a defesa de 100 estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que se sentiram prejudicados pelo Programa de Ações Afirmativas adotado na instituição.

"Meus clientes dariam suas vagas pelos pobres. Eles se indignam é por serem privados por conta de jovens que frequentaram as melhores escolas e que estão na universidade não pelo mérito, mas pelo desvio de poder", disse, ao se referir a estudantes negros com alto poder aquisitivo. "A universidade brasileira tem que ser repensada, não pode querer engessar o Judiciário ao dizer que tem autonomia universitária. Autonomia tem limite", completou.

Para o antropólogo George de Cerqueira Leite Zarur, professor da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, as políticas de ações afirmativas a serem adotadas no País devem ser de origem social e não racial. "Se negros e pardos são maioria entre os pobres, serão os maiores beneficiários de políticas de combate à pobreza", afirmou.

Ele citou casos de pessoas pardas, por exemplo, caracterizadas como mestiças, mas que se "transformam à força" em negros na tentativa de se beneficiarem do sistema de cotas raciais. "Esta corte não julga apenas sistema de cotas, mas a racialização", disse.

O médico geneticista Sérgio Danilo Junho Pena destacou, durante a audiência, que, do ponto de vista científico, raças humanas não existem - há apenas variações de pigmentação da pele. Pena dirige um grupo de pesquisas genéticas sobre origem e estrutura da população brasileira. Ele apresentou diversas pesquisas realizadas pelo grupo e uma delas tentou elaborar um mapa genético do povo brasileiro.

A pesquisa levou em conta a ancestralidade do povo brasileiro que poderia ser dividida em europeus, ameríndios e africanos. O estudo considerou 934 brasileiros das cinco regiões do País, com o objetivo de determinar de onde viemos, quem somos e como isso influencia.

A conclusão foi de que quase todos os brasileiros têm as três raízes ancestrais presentes no seu genoma, considerada a mistura ocasionada pela vinda de europeus e africanos, que se misturaram com os índios. Dados do próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), segundo ele, mostram que o perfil de ancestralidade é extremamente similar entre os brasileiros considerados brancos, pardos e pretos.

"São coisas diferentes e que não devem ser confundidas em nenhum tipo de discurso", ressaltou. Ele lembrou ainda que a cor da pele não está associada a níveis de capacidade intelectual. "Não se justifica uma divisão em grupos pela cor de pele para tratamento diferencial."

A antropóloga Eunice Ribeiro Durham admitiu que, para qualquer um que condene o racismo, é difícil se opor às ações afirmativas, mas avaliou que as cotas raciais representam discriminação, pelo uso de critérios considerados por ela como "irrelevantes", como a cor da pele e o tipo de cabelo. "Mesmo que seja para o bem, as cotas raciais têm um pecado de origem, que é estabelecer categoriais artificiais por meio de categorias raciais. A solução brasileira para o racismo só pode passar pela valorização da mestiçagem", defendeu.



DISCRIMINAÇÃO. O segundo dia de debates também foi marcado por manifestações a favor das cotas. Representante do Centro de Estudos Africanos da Universidade de São Paulo (USP), Kabengele Munanga participou da audiência pública sobre políticas de acesso ao ensino superior, promovida pelo Supremo. Africano residente no Brasil há 35 anos, o doutor em antropologia social considerou "gritante" o quadro de discriminação no País, se comparado com outras nações que conviveram com o racismo, como os Estados Unidos e a África do Sul. "Os dados mostram que, às vésperas do fim do Apartheid, a África do Sul tinha mais negros com diploma de nível superior do que no Brasil de hoje", observou.

Para ele, "algo está errado no País da democracia racial, que precisa ser corrigido", e que pode ser alcançado, ou amenizado, por meio da adoção de programas de ação afirmativa.

Munanga lembrou que nos últimos oito anos, a começar pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde a política de cotas foi aprovada em 2001, dezenas de universidades públicas federais e estaduais passaram a adotar o sistema, contrariando, segundo ele, "todas as previsões escatológicas dos que pensam que provocaria o racismo ao contrário e, consequentemente, uma guerra racial". (Com agências)

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