segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Lavagem de dinheiro

Valor Econômico Finanças - 09.11.09 - C3

Sem condenação: País passou por avaliação de grupo internacional de combate na semana passada
Brasil ainda não pune crime de lavagem


Cristine Prestes, de São Paulo
09/11/2009
Consta quadro estastístico

Representantes do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI) concluíram na sexta-feira uma série de entrevistas com autoridades brasileiras feitas para compor um relatório de avaliação do combate ao crime no Brasil. Ainda que o país tenha avançado em relação a 2003, quando foi feita a última avaliação, um dos principais problemas a serem apontados deverá ser a ausência de punição para a prática de lavagem.

A equipe do GAFI, órgão que reúne 34 países comprometidos com o combate à lavagem de dinheiro, é composta por especialistas da Alemanha, Estados Unidos, Argentina, México e Portugal. Instalado na sede do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), o grupo iniciou no dia 27 de outubro entrevistas com autoridades envolvidas no combate à lavagem - como juízes federais das varas especializadas, policiais federais, representantes de órgãos como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Superintendência de Seguros Privados (Susep) e de bancos oficiais e privados, como Itaú, Bradesco e HSBC.


De acordo com o presidente do Coaf, Antônio Gustavo Rodrigues, a nova metodologia de avaliação dos países passou a incluir entrevistas para identificar a efetividade das medidas de combate adotadas. Até então, esse trabalho era feito apenas a partir de questionários respondidos pelas autoridades e pela análise das leis e normas existentes. "A metodologia anterior era mais formalista", diz. Rodrigues acredita que o relatório do GAFI apontará avanços no combate à lavagem de dinheiro no Brasil - como a maior regulação de setores visados pelas organizações criminosas -, mas fará também sugestões para a melhoria de alguns itens. Um dos problemas identificados deverá ser a falta de punição por crime de lavagem no Brasil. "Esse é o ponto mais gritante, que não se restringe apenas à lavagem, mas à Justiça como um todo", afirma Rodrigues, argumentando que "nem réu confesso é preso no Brasil".

A primeira instância da Justiça Federal vem aumentando, ao longo dos anos, o número de sentenças proferidas nas varas especializadas em lavagem de dinheiro - são 22 no país. Em 2006 foram 14 condenações, número que passou para 30 em 2007 e para 42 no ano passado, ainda sem os dados de seis varas criminais (veja quadro ao lado). O problema, segundo juízes, é que essa tendência não é seguida pela segunda instância e pelos tribunais superiores: são raros os casos de lavagem de dinheiro julgados de forma definitiva no país. "Há um tratamento leniente das nossas cortes em relação ao crime do colarinho branco", diz o juiz Sérgio Moro, titular da 2ª Vara Criminal da Justiça Federal do Paraná, em Curitiba, especializada em crimes de lavagem de dinheiro. "E isso tem um impacto evidente no combate à lavagem."

Responsável pelo julgamento de vários processos decorrentes das denúncias feitas pelo Ministério Público Federal em torno do esquema de evasão de divisas por meio das contas CC5 do Banestado a partir de 2003, Sérgio Moro contabiliza várias sentenças condenatórias na primeira instância - mas apenas dois doleiros foram condenados de forma definitiva. As denúncias começaram em 2003 e em 2012 alguns dos processos prescrevem, quando os réus não poderão mais ser punidos. "E, em geral, os acusados respondem em liberdade, a não ser nos casos mais graves, como tráfico de drogas", diz.

De acordo com Moro, a quase ausência de condenações definitivas por lavagem de dinheiro é provocada pelo excesso de recursos possíveis, previstos no Código de Processo Penal. "A ação penal tem que proteger também os direitos da sociedade, e não apenas o direito dos acusados", afirma.

As entrevistas feitas pelo grupo de especialistas vão compor uma minuta de avaliação que será apresentada e votada em plenário em uma reunião do GAFI em junho do ano que vem. A última avaliação, feita em 2003 e apresentada em 2004, aprovou a estratégia de combate à lavagem de dinheiro no Brasil.

Valor Econômico - Finanças - 09.11.09 - C3

Lacunas na lei podem "rebaixar" nota do país


De São Paulo
09/11/2009

Davilym Dourado/Valor

O juiz Fausto De Sanctis: punição penal da empresa não foi regulamentada
A morosidade da Justiça causada pelo excesso de recursos não é único entrave para o combate à lavagem de dinheiro no país. Duas lacunas na legislação brasileira, que dificultam a punição desse tipo de crime, podem contribuir para "rebaixar" a nota do Brasil a ser dada pelo Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI).

De acordo com o presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Antônio Gustavo Rodrigues, a impossibilidade de punir empresas - e não apenas seus representantes - é uma das falhas da legislação brasileira no combate à lavagem. A ausência é o tema do livro "Responsabilidade Penal das Corporações", recém-lançado pelo juiz Fausto Martin De Sanctis, titular da 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo e que atua em alguns dos processos mais importantes que envolvem o meio corporativo gerados por investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal nos últimos anos.

De acordo com De Sanctis, no Brasil há previsão de criminalização de pessoas jurídicas em dois casos: crimes contra o meio ambiente e crimes econômico-financeiros e contra a economia popular. Este último, no entanto, apesar de previsto na Constituição de 1988, nunca chegou a ser regulamentado - ao contrário do que ocorre em outros países, como Estados Unidos, França e Inglaterra.

Um dos argumentos apontados pelo juiz é o princípio da igualdade entre a pessoa física e a pessoa jurídica - o dirigente da empresa pode ser punido por um crime que cometeu em favor da empresa, mas esta não sofre qualquer tipo de sanção na esfera penal. Segundo De Sanctis, a punição penal das empresas, sem prejuízo da punição de seus dirigentes, pode ocorrer na forma de suspensão temporária de atividades, intervenção na sociedade, penas de prestação de serviços e até mesmo dissolução da sociedade.

A segunda lacuna da legislação brasileira no que se refere à lavagem de dinheiro é a criminalização do financiamento do terrorismo. Segundo Antônio Gustavo Rodrigues, apesar de o Brasil ser signatário da Convenção Internacional para Supressão do Financiamento do Terrorismo da Organização das Nações Unidas (ONU), até hoje não aprovou uma lei que preveja como delito o fato de uma pessoa destinar ou receber recursos que sejam usados em atos de terrorismo.

Ele afirma que o fato de, no Brasil, não haver ações terroristas não significa que não há financiamento do terrorismo, "que pode ser meio de dinheiro lícito ou ilícito". E conta o caso de uma pessoa que vivia no Brasil e que, por intermédio de negócios que mantinha em um país vizinho, enviou dinheiro para uma organização criminosa que praticava atos de terrorismo listada pela ONU. Segundo Rodrigues, já foi elaborado um anteprojeto de lei para criar o novo tipo penal, que não avançou. A saída foi a inclusão de um dispositivo no projeto que altera a Lei de Lavagem de Dinheiro, em tramitação na Câmara dos Deputados. (Cristine Prestes e Cristiane Perini Lucchesi)






Valor Econômico - 30.11.09

Justiça: Governo identifica setores mais procurados por criminosos
Combate à lavagem de dinheiro será intensificado


Juliano Basile, de Brasília
30/11/2009

A pecuária, a venda de combustíveis, o futebol, as operações cambiais para exportação e importação e as compras públicas foram identificadas como os setores da economia mais procurados por organizações criminosas para a lavagem de dinheiro. Segundo relatórios do governo a que o Valor teve acesso, todas essas atividades deverão passar por restrições nos próximos meses.

A escolha desses setores ocorreu no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), que reúne mais de 70 órgãos públicos com o objetivo de definir ações para evitar a ocultação de dinheiro obtido por meio de atividades ilícitas. Inicialmente, os órgãos do governo procuraram identificar como se dá o uso de cada um desses setores pelo crime organizado. Cada um apresentou um relatório no qual verificou casos suspeitos e práticas ilegais. Logo depois, eles definiram metas para impedir o crime de utilizar esses setores da economia.

Os relatórios de inteligência da Enccla não citam nomes de pessoas nem de empresas, pois o objetivo deles é identificar as práticas criminosas para, em seguida, propor alterações legislativas ao Congresso e também no campo de normas da Receita Federal, da Fazenda e do Banco Central.

No caso da Receita, a principal medida em debate é a imposição de novos controles sobre operações de câmbio para a exportação e importação. Isso porque, em julho de 2006, o BC parou de fiscalizar os recursos provenientes de exportações, criando uma brecha para o crime. Desde então, não há mais investigações pontuais sobre operações desse tipo.

Ao todo, são registradas 18 mil operações cambiais todos os dias no Brasil, como remessas, pagamentos, importações, exportações e dividendos. Elas ficam no sistema do BC, mas os bancos não são obrigados a repassar às autoridades os detalhes de cada operação, como o número do contrato e as suas justificativas legais. Por esse motivo, a Receita estuda a criação de um sistema centralizado que permitiria o controle de operações de câmbio como era feito antes pelo BC. O objetivo é fechar as portas para que esses contratos não sejam mais utilizados como meio de remessas ilegais e de lavagem de dinheiro tanto para capitais que saem quanto para aqueles que entram no país.

Também está em estudo a imposição de uma nova regra às empresas para obrigá-las a informar os seus contratos de câmbio ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), o que iria garantir um maior controle.

Na área de compras públicas, a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça fazem, desde dezembro de 2008, comparações entre as licitações feitas por um mesmo órgão público para verificar se grupos de empresas se revezam entre as vencedoras. Com o auxílio de avançados programas de computação, a CGU está passando um pente fino em todas as licitações realizadas recentemente no país. Os controladores já verificaram que foram dispensados R$ 1,15 bilhão em licitações do governo, nos últimos dez anos, em 326 mil casos.

No setor de pecuária, o Coaf deverá fazer um levantamento das práticas dos frigoríficos e a PF vai investigar com maior frequência os leilões de gado no país.

No setor de combustíveis, o objetivo maior é identificar os quadros societários de donos de postos de gasolina, pois há fortes suspeitas de que eles são "laranjas" para o crime organizado.

No futebol, os Tribunais de Contas dos Estados vão verificar os repasses de dinheiro de prefeituras para clubes e fazer um levantamento dos incentivos fiscais concedidos. Essas informações serão enviadas para diversas autoridades, como a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que já identificou um esquema de supervalorização na transferência de jogadores para o exterior, no qual empresários sacam altas quantias de dinheiro na Espanha, geram dívidas para os clubes brasileiros e, depois, depositam o capital em paraísos fiscais. "Esse dinheiro tem sido utilizado para pagar os direitos de imagem dos jogadores em outros países ou para pagar inversões por conta de seus acionistas majoritários em negócios no exterior", diz relatório da Abin.

Mesmo sem os nomes dos criminosos, os relatórios mostram como o crime conseguiu entrar em atividades que movimentam centenas de bilhões de reais. Somente em compras públicas, o governo gasta R$ 300 bilhões por ano. As remessas de dinheiro para fora do país atingiram US$ 610 bilhões no ano passado. A pecuária gera um faturamento anual de R$ 50 bilhões por ano. São setores considerados vulneráveis a operações de lavagem de dinheiro.

Em todos eles, o maior desafio das autoridades é o de identificar as tipologias de crimes - as formas escolhidas pelos criminosos para esconder a lavagem de capitais. É o que as autoridades chamam de "modus operandi" das organizações criminosas.

No setor de exportações e importações, por exemplo, um relatório aponta que, quase concomitantemente ao fim do controle exercido pelo BC sobre essas operações, em julho de 2006, o Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi) identificou um caso em que uma companhia brasileira fez um contrato para exportar soja para a Alemanha, através de navios, mas o produto nunca foi embarcado. Em compensação, o dinheiro relativo à soja foi repassado para uma terceira empresa que não tinha relação direta com o negócio.

No caso do futebol, o Gafi concluiu que é necessária a criação de mecanismos de cooperação entre as unidades de inteligência de diversos países para facilitar a troca de informações sobre a compra e a venda de jogadores. Para o Gafi, o investimento no futebol constitui ameaça à estabilidade do sistema financeiro, pois é um dos negócios mais lucrativos do mundo.

A França e a Inglaterra possuem órgãos reguladores para impedir o uso desse esporte pelo crime organizado. A Enccla discute, desde 2008, a necessidade de criação de uma agência reguladora para o futebol, mas essa recomendação ainda não foi levada para o Palácio do Planalto nem para o Congresso.

Na pecuária, a Enccla apontou como grande dificuldade a falta de um órgão controlador para identificar a quantidade real de gado no país e estimar o valor dos rebanhos bovinos.

No setor de combustíveis, as autoridades encontraram gestores de negócios com ligações diretas com líderes de organizações criminosas que se encontram presos, no Estado de São Paulo. Elas concluíram que a falta de regras para a identificação da origem dos recursos para compra de postos é um dos caminhos utilizados para lavar dinheiro. Organizações criminosas financiam aquisições e vendas de postos através de "laranjas" e a alta rotatividade dessas operações atrapalha as investigações. O setor de combustíveis foi descrito como um mais um "ambiente obscuro e informal, um caminho para o crime".

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