segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Investida contra os carteis

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 08.12.08 - E2
A ofensiva brasileira contra os cartéis
Alexandre Massao Habe
Que ninguém duvide: existe uma forte reação da sociedade contra a formação de cartéis, e os números não deixam dúvidas. Desde 2003, ano em que ocorreu o primeiro caso de busca e apreensão em uma investigação de cartel no Brasil, a Secretaria de Direito Econômico (SDE), vinculada ao Ministério da Justiça, aplicou mais de R$ 760 milhões em multas. Nesse mesmo período, foram assinados dez acordos de leniência - equivalente à delação premiada. Atualmente, existem aproximadamente 300 investigações de cartel em curso na SDE e 100 processos administrativos em andamento por prática de cartel no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

O cartel representa uma séria ameaça ao funcionamento saudável da economia. É um grave acordo entre concorrentes para fixar preços, dividir clientes ou mercados que prejudica a dinâmica natural dos preços e suas tendências em determinada região, porque manipula o mercado, restringe a oferta e torna os bens ou serviços mais caros ou indisponíveis. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estima que a formação de cartel sobreponha os preços entre 10% e 20% em comparação aos valores de um mercado competitivo, o que causa prejuízos anuais de bilhões de reais para os consumidores. Os governos do mundo todo desenvolvem acordos internacionais entre os países para aumentar os programas locais de combate à formação de cartel. Enquanto nos Estados Unidos a lei contra os cartéis existe desde 1890 - a "Sherman Act" -, no Brasil a criação efetiva de uma lei de competição - a Lei nº 8.884 - é datada de 1994.
O número de buscas e apreensões solicitadas pela SDE para a investigação de cartéis cresce anualmente, com o concomitante aumento dos valores de multas aplicadas contra os envolvidos. De 2003 a 2005 o número de casos foi de apenas 11, mas passou para 19 em 2006 e saltou para 84 em 2007. Em 2008 já atingia 57 casos até setembro. O primeiro mandato de busca e apreensão no Brasil ocorreu em 2003 na operação sobre o cartel das britas. Outros casos importantes foram os dos vergalhões de aço, em 2005, com multas de R$ 345 milhões; e das britas, no mesmo ano, com multas de R$ 60 milhões. Em 2007 os casos do cimento, dos vigilantes e das vitaminas tiveram multas de R$ 43 milhões, R$ 40 milhões e R$ 18 milhões, respectivamente. E neste ano, o caso dos frigoríficos somou multas de R$ 14 milhões.
A prioridade absoluta da SDE no combate aos cartéis, louve-se, é o fator principal para justificar o aumento quantitativo e financeiro das estatísticas. Nesses últimos cinco anos, a SDE incrementou suas ferramentas de combate aos cartéis mediante acordos de leniência, assinaturas de acordos para cooperação com outros órgãos - como Polícia Federal, Ministério Público e Controladoria-Geral da União (CGU) -, treinamento de funcionários sobre técnicas avançadas de investigação (inspeções, diligências, análises econômicas, computação forense, etc), criação de unidade específica para investigação de cartéis em licitações, campanhas para divulgação do combate ao cartel em aeroportos além da criação de site de denúncia anônima.
Atualmente, as empresas que atuam na área de combustíveis lideram a lista de setores investigados pelas autoridades. Em seguida, serviços médicos e de saúde, transportes aéreos, prestação de serviços, construção civil, frigoríficos, empresas de vigilância, auto-escolas e gases industriais. As punições podem chegar a 30% do faturamento bruto para pessoas jurídicas, enquanto as pessoas físicas podem ser condenadas a pagar multa entre 10% a 50% daquela aplicada à empresa, além da pena de reclusão, que varia de dois a cinco anos.
Nos Estados Unidos, assim como observado no Brasil, o aumento no valor das penalidades é decorrente, basicamente, da maior fiscalização e dos reflexos positivos do programa de leniência revisado e introduzido nos Estados Unidos no ano de 1993, utilizado como modelo por vários países. Porém, as grandes diferenças entre os programas de Leniência do Brasil e dos Estados Unidos referem-se aos beneficiários - ou seja, quem pode usufruir do programa - e à punição.
Enquanto no Brasil apenas o primeiro a efetuar a denúncia sobre a prática de cartel pode se beneficiar integralmente de possíveis ações administrativas e criminais, nos Estados Unidos os outros envolvidos na prática de cartel que cooperarem com as investigações poderão ser beneficiados com a redução das penalidades em até 50%. As penalidades nos Estados Unidos também são mais severas. Para indivíduos, prevê até dez anos de reclusão e multas de até US$ 1 milhão. Para empresas o valor máximo da multa é de US$ 100 milhões e, alternativamente, uma multa de até duas vezes o valor do benefício ou prejuízo causado pela prática de cartel.
Desde o início de setembro de 2007 foi regulamentado pelo Cade a possibilidade de acordo para encerrar investigações por prática de cartel no Brasil. Nos casos em que houver sido celebrado um acordo de leniência pela SDE, o Cade exige a confissão da culpa para legalizar o acordo. Mas estabelece um valor de multa mínima de 1% do faturamento bruto anual da empresa, referente ao ano anterior ao do início da investigação, sem limite do valor máximo.
Atualmente, o grande desafio do novo presidente do Cade, além de dar continuidade ao aumento do volume das fiscalizações contra os cartéis, será também o de elevar a velocidade nas decisões ou julgamentos dos processos que vêm se acumulando no plenário do Cade e concomitantemente fazer com que essas decisões sejam cumpridas, ou seja, demonstrar ao mercado que as ações do órgão estão sincronizadas e não são meros fogos de palha.
Há ainda que se repensar a avaliação dos prejuízos para os consumidores e na avaliação dos riscos efetuadas por aquelas empresas que participam de cartéis ao se falar sobre as punições aos participantes pela formação de cartel. Será justo uma empresa que majorou os preços de referência em 50% ou mais durante um longo período receber uma multa limitada por lei a no máximo 30% sobre o seu faturamento? No mínimo, já vale um debate sobre o assunto.
Alexandre Massao Habe é diretor da FTI Consulting

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