terça-feira, 17 de junho de 2008

Pirataria

Valor Econômico - Legislação e Tributos - 16.06.08 - E2

O Poder Judiciário e a punição da pirataria
Marcos Chucralla Moherdaui Blasi

Que a pirataria é um mal, praticamente todo mundo concorda. A pergunta que fica no ar é a seguinte: será que os nossos tribunais têm realmente feito sua parte para uma efetiva coibição dessa prática?
Sinônimo de informalidade, de não-recolhimento de tributos, de desestímulo à atividade regular e ao investimento em novas marcas, produtos e tecnologias - o chamado investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) -, gerando inevitável perda de competitividade, a pirataria é sempre associada a prejuízo à economia formal. De grandes proporções. O grave problema da pirataria não fica restrito ao âmbito nacional, sendo, ao contrário, uma preocupação de ordem global, o que explica a forte pressão internacional no sentido da adoção de medidas efetivas de combate, seja por parte das autoridades aduaneiras - para evitar a entrada de produtos pirateados no país - seja por meio de ações institucionais, policiais e judiciais - para fomentar uma ampla cultura antipirataria e coibir firmemente práticas desse tipo.
Não por acaso, na mídia, as megaapreensões de produtos falsificados conduzidas pela Polícia Federal e por delegacias estaduais especializadas ganham cada vez mais destaque. Segundo estimativa do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos Contra a Propriedade Intelectual do Ministério da Justiça (CNCP), nada mais nada menos do que oito milhões de CDs e DVDs falsificados foram apreendidos em território nacional apenas em 2007.
Em outro front, Estado e entidades representativas de empresas e de consumidores se mobilizam na tentativa de conscientizar a sociedade quanto à importância de não adquirir produtos falsificados. Consideráveis esforços têm sido recentemente direcionados também às escolas, de modo a educar as crianças desde o berço. A discussão sobre pirataria tem sido corretamente colocada em um contexto mais amplo, de estímulo à inovação e ao empreendedorismo de nossas empresas, a gerar resultados muito mais duradouros para o país.
Mas e em nossas cortes, como está a batalha? Infelizmente, nesse campo as medidas não têm sido tão efetivas. A lei brasileira, a exemplo da maioria das legislações estrangeiras, considera a violação a marcas, patentes, desenhos industriais ou direitos autorais algo contrário ao direito, punindo civil e criminalmente aqueles que o praticam. Assim, uma vez demonstrada a contrafação, o indivíduo tem que cessar, imediatamente ou em curtíssimo prazo, essa prática e ressarcir os titulares desses direitos pelos prejuízos causados.
Enquanto não houver punição do infrator em seu bolso, a pirataria continuará com a imagem de crime sem castigo
Pois bem. Em relação à cessação dessas infrações, o Poder Judiciário tem sido bastante efetivo, não raro proibindo, imediatamente, a comercialização de um produto contendo uma marca que reproduz ou imita a marca anterior de seu concorrente, por exemplo, sob pena de uma significativa multa diária em caso de descumprimento da ordem. Em outros casos, os juízes chegam até a determinar o recall dos produtos contrafeitos já existentes no mercado.
O problema surge quando o que está em jogo é a indenização devida em razão dessas violações. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu um grande passo, em 2003, ao concluir que não é necessário que o titular faça prova do prejuízo real, pois o direito à indenização decorreria automaticamente da violação, considerada, em si, extremamente danosa ao titular de direito. Assim, provada essa, devida aquela, que seria calculada posteriormente. Entretanto, alguns tribunais de Justiça (TJs) estaduais ainda relutam em seguir tal orientação, defendendo a aplicação, também a esses casos, da regra geral do Código Civil brasileiro segundo a qual quem alega prejuízo tem que trazer provas de que ele, de fato, ocorreu.
Lamentavelmente, na contramão do STJ e da doutrina especializada, essas decisões têm tolhido dos titulares o direito à obtenção do justo ressarcimento pela violação de uma propriedade protegida pela Constituição Federal, além de passarem ao contrafator a indigesta sensação de que a falsificação compensa, uma vez que seu bolso raramente é afetado. Afinal, é até intuitiva a constatação de que a mera comercialização de um produto idêntico com marca semelhante, ou mesmo que reproduza o objeto protegido por uma patente, por si só, traz enormes prejuízos ao seu titular, pois os falsificadores acabam por atrair indevidamente para si os clientes do titular, além de vulgarizar o produto original.
Por outro lado, é muito difícil apurar antecipadamente o prejuízo real, até porque os infratores geralmente se valem de todos os meios possíveis - legais ou ilegais - para acobertar a real dimensão da violação. Não sem razão, a legislação brasileira de Propriedade Industrial - a Lei nº 9.279, de 1996 - estabelece uma série de formas de apuração desse valor em um momento posterior da ação judicial, denominado liquidação de sentença, não se podendo condicionar o reconhecimento do direito a uma indenização à prévia apresentação de uma prova verdadeiramente diabólica.
Enquanto nossos tribunais não se derem conta da importância de punir o infrator em seu bolso, a pirataria continuará passando a imagem de um crime sem castigo.
Marcos Chucralla Moherdaui Blasi é advogado especializado em propriedade intelectual e sócio do escritório Gusmão e Labrunie Advogados

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