quinta-feira, 15 de maio de 2008

Afetação patrimonial e limitação de riscos

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 15.05.08 - E2
Novos mecanismos para a política industrial
Melhim Namem Chalhub

No momento em que se cuida de formular uma nova política industrial, é preciso pensar na criação de mecanismos legais capazes de limitar os riscos patrimoniais, visando atender ao crescente número de empreendimentos realizados mediante associação de diversas empresas ou investidores. No Brasil, o mecanismo usualmente empregado é a criação de sociedades de propósito específico (SPE) para cada negócio, com o que se acredita que o risco dos investidores fique contido no limite do patrimônio dessas SPE.
A fórmula é útil, mas sua aplicação exige a criação de uma nova sociedade empresária para cada negócio específico, com todas as formalidades e a indesejável burocracia própria das formalidades de constituição e registro de uma sociedade.
Diferentemente, os países mais avançados têm adotado mecanismos de proteção patrimonial que, mais simples e menos burocráticos, são muito mais eficazes, pois os riscos são limitados por força de lei. É o caso da criação de patrimônios autônomos, afetados a determinada finalidade.
Com efeito, o meio mais simples e eficaz, sem burocracia, de limitação de riscos e estímulo a investimentos é a afetação de determinado acervo patrimonial para realização de um negócio específico, pela qual se confere autonomia funcional ao patrimônio deste negócio, tornando-o incomunicável em relação aos riscos patrimoniais dos parceiros. Não é necessário criar uma sociedade empresária somente para este fim. Basta vincular determinado patrimônio à consecução do negócio específico, mediante afetação. O mecanismo vem sendo adotado nos mais diversos países e sua utilidade no processo de crescimento econômico é de tal grandeza que se expandiu de forma generalizada a partir do fim do século XX, seja mediante a regulamentação da propriedade fiduciária, da constituição de patrimônios de afetação de bens ou, ainda, mediante a adoção do trust.
Na América espanhola, por exemplo, a regulamentação da matéria é generalizada e a afetação se dá mediante constituição de fideicomisso, pelo qual se transfere a propriedade de determinados bens ou direitos a uma instituição fiduciária, para que esta os aplique em determinada finalidade, permanecendo esses bens blindados contra credores estranhos à finalidade para a qual foi constituído o fideicomisso. É nestes termos que se encontra regulamentado na legislação mexicana que, adotada em 1932, foi atualizada em fevereiro de 2008 no contexto da reforma da lei geral das operações de crédito.
No que tange às necessidades da política industrial, merece especial atenção recente alteração da parte societária do código civil italiano, que permite a constituição de patrimônios destinados a negócios específicos. Por este modo, uma sociedade empresária pode constituir um ou mais patrimônios, cada um deles destinado a um negócio específico, e convencionar que seus frutos sejam destinados total ou parcialmente ao reembolso de financiamento concedido para realização do negócio específico. No mesmo sentido, o direito francês regulamentou em 2007 a operação de fidúcia, pela qual se cria um patrimônio fiduciário, que é, naturalmente, submetido ao regime da afetação patrimonial.
Em qualquer destas formas, opera-se a individualização de uma parte do patrimônio geral de uma ou mais empresas, sua separação jurídica desse patrimônio e sua destinação a uma operação econômica específica. O ativo do patrimônio separado fica blindado para satisfazer exclusivamente as obrigações contraídas para realização do negócio específico e, assim, não responde pelas dívidas e obrigações relacionadas ao patrimônio geral da empresa que o constituiu. Dada esta configuração, os bens e direitos do negócio específico só podem ser objeto de constrição por parte dos credores vinculados a esse negócio específico, não estando legitimados a fazê-lo os credores do patrimônio geral da empresa.
A operação torna mais atraente o investimento de terceiros, dado que a limitação de responsabilidades se faz por força da própria lei, circunstância que lhe dá máxima eficácia. Além disto, importa em redução do custo de monitoramento dos créditos dos investidores, na medida em que estes não precisam ocupar-se do controle do desempenho de toda a empresa, mas somente do patrimônio separado. As iniciativas do direito estrangeiro evidenciam a eficácia da afetação patrimonial, sem ingredientes burocráticos, como mecanismo de limitação de riscos e, conseqüentemente, de estímulo aos investimentos privados.
No Brasil, apesar de já termos feito algumas incursões neste campo - embora de maneira tímida e casuística -, estamos muito distantes da modernidade. Precisamos olhar para a legislação estrangeira para ter uma visão realista da nossa capacidade de competição no mercado globalizado. Um regime legal de afetação patrimonial para negócios específicos, a exemplo do código civil italiano, é fator decisivo para melhorar nossa competitividade.
Melhim Namem Chalhub é advogado, professor e autor dos livros "Negócio Fiduciário" e "Trust - Perspectivas do Direito Contemporâneo na Transmissão da Propriedade para Administração de Investimentos e Garantia"

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