sexta-feira, 18 de abril de 2008

Boa-fé objetiva

Veja aqui o texto dos slides de power point da minha aula sobre o princípio da boa-fé objetiva.

*Princípios que Presidem o Código Civil
Segundo Miguel Reale, três princípios presidem a
nova Lei Civil:
- Eticidade (prevalência dos valores coletivos sobre os individuais)
- Socialidade (exigência de boa-fé nos negócios jurídicos)
- Operabilidade (concretização e atualização constante da norma num mundo real)
*Despatrimonialização do Direito Civil
Transposta a centralidade do direito privado para a Constituição, substituiu-se a lógica patrimonial (proprietária, individualista) pelos valores existenciais (dignidade humana e solidariedade social) encarecidos na Lei Maior. As atenções do direito civil foram deslocadas do patrimônio para a pessoa, que aparece não mais como causa eficiente do direito (origem), mas a causa final (razão de ser) (Morin), fundamento dos direitos e garantias individuais.
*Releitura da legislação civil
A constitucionalização, a socialização e a despatrimonialização impõe ao intérprete realizar a releitura da legislação à luz da Constituição, a fim de privilegiar os valores não-patrimoniais, a dignidade da pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, os direitos sociais e a justiça distributiva, à qual devem se submeter a iniciativa econômica e as situações jurídicas patrimoniais (Celina Bodin de Moraes)
*Insuficiência do sistema fechado
A codificação abstrata, rígida e formal relevou-se insuficiente para regular todos os casos. A pretensão de completude e exclusividade de um sistema fechado, estático, facilmente superável pela rápida evolução social, foi substituída por uma técnica aberta e flexível que se vale de princípios, categorias gerais e standards jurídicos.
* Cláusulas Gerais
São disposições normativas que utilizam em seu enunciado formulações abertas, vagas, fluidas, sob a forma de diretrizes, cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz e que lhe outorgam competência para decidir de acordo com o caso concreto. Busca-se dotar o sistema de “janelas abertas para a mobilidade da vida, pontes que o ligam a outros corpos normativos (...) e aos princípios e regras constitucionais”. (Judith Martins-Costa)
* Alguns Exemplos de Cláusulas Gerais

- Função social da propriedade e dos contratos (art. 421 e 2.035, § ú)
- Boa-fé objetiva (art. 422)
- Atendimento aos fins econômicos e sociais na interpretação (art. 187)

*Conceito de boa-fé objetiva
Conceito: representa o alicerce ético das obrigações (Treu und Glauben, good faith and fair dealing). Impõe um dever de as partes agirem com lealdade, cooperação, empenho à palavra dada e confiança recíproca, antes, durante e após a formação do contrato. Adiciona-se uma exigência ético-social de respeito à personalidade alheia e de colaboração entre os contratantes (respeito aos interesses e expectativas das partes). É a boa-fé lealdade, em comparação com a boa-fé crença (boá-fé subjetiva). Constitui especificação da dignidade da pessoa humana (Teresa Negreiros) e, portanto, tem assento nos princípios fundamentais da República (J. Roberto de Castro Neves).

*Boa-fé objetiva como fonte de deveres secundários
A boa-fé implica a criação de deveres anexos, laterais de esclarecimento, colaboração e proteção, independentemente de expressa vontade das partes, excedendo o mero dever de prestação . São deveres secundários que, sem interessar diretamente à obrigação principal, são necessários à plenitude da realidade obrigacional em que a prestação se integra e permitem a caracterização do inadimplemento contratual.

*Previsão expressa da boa-fé objetiva no ordenamento codificado
- Código Comercial de 1850 (art. 131)
- Código Civil de 1916 (art. 1.443)
-Código do Consumidor (arts. 4º, inc. III, e 51, inc. IV
- Código Civil de 2002 (arts. 113, 187 e 422)

*Caso prático de aplicação da boa-fé objetiva
“Há hipóteses em que o cumprimento da prestação não apresenta qualquer defeito ou irregularidade, mas é efetuado com manifesta intenção de não atender à obrigação, seja em sinal de protesto ou por simples irresignação íntima. O devedor, destas hipóteses, cumpre literalmente a obrigação de dar, fazer ou não fazer, nos limites literais com que foi ditada, mas o faz empregando meios anômalos ou modificando o curso natural de seus atos, para impor maior dano do que outrora causou.
A Rede Globo de Televisão noticiou, na edição de seu Jornal televisivo do dia 17-10-2001, um protesto realizado por motoristas junto a uma estação de pedágio em movimentada rodovia do Estado de São Paulo, quando cerca de 80 veículos alinharam-se nas cabines de cobrança do pedágio e passaram a efetuar o pagamento do valor com moedas de um e cinco centavos. Ao todo, foram utilizadas 28.000 (vinte e oito mil moedas), que importaram a perda média de uma hora por veículo, para conferência e liberação.” (Helder Martinez Dal Col, Obrigações Negativas no Direito Brasileiro, Seleções Jurídicas Coad, março de 2003, p. 12)
*Funções da boa-fé objetiva
Funções:
a) adjuvandi (interpretativa): interpretação consoante seu sentido objetivo, aparente, ordinário ou mais razoável, salvo se conhecida a vontade real diversa, dentro de uma perspectiva total voltada ao adimplemento. Ex.: a compra em uma feira de usados não reclama a mesma boa-fé de uma loja fina ou renomada, em que se supõe haver maior cuidado (Junqueira Azevedo).

*Funções da boa-fé objetiva
Funções:
a) adjuvandi (interpretativa): sob essa
ótica se compreende:
i – conservação do contrato;
ii- menor sacrifício ao devedor
iii- interpretação contra o predispodente (interpretatio contra estipulationen)
b) supplendi (integrativa): criação de deveres jurídicos secundários não estipulados pelas partes, superando-se o dogma da vontade como única fonte de obrigações entre as partes.
c) corrigendi (controle): limitação às cláusulas e condutas abusivas, como
i – restrições à exceção do contrato não cumprido e à resolução contratual, diante do adimplemento
ii – aplicação da teoria da contradição com a própria conduta (neno venire contra factum proprium), proibindo uma parte de adotar uma posição jurídica contrária ao comportamento anterior substancial (substantial performance) e da inexigibilidade de ônus ou sacrifícios além do razoável.
iii – vedação à exigibilidade de uma prestação pelo não exercício de um direito durante longo período, supondo-se extinta a obrigação (suppressio).
iv – nascimento de um direito em decorrência de uma prática continuada de atos, como pagamento de dividendos em desacordo com o estatuto da companhia (Maurício Jorge Mota), situações configuradoras de novação (surrectio).
v – impossibilidade de a parte que descumpriu uma obrigação de exigir da contraparte o adimplemento do dever que ela própria descumprira (tu quoque). Ex.: vedação a quem já está em mora de pretender a revisão ou resolução do contrato (Ruy Rosado).

* Incidência da boa-fé objetiva quanto ao momento do contrato
Fase Pré-contratual: deveres de informação, aconselhamento (produtos de alta tecnologia), aviso (riscos ou vícios), sigilo (fatos conhecidos durante as negociações), proteção (bens recebidos para experimentação), confiança (a Cica distribuía sementes e depois não comprou a safra dos agricultores).
Fase contratual: manutenção do equilíbrio contratual (lesão e onerosidade excessiva), colaboração recíproca para o adimplemento, coibição de abuso de direito, funções interpretativa, integrativa e corretiva.
Fase pós-contratual (pós-eficácia das obrigações): deveres posteriores ao término do contrato, ou das obrigações básicas, de garantir a fruição sem obstáculos das vantagens do negócio. São exemplos a cláusula implícita de não-restabelecimento (NCC, art. 1.147), o resguardo de informações obtidas (Lei 9.279/96, art. 195, inc. XI), a incolumidade (CDC, art. 10), prolongamento de obrigações (NCC, arts. 674 e 690).

* Nova teoria geral dos contratos e das obrigações
Os valores de equidade, justiça, boa-fé, segurança das relações jurídicas, função social acarretam a nova compreensão do princípio da autonomia de vontade, formando a Nova Teoria Geral dos Contratos. Nela a vontade tem seu papel diminuído, mas, em contrapartida, o contrato ganha com a sua revitalização.
*Enunciados da I Jornada de Direito Civil do CJF:
24 – em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa.
25 – o art. 422 do novo Código Civil não inviabiliza a aplicação, pelo julgador, do princípio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual.
26 – a cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes.

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Eis o veículo (Motorella) que tenho utilizado para andar na ciclovia da Lagoa e ir ao trabalho sem suar